PDF Critical Incursions the work of Priscilla de Paula leo alias Leonardo Lina .

Critical Incursions: the work of Priscilla de Paula.


Eliane Gordeeff , no artigo "Animando: um registro de técnica, história e unidade plástica," apresenta uma curta-metragem, Animando, de Marcos Magalhães, onde são demostradas as diversas técnicas de animação, do desenho animado, ao recorte, à pintura sobre vidro, à areia, massinhas, objetos, e pixilation. Este autor virá a congregar um importante festival internacional de animação no O artigo "Pintura em Alta Definição: 'O Moinho e a Cruz,'" de Rosa Cohen aborda também o cinema, a película de Lech Majewsky , onde se apresenta uma leitura da procissão para o calvário, de Peter Brueghel (1564).


Martin Creed é apresentado no texto de Yiftah Peled ("Creed Número 850: performance e comportamento no espaço institucional") integrando a performance, o cinema, a pintura, e o museu, numa performance que revisita um excerto de um filme da nouvelle vague de Jean Luc Godard (Bande à Parte): bater o recorde de conseguir visitar o Louvre em 9 minutos. Creed revisita a corrida no museu, desta vez com uma performance que envolve 50 estafetas que correm durante 8horas por dia na Tate Britain.


Fabíola Tasca debruça-se sobre Santiago Sierra, e as performances cujo cerne é o trabalho inútil executado por trabalhadores no limiar da remuneração mínima, no artigo "Arte e trabalho em Santiago Sierra." O mundo paga a Sísifo para o substituir, para maior conforto no absurdo.


A substituição sígnica é um mecanismo da cultural próximo do feiticismo da mercadoria , ou do fetichismo . O artigo "Mariaelena Roqué: Fetichismo vestido de História," de Filipa , toma a obra da figurinista Mariaelena Roqué como instância de máscara dentro da ambiguidade e do discurso de género. O corpo é oprimido pelo seu discurso de sexualidade, encontrando nessa pressão o seu descanso no resgate da solidão falada e em busca de um outro separado.


O artigo "(De)construyendo a Cenicienta: (Re)presentación del ideal de ser princesa en un cuerpo masculino," de Visitación Ortega (Espanha), explora também as questões de género. Como sonhar ser uma cinderella, se o corpo for masculino? Luis López Diezma interroga os arquétipos destes contos tradicionais, em que se imputa um papel escópico ao feminino.


Maíra Claudino dos Santos, em "A dança e a política: pensamentos sobre a peça 'Nem tudo o que fazemos tem de ser dito, nem tudo o que dizemos tem de ser feito'" debruça-se sobre a coreógrafa Claudia Dias e as implicações que a dança pode assumir na sua relação com o "chão que pisa", renovando o debate entre corpo e arte, entre o corpo e o debate, numa abertura ao "dissenso," como interroga Coconstitutivas uma da outra, poderiam dança (ou ação política imaterial) e cidade (fazer legislativo-arquitetônico material) encontrar-se e renovar-se numa nova política do chão, numa coreopolítica nova em que se possa agir algo mais do que o espetáculo fútil O artigo "O jardim das elegantes exceções: um pensar filosófico sobre a obra em vídeo e performances de Paulo Meira," de Oriana Araujo aborda a obra performativa de Paulo Meira, onde a deslocação e o descentramento, a procura e a identidade, o território e o corpo são capitais. Deste autor extraímos um still de um vídeo que faz a capa da revista Croma nº4.


Regina Silveira Mello apresenta e discute os "Vidros luminescentes brilham no Oceano Azul: a Arte de Teresa Almeida", sobre as peças que se modificam consoante a qualidade da luz, evidenciando um cruzamento entre a ciência fisico-química e a arte.


Ainda na relação entre arte e tecnologia, mas adensando a reflexão crítica desta última, o artigo "Leonel Moura: sobre criar artistas, provocações e perspectivas" de Soraya Braz & Fábio Nunes reflecte sobre os artefactos robóticos autopoiéticos do artista português A poesia reunida de um poeta falecido em 1989, de Paulo Leminski, conseguiu, em 2013, reunir mais de 7 reimpressões em dois meses e assumir um lugar de liderança entre os livros mais vendidos. É um projeto editorial único, em que cada poema é planeado especificamente, como apresentam Thiago Vieira & Gabriela Mager no texto "O Designer Gráfico como a(u)tor na produção de livros: os atos de Companhia das Letras e Cosac Naify em Toda Poesia e Vermelho Amargo."


A poesia visual é também o toque de discussão no artigo "As Facturas Intersemióticas de Paulo Miranda, um Poeta da Era Pós-Verso," onde Omar Khouri apresenta a obra do concretista Paulo Miranda e das suas revistas de intervenção poética sobre os suportes visuais, como a Artéria, publicada em São Paulo em 1975.


Paula Almozara no artigo "Para além dos arquivos fotográficos:


Queiroz, João Paulo (2014) "Fetichismo e substituição."


dinâmicas de apropriação, construção e desconstrução" debate a relação entre acervo e criação, dentro da problemática da autoria e da apropriação, do estereótipo cultural (a fotografia de estúdio especializada em géneros) atualizando o questionamento da identidade. O texto "Eliana Herreros: Entre a Ocupação e a Performance," de Elisângela Maccari debruça-se sobre a artista chilena Eliana Herreros, em que a intervenção incide sobre o transporte pela cidade de pesadas peças compostas de matérias recicladas: "objeto e carregadores são partes indissociáveis da mesma obra / performance, incorporando o trabalho na intervenção.


Diana Simões (Portugal) aborda os espaços de reterritorialização deleuzeanos no artigo "Carlos Bunga e o problema da literalidade," a propósito das suas instalações de ataque à instância casa e também ao "cubo branco" em benefício do recomeçar pós moderno .


Angela , no texto "Vínculos entre arte, lugar e comunidade no projeto 'Temporal' de Stephan Doitschinoff " revisitam os grafitti em espaços públicos junto de comunidades, e a sua forte interligação com motivações históricas locais.


Os grafitti urbano e informal é também o motivo de debate do artigo "Um estudo sobre o processo criativo e atuação da artista Kika Carvalho no espaço urbano da cidade de Vitória / ES" de Mariana Lima .


Márcia Piva , no artigo "Natureza em Chamas: Reflexões sobre Arte e Ecologia na Obra de Frans Krajcberg" debruça-se sobre a inquietação ecológica e a motivação que a sustentabilidade promoveu na obra do escultor Krajcberg, artista de formação parisiense modernista, da mesma geração de Léger ou Chagall.


O artigo "Lúcia Misael: uma questão de identidade na aproximação entre Arte e artesanato" de Elisângela Drabzinski Felber Maccari aborda um conjunto de instalações de Misael, revelando algumas das suas motivações, tanto marcadamente de interrogação sobre o género, como idiossincráticas.


Cláudia Fazzolari , no texto "O registro de realidades alteradas e a performance em Regina José Galindo" aborda as difíceis performances de Regina Galindo, artista da Guatemala, que implica o espectador na violência urbana, e nas suas variantes sobre o género. São jogos de poder associados ao mundo da rua e do crime, que aqui são expostos pela curadoria Ainda sobre os temas de género, agora restritos aos papéis e ás atividades femininas que prendem o discurso nos corpos, o texto de Leonardo Lina & Lorraine Mendes , "Incursões Críticas: A obra de Priscilla de Paula" debatem os afectos, que tanto libertam como aprisionam as mulheres.


A dança butoh, na sua encarnação feminina, e o tema do artigo "Entre linhas e afetos: Mar Inquieto, rastros de danças em exposição" apresentado por Sandra Corradini . Interroga: pode o corpo que dança se tornar uma arma mortal? Tatiana Marques debruça-se, no texto "Subindo a Montanha Sagrada -O Cinema Místico de Alejandro Jodorowsky" sobre o filme do cineasta chileno Jodorowsky, que em 1973 roda a longa metragem "A montanha sagrada," filme que assinala a procura espiritual do seu tempo e do seu espaço, talvez transgredidos.


Também sobre o cruzamento entre a arte e a espiritualidade é debatida no artigo "Informação e comunicação: observações sobre um experimento de Mario Ramiro e Morio Nishimura," por Katia Prates : na busca de alguma essencialidade, a telepatia é possível, unindo a Grécia à Finlândia?


Por fim, Débora Saccol, em "A singularidade coreográfica de Gícia Amorim" debate a tradição de Merce Cunningham na dança contemporânea, associando à escultura de Henri Moore. Os espaços entre os corpos são espaços expressivos.


Este conjunto de artigos permite estabelecer uma teia de relações em torno da implicação da arte e da sua dimensão política. É um tema que, depois de irromper em alguns restritos sectores da arte conceptual dos anos 60, se tem vindo a consolidar, com cada vez mais numerosos autores e exemplos. A revista Croma parece testemunhar uma dimensão solidária e humanista emergente tanto na Península Ibérica como, e talvez com mais saliência, em toda a América Latina. A vibração da arte relacional trepida nos múltiplos agentes "provocadores" que apresentamos, sob a óptica do olhar dos artistas sobre outros artistas.


Artigos originais.


Introdução.


Naquele que afirma ser o seu último filme, O cavalo de Turim e claramente não tão preocupado com questões da ordem da sobrevivência mais básica, o discurso de Béla Tarr torna-se existencial, convidando o espetador ao questionamento das ações do quotidiano e ao envolvimento com o tempo. Este tema de cariz metafísico, é consentâneo com a nova fase da sua vida, de autor reconhecido internacionalmente, e também com o evoluir político, económico e social do seu país, a Hungria. Demonstra, desta forma preocupações bastante diferentes das dos seus primeiros filmes que evidenciavam os problemas das famílias, da habitação e da política na Hungria sob a influência extremista soviética, assim como da visão transmitida pelos seus filmes após a libertação desse regime, que contam as desilusões duma mudança política e social que foi muito esperada e prometida mas que não trouxe grandes melhorias ao país.


Desenvolvimento 1. Momento de mudança -a loucura de Nietzsche.


O cavalo de Turim, contém na sua narrativa, duas histórias distintas que numa visão de conjunto permitem perceber a mensagem do cineasta, conforme será explanado. Assim, no prólogo, sob um ecrã negro, é narrado o episódio verídico passado com Nietzsche, quando este em Turim impede o espancamento de um cavalo. Depois desse dia, Nietzsche terá passado o resto da vida «dócil e demente, entregue aos cuidados da mãe e das irmãs» (Béla Tarr, 2011a). Este curto episódio, que não volta ser mencionado, irá contaminar a experiência de visionamento da história seguinte, tanto pela simples referência ao filósofo que de imediato remete o espetador atento para o universo dos seus pensamentos, como pela própria situação retratada, que se demonstrará como uma parábola à restante narrativa. O título, O Cavalo de Turim, é também ele uma referência ao prólogo e não à história central do remanescente filme, conferindo desta forma, relevância ao episódio inicial e sugerindo que não existe uma separação tão latente, como inicialmente possa parecer, entre as duas histórias.


A rotina como caminho para a morte.


A segunda narrativa é apresentada através de Ohlsdorfer e da sua filha, testemunhando-se o seu quotidiano, no qual executam as rotinas diárias (Figura 1). Quase sem falar, quase sem se tocar, as personagens vivem na frugalidade, sem água canalizada ou eletricidade, sendo as suas refeições exclusivamente constituídas de Palinka e batata cozida, utilizando as mãos para comer; movimentam-se em conjunto, coordenados como um par de bailarinos sem alma, ensaiados pela repetição, numa atitude apática, sem indícios de qualquer prazer ou dor -como se apenas existissem.


Os longos e lentos planos-sequência, típicos de Béla Tarr, testemunham cada tarefa desempenhada, em tempo real, o que juntamente com a repetição destas ações de cada dia, reforça o peso do passar do tempo e da rotina, na • Pai e filha executam as suas actividades diárias. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. Lisboa: Midas Filmes, 2012. 1 DVD (148 min.) Figura 2 • Personagem à janela. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. Lisboa: Midas Filmes, 2012. Ribeiro, Ana Vieira (2014) "A rotina como estrutura do tempo: O cavalo de Turim de Béla Tarr." estruturação da vida das personagens. A fotografia do filme, a preto e branco, acentua também o seu caráter sombrio e melancólico.


São acompanhados seis dias desta pequena família, durante os quais a normalidade vai sendo progressivamente quebrada, até atingir a não-existência, sendo estabelecido um paralelo entre os seis dias bíblicos da criação, e os seis dias de Béla Tarr: na história bíblica, durante os seis dias criativos, vão sendo geradas as condições para a vida (Bíblia, , no sentido não-existência -vida, já o rumo dos seis dias de O cavalo de Turim toma o sentido inverso, vida -morte, numa demonstração da forma como o tempo passa, em cada individuo, num caminhar para a morte, suscitando assim a reflexão acerca da forma como cada momento de vida é usufruído.


Outra forma do autor questionar acerca de como é fruído cada instante, é através da materialização duma personagem recorrente nos seus filmes: o Homem à janela (Jacques Rancière, . Neste caso, as personagens quando se sentam à vez, defronte da janela, ali permanecendo imóveis a olhar para o exterior, não parecem questionar o porvir apresentando-se este gesto, como metáfora do esvaziar da mente e do tempo despendido perante o televisor.


A quebra da normalidade, já mencionada, é apresentada através de alguns episódios que pontuam a história, como prenúncios do fim. Passa-se a destaca-los da narrativa, mencionando-os cronologicamente, bem como dando atenção às reações das personagens aos mesmos, para posteriormente os analisar em conjunto:


3. Seis dias para o fim, ao som da música e do vento Primeiro dia. Já deitados, o pai chama a atenção da filha: Segundo dia. O cavalo, depois de já emparelhado recusa-se a andar; mais tarde recebem a visita de um vizinho que num monólogo cataclísmico e irregular, declara que a cidade foi arrasada fazendo uma premonição do Fim. Ao longo monólogo, Ohlsdorfer limita-se a responder ao vizinho: «Deixa-te disso! Que disparate!» Terceiro dia. O cavalo deixa de comer; passa pela casa um grupo de ciganos barulhentos (Figura 3) que servindo-se da água do poço sem pedir licença, • Os ciganos tiram água do poço. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. Lisboa: Midas Filmes, 2012. 1 DVD (148 min.) Figura 4 • A filha puxa a carroça. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. Lisboa: Midas Filmes, 2012. 1 DVD (148 min.)


Figura 5 • Candeeiro a petróleo. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. Lisboa: Midas Filmes, 2012. 1 DVD (148 min.) Figura 6 • O vento forte dificulta a tarefa de trazer água do poço. Fonte: Frame do filme de TARR, Béla -O cavalo de Turim [filme]. estão em total escuridão e na sua frente têm as batatas cruas que Ohlsdorfer, tenta comer; a filha já desistiu.


Béla Tarr, através da progressão que faz da narrativa, reforça a ideia de que tudo um dia acaba e portanto cada momento de vida deve ser consciente. Paralelamente aborda também o tema do questionamento (ou da ausência do mesmo). Perante os insólitos que se vão sucedendo a atitude de pai e filha nunca diverge, sendo que todas as situações anómalas até podem ser notadas, mas não são passíveis de discussão ou reflexão. A um caruncho que deixa de se ouvir após anos ininterruptos de atividade, ao breu repentino, ou ao fogo que não acende sem razão aparente, a resposta é a mesma «Não sei! Vamos para a cama. Amanhã voltaremos a tentar»; ao vizinho que diz que a cidade foi arrasada: «Que disparate!»; à promessa de um lugar melhor «Não me interessa!» Esta constante atitude de desinteresse, conformismo e resistência à mudança, é mais uma vez uma alusão ao não-questionamento do modo como se dirige a vida, e à forma como se tende ao alheamento das consequências disso sendo uma imagem do poder e do paradigma da atualidade.


A música de Mihály Vig, única existente no filme, irá constantemente, desaparecer e ressurgir; trata-se duma música cíclica, densa e hipnotizante, que confere uma camada de tensão ao filme. Sedutora, quando presente complementa os gestos do par, acentuando através da sua estrutura circular o peso da rotina que estes executam, o peso dos dias iguais.


O vento, fruto de uma tempestade seca que os assola, é a outra constante; nas cenas exteriores ganha uma presença sonora e visual, que à imagem de filmes anteriores, poderíamos sugerir que se trata de mais uma personagem -quem sabe a personificação de um espírito portador de mensagens cataclísmicas omnipresente (Figura 6).


Conclusão.


Este filme é, desta forma, uma caricatura algo pessimista ao modo como o Homem frui a vida, por se abstrair do valor da mesma deixando-se absorver pela rotina, sem se questionar ou tentar criar para si momentos de exceção. Conforme a referência do prólogo ao filósofo -estas personagens vivem um modo de vida convencionado, apenas existindo, sem demonstrar vontade de controlo sobre as suas vidas sendo, desta forma, levadas pela vida em vez de a levarem. O autor remete-nos, desta forma, a conceitos Nietzschezianos como o da vontade de poder ou a afirmação incondicional da Vida e do Ser. Béla Tarr -como Nietzsche -afirma o seu repúdio por tudo o que desvaloriza a dignidade humana, fazendo deste filme a sua derradeira afirmação, ao declarar que será o seu último projeto pois já disse tudo o pretendia (Béla Tarr, 2011b).


Referências.


Rancière, Jacques Todos, seremos inevitavelmente surpreendidos pelo fim, sendo o fundamental a forma como aproveitamos a viagem, como vivemos cada momento, nas palavras do autor:


A maioria das pessoas ignora o tempo. Eles não tomam em conta o facto de que o tempo não é eterno. E que só termos uma vida. E a questão principal é: a qualidade dessa vida, como estamos a gastar o nosso tempo. O que estamos a fazer. Como podemos mostrar-te a complexidade da vida quando estás só a fazer a tua rotina diária, quando estás só a fazer a tua atividade normal? Qual a diferença entre um dia e o outro? O que acontece contigo entre segunda e quarta? Esta é a pergunta principal que foi importante para nós. Só dizer-te algo que é terrivelmente doloroso. Tu tens uma vida, e estás a fazer a tua rotina diária e a cada dia estás a perder algo. E se não estás envolvido com o tempo então estás a seguir um guião, sabes? E isso é o que não queremos porque para nós o filme não é a história. O filme é para nós mais complexo e rico. Tentamos tocar o universo das coisas a que chamamos "Ser" .


Resumo: O objeto deste artigo é analisar a unidade visual obtida com a utilização de diferentes materiais na criação das imagens. O recorte é o curta-metragem Animando, de Marcos Magalhães produzido no National Film Board of Canada, que apresenta de forma criativa e coerente as relações de ação, corporalidade e representatividade para cada uma das sequências animadas que compõem o filme. Palavras chave: Animação brasileira / Unidade plástica / Documentário animado / Técnicas de animação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes (UFRJ/EBA); e Mestre em Artes Visuais Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes, Programa de Pós-graduação em Arte Visuais (UFRJ/EBA/PPGAV).


Introdução.


O objeto deste artigo é analisar a unidade visual obtida com a utilização de diferentes materiais na criação das imagens. O recorte é o curta-metragem de animação de 1983, Animando, de Marcos Magalhães produzido durante a sua estada de três meses no National Film Board of Graduado em Arquitetura, Magalhães realizou seu primeiro desenho animado, feito em Super 8, em 1974, quando tinha 15 anos de idade. Mais tarde, mesmo trabalhando de forma artesanal, produziu Meow! -uma crítica à propaganda, onde um gato é convencido a consumir "Coca-Cola" -que recebeu o Prêmio Especial do Júri, no Festival de Cannes . Tal feito abriu caminho para o seu estágio no Canadá, financiado pela Embrafilme e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).


Com sua volta ao país, estreitaram-se as relações culturais Brasil-Canadánegociações que se iniciaram dez anos antes . Em 1985 foi criado, no Rio de Janeiro, o Centro Técnico do Audiovisual (CTAv), com seu Núcleo de Animação, sob a coordenação de Magalhães, e cujo objetivo era desenvolver a animação no país. Do Canadá foram enviados maquinário específico, um grupo de técnicos e animadores que realizaram workshops para uma turma de dez animadores de diversas regiões do Brasil. Foi neste grupo que se aproximaram Marcos Magalhães, Aída Queiroz, César Coelho e Léa Zagury, que em 1993 realizaram a primeira edição do Festival Internacional de Animação do Brasil, o conhecido Anima Mundi, atualmente um dos cinco maiores festivais no gênero.


O curta-metragem Animando, apesar de representar apenas o caminhar de um personagem, é mais que um exercício -ou uma etapa de um estágio. Utilizando massinha, tesoura, barbante, filme velado, entre outros materiais, Magalhães apresenta de forma criativa e coerente as relações de ação, corporalidade e representatividade para cada uma das sequências animadas, sem perder a sua unidade plástica -que neste artigo são analisadas principalmente sob a luz dos estudos sobre cinema de Jacques Aumont e das análises de espetáculos de Patrice Pavis.


As caracteristicas técnicas, visuais e de narrativa do filme o consagraram com premiações de mérito no Festival Internacional do Filme de Melbourne, Austrália, e de Melhor Filme Didádico e de Informação no Festival Internacional de Cinema de Animação (Cinanima), de Espinho, Portugal, ambos em 1983.


Animando, o curta-metragem.


Resultado do seu estágio de três meses no National Film Board, na verdade Animando foi uma produção realizada graças ao esforço pessoal de Magalhães, pois não havia a obrigatoriedade desta tarefa no curso, mas como explica o animador, "surgiu a oportunidade de fazer um filme, tinha uma câmera e negativo à disposição, então eu tive uma idéia despretensiosa de registrar as técnicas que eu ia experimentar" . Porém, Magalhães precisou de dois meses de prorrogação, conseguida por intermédio -o responsável pela implantação do núcleo de animação no NFB, nos anos , e de quem Magalhães era admirador e então, teve a oportunidade de conhecer. E para que a produção fosse terminada no prazo, uma das estratégias foi a adoção de uma narrativa simples -o caminhar de um personagem -representada nas diversas técnicas de animação, nesta ordem: desenho animado (Figura 1), recorte, pintura sobre vidro, areia (Figura 2), animação de objetos, massinha , desenho sobre película e pixilation (animação stop motion com pessoas) .


O filme começa com a entrada de Magalhães no estúdio de animação, em pixilation, e a preparação da mesa de luz para a primeira sequência, em desenho sobre papel. Com enquadramento em câmera alta, é registrada a mão de animador criando o personagem e seus movimentos sobre as sucessivas folhas de papel. A sucessão dos desenhos preenche a tela, criando a ilusão do movimento do caminhar do personagem. Essa sequência é substitutída pela técnica de desenho animado clássico, industrial -na época, com o uso de acetado pintado e cenário em movimento. São apresentadas a colocação do acetato desenhado à mesa, do desenho do cenário e seu controle de movimentação -é um processo didático e documental, durante todo o filme. Didático pois visualmente apresenta como é feita uma animação -tomando o conceito clássico de Cômenio (1592-1670) (apud Damis in onde "todas as coisas devem ser demonstradas, a priori derivando-as da própria natureza das coisas"; e documental por registrar o fazer do animador, o como foram construídas as próprias imagens do filme que lhe dão corpo -o que lembra O Homem e a Câmera com seu "'homem da câmera' filmando tudo e todos, assim como as aparições da montadora, revelam o processo de construção do filme como algo feito por artistas-operários" , principalmente na sequência animada em desenho sobre película .


Por conseguinte seguem as sequências animadas nas outras técnicas de animação, sempre intercaladas com o registro das ações do animador. Em cada sequênica, Magalhães utiliza as características que diferem o cinema de animação do cinema de vida real: o absurdo e as metamorfoses. Assim, o personagem em recorte, 'brinca com o sol', como se este fosse uma bola; na pintura, ele se transforma num pássaro; em areia, num peixe; com objetos, em pedaços de barbate tendo como antagonista uma tesoura; em massinha é um boneco tridimensional real, que anda sobre a mesa; e na animação sobre película, ele se transforma incessantemente (Figura 7), rememorando também as primeiras animações do início do século , e suas metamosfoses (Figura 8) -, mas o animador declara que foi uma homenagem a Norman .


A sequência final volta ao pixilation. Magalhães sai do estúdio, caminhando para o fundo da cena (como na sequência do desenho sobre película) e com o mesmo ritmo e postura do personagem feito por ele, o que torna clara a auto--referência do animador com personagem.


Animando, e suas nuances representativas.


A animação pode ser estudada por diversos ângulos de representatividade. Como obra animada, quase não possui história (propriamente dita), mas uma narrativa simples, criada pela "relação de tempo, de sucessão, de causa ou de consequência entre os planos ou os elementos" . Cada uma das sequências animadas é conectada através de pequenas sequências que se diferem das outras, maiores, tanto em forma quanto em conteúdo (as ações). Enquanto estas apresentam as ações-transformações do personagem (cada uma desenvolvida numa técnica específica), esses intervalos são o registro do desenvolvimento do trabalho de animação em si, do próprio processo de produção da obra, animados em pixilation. Segundo Vertov, intervalo " é aquilo que separa dois fragmentos de um mesmo filme; de um ponto de vista puramente técnico, vem portanto, no lugar de raccord, junção da montagem " . Não há uma continuidade dramática, mas uma certa descontinuidade visual onde cada momento do filme transmite a sua verdade -num momento o personagem caminha numa floresta, em outro faz ginástica na beira da praia, enquanto em outro se transforma em pássaro (com os intervalos ligando-os) (Figura 7). Tal configuração também respeita os estudos de Pavis , sobre os componentes de cena e sua vetorização, pois é possível identificar estes intervalos como elementos seccionantes e conectores pois, ao mesmo tempo, quebram as narrativas, unindo-as às próximas.


Apesar de tantas variações contidas na obra -técnica, formal, de ações -há uma unidade plástica, que aglutina as partes e dá forma ao corpo. Exatamente por ser constituído de várias unidades independentes dentro do filme, essa unidade plástica é alcançada através de variações (coerentes para cada sequência animada) de alguns conceitos e características relativas ao personagem -que é o elemento comum ao longo do filme e fundamental para o desenvolvimento de qualquer história . De forma simples, esguia, orgânica, com cabeça em forma de chama e com um andar cadenciado, este é representado, e é possível ser identificado, em todas as técnicas animadas apresentadas no filme (Figuras de 1 a 4). Pois como nos explica , "alguns traços relevantes não apenas determinam a identidade de um objeto percebido como também a faz parecer um padrão integrado e completo." Já observando Pavis ) -que aplica a nomeação de vetores para os figurinos, mas como o personagem na animação é o todo de seu corpo, seu estudo torna-se pertinente -, a forma deste trabalha como um vetor-conector, isto é, como um elemento de conexão entre as diversas sequências animadas. E há uma homogeniedade entre elas, não apenas na forma do personagem, mas nas suas cores (quando estas aparecem), nos seus movimentos e em como este personagem se relaciona com o espaço que lhe é próprio -é o raccord entre as sequências, uma certa continuidade.


Conclusão.


Observando que o nome deste filme é um verbo na língua portuguesa, "animar" (que significa "dar alma a"), conjugado no gerúndio, esta obra representa algo que está em processo -o aprendizado do animador, o desenvolvimento da animação brasileira.


Aumont (2012: 112) afirma que, "na medida em que se quer fundar algo que não existe, é necessário experimentar". Magalhães trilhou este caminho, não apenas em termos individuais mas coletivamente, na medida que percebia o momento importante para a animação brasileira -observando-se em perspectiva, pode-se considerar Animando como uma semente desse histórico processo de desenvolvimento efetivo da animação no país.


Sendo um documentário de si mesma, a animação é uma obra metalinguística que extrapolou a intenção básica de Magalhães (de ser um registro de sua experimentação), e se tornou uma referência em termos de técnicas de animação, sendo atualmente acessada por diversos professores da rede de Ensino Fundamental, através do site curtanaescola. , para a disciplina de Artes, com mais de 40 mil visualizações. E vale pontuar que atualmente, Magalhães também é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no Curso de Especialização em Animação.


Em termos visuais, a principal peculiaridade desta obra é a de ser uma colagem de técnicas de animação, e ainda assim manter a sua unidade visual. E o que as une são intervalos das ações do personagem, não da animação. A unidade visual é mantida através da plástica e do staging de seu personagem -um dos princípios fundamentais de animação, que se refere à representação do personagem, suas expressões faciais e corporais (Thomas & Johnston, 1995: 310) -que no final da animação é percebido pelo público como sendo o próprio animador. Ou seja, a obra é um documentário autoanimado, que conotativamente representa visualmente o desenvolvimento técnico de Magalhães enquanto animador.


Animando é um filme originalmente despretencioso, mas que apresenta uma diversificada gama de representações -é ao mesmo tempo, arte e ensino da arte; exercício animado e documentário; uma experimentação e um registro histórico. . Site. Rio de Janeiro: Porta Curtas Petrobras. Disponível em . Damis, Olga T. próxima à pintura, remetendo-nos ainda aos seus detalhes e a outras telas de Brueghel como interpretações possiveis de suas concepções. Serão inseridas no artigo imagens de frames do filme assim como a tela citada da qual parte o roteiro, além de imagens de outras pinturas de Brueghel.


Referências.


O artigo pretende mostrar a semiose da pintura para o cinema como concepção e motivo, resultando em produção hibrida cinético-pictorica, constituida por meio das novas tecnologias do computador e como linguagem proposta para o contexto da arte contemporanea.


Cinema como Concepção Pictórico-Digital: A Linguagem Hibrida.


Lech Majewski é mais um diretor que eleva o cinema contemporaneo ao status de linguagem pictórica, porque o seu ponto de partida e temática centram-se na representação da representação, isto é, representação cinética da pintura e do processo criador do artista, porque a tessitura do filme O Moinho e a Cruz traduz os caracteres compositivos, cromáticos e luminosos da tela citada. Dificilmente um filme será melhor do que o romance do qual partiu, mas O Moinho e a Cruz, cujos pontos de partida são a pintura de Peter Brueghel e o livro O Caminho para o Calvário, do escritor e co-roteirista do filme, Michael Francis Gibson, pôde ser tão qualificado quanto a pintura Procissão para o Calvário (Figura1), do pintor flamengo, que viveu no século XVI.


A primeira cena do filme, de longa duração, recompõe a totalidade da pintura como um quadro vivo com os personagens diante, ao lado e mais distantes do moinho. Um personagem bidimensional, ao fundo, desloca-se em meio aos personagens imóveis, no filme, de um lado para outro, como se fosse uma figura pictórica da tela.


É cinema do século XXI, que busca da linguagem da pintura sua essencia e mostra a concepção humanista de Brueghel (Rutger Hauer) ao conceber, referir e sobrepor um episódio bíblico exemplar em uma sincronicidade temporal e mundana: a da época de Cristo, a do pintor no contexto da dominação espanhola em Flandres e a de qualquer época, porque revela realidades históricas opressivas em seus diferentes momentos.


Majewski está interessado no plano de criação daquela pintura: mostra Brueghel, que conversa com seu mecenas, o rico comerciante e colecionador de arte Nicolaes Jonghelinck (Michael York), apresentando-lhe seu projeto compositivo. Diz, ao se lembrar de sua observação da natureza, que o tecerá "como uma aranha tece a sua teia", em círculos. A paisagem de cordilheiras da pintura Procissão para o Calvario é configurada por linhas que delimitam os planos da paisagem como frações de horizontes para conformar a circunferencia Cohen, Rosa (2014) "Pintura em Alta Definição: O Moinho e a Cruz." da terra. Dispõe, entre sucessões topográficas ou planos, um circulo à esquerda, outro à direita, a cruz diagonal das hastes do moinho ao alto, a cruz carregada por Cristo e Simão ao centro, a árvore da vida à esquerda, a roda da tortura à direita, erguida para o alto. Na cena da procissão, o pintor aponta, para o mecenas, o centro da pintura, onde um grupo acompanha Jesus, disposto atrás de Simão num terceiro plano ou camada topográfica da paisagem. Esta cena é então simultaneamente congelada à fala de Brueghel e seguida por movimento de camera, oposto aos passos dos personagens, para sincronizar a temporalidade filmica ao movimento do observador da pintura no museu, ao mesmo tempo em que sugere a situação do contexto histórico-politico da época, cuja dominação de Flandres pelos espanhóis incluia a tortura e a morte. Do lado esquerdo, lá adiante, explica o pintor, está a cidade, em circulo.


Em cena de plano aproximado do filme, um moinho está no alto de uma rocha imponente. Mais abaixo e ainda mais próxima do espectador a árvore da vida. Do lado direito, na altura da linha topográfica da cidade está o circulo da morte, aquele que gera o desespero dos camponeses porque é o locus da execução publica. É para lá que se move a procissão e é ali a alternativa à roda da tortura, aquela onde é deixado o corpo como alimento aos abutres que o rondam.


As distâncias e pontos de vista elevados nas paisagens pictóricas de Brueghel conferem à sucessão de planos construidos uma moldagem espacial de horizontes desdobrados. Nos traçados dessas extensas paisagens do pintor encontram-se figuras movidas por proverbios flamengos e comportamentos dotados tanto de um cotidiano intenso de trabalho, sofrimento e dor humanos, como da alienação, da tolice e da preguiça, esta vista na pintura O País da Cocanha, 1557 (Figura 4) e em cena de descanso do pintor com sua mulher, em meio aos seus esboços Para compor e estruturar suas paisagens, que se estabelecem com figuras humanas e animais em ação, Brueghel as dispõe com perspectiva de diferentes planos sucessivos até configurar uma grande profundidade de campo. Pela linha transversal virtual à superficie da tela pintada é que se inicia o olhar do espectador, em um primeirissimo plano, seguindo até o último. O impacto das paisagens alpinas sobre o pintor Peter Brueghel foi descrita no livro Schilderbook, Livro de Pintura, de 1604, por Carl van Mander, quando de sua viagem à Itália em 1554: Quando atravessou os Alpes engoliu todas as montanhas e rochas e em seu regresso devolveu-as aos painéis. A tradução fílmica da pintura de Brueghel, em O Moinho e a Cruz, foi possivel, além das filmagens propriamente ditas de paisagens na Polonia, Austria e Nova Zelandia, graças ao trabalho tridimensional dos cenários confeccionados por meios fotograficos, pictóricos e de pós-produção complexa de sobreposições imagéticas digitais, com cerca de até 147 camadas em algumas cenas, para alcançar no cinema as concepções espaciais, cromáticas e luminosas de Procissão para o Calvário. Cenas com planos cênicos da pintura recebem os atores que, ao mesmo tempo, nas sobreposições fílmico-digitais, parecem deles se sobressair e posar para o pintor. Estão em relevo em relação à camada imediatamente anterior a eles, assim como este em relação a outros, sucessivamente. Este processo causa a impressão de estarmos muito próximos de um ator quando este se encontra em primeiro plano .


Nos planos mais distantes os personagens parecem viver em um mundo planar seguido de outros, constituindo um efeito de perspectiva como se todas as linhas do espaço tivessem autonomia em relação ao ponto distante do infinito. É um filme de movimentos sutis, silencioso, com poucas falas de Brueghel e Jonghelinck e o pensamento de Maria, mãe de Jesus (Charlotte Rampling).


Em momentos de alivio, como aquele após a crucificação, um personagem do povoado toca um instrumento de sopro e alguns dançam com ele como bufões, ao modo da pintura Dança no Casamento (1566), (Figura10).


A paleta quente de Peter Brueghel também tem sua sinonimia no filme: os variados tons de castanhos, vermelhos, verdes e verde-azulados estão presentes na paisagem e na indumentária dos personagens. O sol brilha como uma luz virgem, perfeita e ideal adentrando portas e janelas das casas dos camponeses e do pintor, onde estão sua mulher e as crianças com suas pilhérias, aderindo aos móveis, objetos e pessoas. Os campos da pintura reaparecem em nítidos recortes por essas portas e janelas dos interiores das casas, como se vistos pelo pintor e registrados fotograficamente pela camera. O filme é proposto como uma terceira linguagem, hibrida, onde as relações entre pintura e cinema se estabelecem. A miscigenação foi possivel porque a concepção do filme é pictórica e é produzida digitalmente, com cromas e luminosidades aproximadas, em sistema RGB.


Um pouco de nuvens e de névoa. A paisagem é estática como a natureza da pintura, mas os pássaros a sobrevoam à espreita dos espasmos de morte.


A casa do moleiro é a caverna. Para fazer funcionar o moinho há que ascender, em seu interior, por uma escadaria vertiginosa para se ter a visão de Deus. A cordilheira revela então um mundo extensivo vertiginoso. O filme O Moinho e a Cruz é pintura em altíssima definição. Resumo: A partir de cena do filme "Band à Parte" (1964), do cineasta francês Jean Luc Godard, o artigo se propõe a explorar o projeto de arte denominado "No.850", do artista contemporâneo inglês Martin Creed, realizado na Tate Britain, em Londres, em 2008 que incorporou atletas correndo no museu. O artigo debruça-se sobre o projeto de Creed e sua relação com o espaço expositivo, bem como sobre as manobras e políticas institucionais que envolvem a incorporação de projetos de performance em tais espaços. Pretende-se também analisar aspectos da performance dos atletas, bem como os padrões de comportamentos induzidos do visitantes nos espaços da arte. Palavras chave: performance / incorporação / museu. Em seguida, aparece a cena dos três jovens acima mencionados, correndo em direção à saída de uma galeria do Museu do Louvre. Nessa sequência, alguns detalhes se destacam; no meio da corrida, por um breve instante, vê-se na parede a pintura neoclássica de Jacques Luis David (1748-1825), "O Juramento dos Horácios" (


Conclusão.


Outro aspecto relevante é que após a breve passagem dos três atores pela pintura, aparece um visitante ao lado dela, observando a corrida dos jovens. Na sequência, a cena mostra os atores, visíveis pelo ponto de vista do guarda do museu (que aparece de costas, posicionado ao final do corredor). Quando os jovens se aproximam do funcionário, seus passos ecoam alto, causando uma perturbação sonora no espaço. O grupo passa por ele, que, desesperadamente e sem sucesso, tenta barrá-lo .


Enquanto isso, alguns visitantes olham a cena. Em seu caminho para fora do museu, logo após a saída dessa galeria, os jovens são vistos correndo de mãos dadas, enquanto um deles, prazerosamente, desliza sobre o chão.


A cena volta-se a imagem de pontes na paisagem do rio Sena, em frente ao museu, enquanto Godard volta a narrar: "em 9 minutos e 43 segundos, Artur Odile e Franz quebrarem o tempo recorde de Jimmy Johnson, de São Francisco." Depois, em um carro em alta velocidade, Godard comenta sobre o sentimento de empoderamento da façanha: "os três sentiram que agora, nada seria capaz de detê-los".


Debruçando-se sobre as fugas realizadas. Uma fuga é clara -manifesta-se através dos pés dos atores no museu. Outra aparece mais sutilmente; configura--se através do olhar de Jacques Luis David expresso no ponto de fuga centrado nas mãos dos personagens da sua pintura. Tal fuga tem sua configuração baseada em uma técnica racional da geometria projeta da que canaliza o olhar do expectador para chegar a um ponto central imóvel (e ideológico) -o ato de segurar as espadas. Essa cena se opõe ao movimento corporal dos três jovens no museu quando seus pés performam uma fuga da instituição de arte. Pode-se dizer que a cena expressa um contraste entre fugas de pés e mãos. O cine asta enfatiza assim o juramento heróico e trágico da pintura e a separação de funções sociais (as mulheres separadas dos ho mens, lamentando ao lado) contrastam com o ato de vadiagem dos jovens. Godard, de alguma forma, não estaria separando essas duas realidades? A cena da corrida do filme parece projetar um ato de rebeldia, como se fosse uma atitude espontânea e provocativa realizada em um ambiente solene e fúnebre. A fuga remete à quebra do decoro social e contrasta com a postura rígida dos he róis civis do pintor David.


Essa representação da fuga de um sistema cultural opressor em Godard permite uma comparação com o trabalho do artista contemporâneo , foco desse artigo, revelando relações e diferenças.


No. 850: Creed.


Creed, em 2008, reali zou um trabalho na Tate Britain, em Londres, denominado "Nº 850". Nele, o artista incorporou cinquenta atletas que a cada trinta segundo, durante oito horas por dia, alternavam-se correndo dentro do museu. Os atletas foram instruídos a correr em alta velocidade, em um corredor cen tral do museu (Duveeen Galerry), de arquitetura neoclássica, com oitenta e seis metros de comprimento, espaço que para Creed funcionou como "bom teatro para seu trabalho".


Creed relata o surgimento do seu projeto a partir uma visitação turísti ca peculiar nas catacumbas na Itália:


Em Palermo fomos ver as catacumbas dos monges capuchinhos. Estáva mos muito atrasados e tínhamos apenas 5 minutos antes do fechamento do local. Eu me lembro que estava correndo com meus amigos, atraves sando as catacumbas e olhando desesperadamente para esquerda e direta, para todos os mortos em suas melhores roupas pendurados nas paredes, fazendo o máximo para ver tudo. Foi um jeito bom para ver. Era um tipo de corrida delirante que faz você rir sem controle enquanto está fazendo. Eu acho que é bom ver museus em alta velocidade. Sobra tempo para fazer outras coisas .


A primeira constatação sobre a corrida nas catacumbas, descrita por Creed de forma irônica, leva a uma reflexão sobre os formatos de grandes mostras em museus ou bienais, nos quais o visitante é conduzido a realizar uma espécie de corrida para ver a exposição. Em "Nº 850", Creed tenta operar uma inversão favorável a essa situação: "ao invés de ter a situação comum, na qual a obra permanece e as pessoas passam rapidamente, a ideia é fazer a obra mover-se mais rápido do que as pessoas, uma simples reversão".


A velocidade ainda remete a outra corrida; a tradição da arte moderna, debruçada sobre o esforço competitivo de anulação e supe ração, abordada por Mammi (2012: 23): "(. ) a obra moderna é a última, aquela além da qual já não se pode ir." Dentro dessa lógica Creed construíu uma visão parecida com a da competição esportiva na qual o artista moderno pro curava subir no pódio, abrindo uma nova perspectiva e deixando para trás o presente, junto com seus contemporâneos considerados como competi dores vencidos.


"Nº 850" pode ser visto também como uma paródia sobre a insistente corrida individual do artista moderno, solitário e heróico, em busca de renovação contínua, que no contexto de repetição da corrida do artista inglês é colocado sob um viciado ciclo de renovação.


A inspirada visita nas catacumbas ainda levanta outras questões que surgem na relação com a morte. Creed relata que a obra começou com a ideia de inserir pessoas comuns fazendo jogging no museu, mas percebeu que a performance utilizando atletas provocava uma re ação melhor do público. O artista instruiu os esportistas a correrem como se fosse pelas próprias vidas, ou seja, como se vivessem vidas curtas e intensas. Porém, vídeos disponíveis na internet mostram o cuidado que alguns dos atletas tinham para controlar a velocidade de forma a não es corregar sobre o chão liso do corredor, tensionando o investimento per formático entre o risco real e o risco encenado.


O relato sobre a visita nas catacumbas de Creed afirma uma relação entre a visitação, o turismo e a morte e remete ao museu como lugar de depósito de obras/cadáveres. Essa abordagem relaciona-se com a ideia de corte violento de Georges , que discorre sobre a origem do museu francês:


De acordo com a grande enciclopédia, o primeiro museu, no sentido mo derno da palavra (significando a primeira coleção), foi fundado na França, na convenção de 27 de julho de 1793. Portanto, a origem do museu moder no é ligada ao desenvolvimento da guilhotina.


Por outro lado, Bataille também projeta o museu como pulmão da cidade para onde os visitantes, sangues renovados, fluem, nos fins de semana. Esse mesmo sentido aparece em Creed ao relatar que a corrida no museu suscita o: "mover-se o mais rápido possível (. ) estar vivo (. ) a experiência da arte como vida" (Creed, 2012).


Ao mesmo tempo que existe semelhança entre as propostas de Creed e Godard, a incorporação do artista apresenta elementos contrários a proposta do diretor que movimenta seus performeres/atores para fora do museu. Creed (2014) enfatiza que o contexto (museológico, no caso) determina o que é arte e explica que "talvez o único lugar que esse trabalho não seja próprio para mostrar seria em um encontro de atletismo".


Creed incorporou algo que pode ser denominado como Ready Made de Performance , uma junção do conceito de ready made de Duchamp e de referências do conceito amplo de performance. RMP é definido como inclusão de um feixe de comportamentos performáticos em projetos de arte. Esse deslocamento muda o contexto do fenômeno, preservando, entretanto, a característica performática da ação deslocada.


Em "No.850", Creed incorporou um grupo socialmente definido (no caso os performers /atletas) que repetiu seu comportamento performático original (a corrida) no contexto da arte. Esse deslocamento -aspecto central do RMPcriou ruídos nos padrões de comportamento formal do museu. O artista se interessou particularmente pela reação de riso provocada nos visitantes do museu diante da performance dos atletas.


Pode-se incluir mais um aspecto de RMP na obra: a incorporação de espectadores que, uma vez provocados a reagir, tornaram-se performers. Através da sua reação, executaram um tipo de performance nem sempre esperada pelo artista propositor No caso de "Nº 850", o museu permitiu uma tímida incorporação dos visitantes que acontecia quando eles assistiam a reação de outros visitantes diante da performance dos atletas. Além das reações de riso, Creed se interessou pelo efeito surpresa da obra sobre os visitantes e também pelo sentimento de susto que os atletas, em alta velocidade, provocaram no público durante o (que deveria ser um) passeio tranqüilo entre obras de arte em um museu.


Ruídos.


O curador Rudolf , ao analisar obras participativas em espaços museológicos, enfatiza a necessidade de fomentar a experimentação e mudanças na política institucional: "quando os artistas fa zem, o museu deve fazer também. É simples assim e, ao mesmo tempo, as coisas são complicadas". O projeto de Creed exemplifica o pensamento de Frieling. Sua obra foi encomendada pelo próprio mu seu, mas suas motivações são complexas e construídas dentro de uma arena de jogos de forças entre a experimentação e a institucionalização. No caso da obra de Creed, a instituição incorporou formas que transgrediram os có digos de condutas estabelecidos dentro dela mesma. Em relação aos códigos tradicionais do museu, tal abertura apresenta riscos que podem contaminar todo o espaço expositivo, colo cando em perigo transformativo a interação dos visitantes no espaço do museu como todo. Como a Tate lidou com tais riscos? O museu acionou a seguinte solução: atendentes foram co locados ao longo do corredor para garantir que o público não se juntasse aos atletas. Uma nota oficial divulgava a proibição alegando possibilidades de riscos para o público que podem ser questionados. Talvez o maior perigo para o visitante seria a travessia lateral do corredor diante de um possível atropelamento pelos atletas.


A proibição fez com que o foco sobressaísse na performance dos atletas e possibilitou e enfatizou a performance institucional dos agentes do museu (no caso, os monitores ). O elemento de risco permitido pela instituição funcionava numa via só: do performer sobre o visitante. O próprio artista comentou que "aqueles que tentarem se juntar à diversão serão barrados pela segurança do museu. É proibido correr nos corredores por causa de problemas à sua saúde e segurança".


A instituição museológica incorporou o projeto de Creed, mas, ao mes mo tempo, executou ações estratégicas para garantir a "não contamina ção" da performance social estabelecida no museu, diminuindo, assim, possíveis riscos. Essa ação levanta perguntas sobre a forma de incorporação de propostas de performance enquanto essas apresentam alteração da conduta formal museológica.


É possível afirmar que propostas de performance contemporâneas ativam processos de negociação. A instituição que aceita integrar a participação e a performance luta internamente e procura formas de aceitação e de execução de proje tos de arte, instaurando processos de remodelações internas. Suas partes (curadoria, jurídico, educacional, segurança etc.) dia logam, procurando manobras e flexões de incorporação que não abalem seu equilíbrio de funcionamento ou seus códigos de performance social estabelecidos.


Sugere-se que, uma vez permitida a ampla e irrestrita participação do público, a separação da performance do ambiente institucional torna-se mais difícil, apresenta riscos e, ao mesmo tempo, promove a possibilidade de flexibilização do espaço da arte -uma estratégia que valia a pena ser experimentada. globo, seu trabalho ganhou notoriedade com o projeto "estética remunerada": a contratação de pessoas alheias ao mundo da arte com o propósito de prestarem determinados serviços. Os "personagens" que acionam as performances de Sierra são imigrantes ilegais, prostitutas, pessoas sem teto, viciados em drogas, enfim, um determinado segmento social descrito com a expressão lumpenproletariado: aqueles carentes de uma consciência de classe que se situam nas franjas do sistema econômico e social, em condições de exclusão e miséria. Tais "personagens" desempenham determinadas ações no contexto de sua obra, as quais tendem a agenciar um caráter incômodo na medida em que as ações emulam a afirmação de Frank Stella acerca de suas pinturas: "O que você vê é o que você vê" . O que se vê na obra de Sierra são pessoas remuneradas para executarem tarefas braçais, repetitivas, e que muitas vezes tendem à alguma medida de humilhação. O custo da remuneração é estabelecido em função da necessidade imediata dos participantes, o que muitas vezes é definido segundo a urgência que certas relações de dependência condicionam, ou ainda circunscrito pelas balizas salariais mínimas vigentes no local onde o trabalho é realizado. A provocativa e polêmica obra de Sierra estabelece instigantes e perturbadoras conexões entre o mundo da arte e as condições de vida impostas pelo capitalismo avançado.


Arte e trabalho em Santiago Sierra.


Tais condições de vida estão diretamente relacionadas a certas questões que envolvem a diagramação do trabalho na contemporaneidade. Questões que tendem a situar Trabalho em oposição à Arte. De um lado: condições desumanas de trabalho; de outro: amplo espaço de criação, território imune às condições alienantes que estruturam a organização do trabalho em escala global. Mas, a obra de Sierra vem nos fazer outro tipo de apelo, convocando um compreensão mais complexa acerca da vizinhança entre os termos arte e trabalho.


Vizinha da racionalização do trabalho, a Arte Moderna interpelou as relações capitalistas de produção através de estratégias como negação, crítica, encenação, etc. Conceber um trabalho que não seja entendido enquanto condenação ou castigo é algo que se apoia na existência da arte, uma vez que ela é historicamente compreendida enquanto uma forma paradigmática de trabalho não alienado, postulação, inclusive, de um não trabalho.


Mas, como situar o fazer do artista hoje em relação a essa discussão tão espessa que une e separa arte e trabalho? Uma discussão cujos imperativos não são mais aqueles que circunscreveram o território da Arte Moderna. Quais as especificidades do panorama institucional da arte na contemporaneidade e o modo como redescreve o campo de manobras no qual podem se dar as articulações entre esses termos? Como artistas, obras e agentes do mundo da arte "Arte e trabalho em Santiago Sierra." problematizam a produção artística atual? Quais elaborações se insinuam para além da previsível e algo desgastada oposição entre liberdade (arte) e subordinação (trabalho)?


Estas são algumas perguntas para as quais a obra de Sierra parece apresentar incômodas respostas.


Ao discorrer sobre a cronologia da obra de Santiago Sierra, o crítico mexicano Cuauhtémoc Medina pontua que no início dos anos 90, ainda residindo na Europa, o artista explorava formas escultóricas pós-minimalistas que dialogavam com a retórica industrial de artistas como Richard Serra, Robert Morris, Carl André, Walter de Maria, entre outros. A curadora mexicana Taiyana Pimentel comenta a relação estreita que a obra de Sierra manifestava com a obra de Serra: Container Industrial (Figura 1), de 1991, é um exemplo dos primeiros trabalhos de Santiago Sierra que compartilham um campo problemático com a obra de Richard Serra. Exibido em galerias e ateliês de artistas, em Madrid, o trabalho consistia em uma espécie de "abrigo" para guardar materiais, feito de lona e instalado nesses espaços. É também deste período os projetos 6 instalações feitas em , e uma instalação na Fundação Joan Miró, em Barcelona. Tais projetos foram realizados em parceria com Manuel Ludeña, em 1994/95, e consistiram em um grupo de trabalhos realizados com placas industriais pré-moldadas. O primeiro conjunto de instalações teve como público apenas os próprios trabalhadores que as realizaram. Na galeria da fundação foram deixados vestígios do trabalho, tais como ferrugem, lama, etc.


Nesses trabalhos, Medina assinala que a alusão ao trabalhador aparece de modo metafórico e abstrato, conforme a perspectiva dos minimalistas, "como uma emanação sociológica implicada nos materiais industriais mesmos" (Medina, 2000: 148. Tradução minha). O fato da audiência das primeiras séries das Tasca, Fabíola Silva (2014) "Arte e trabalho em Santiago instalações no complexo industrial ser constituída, exclusivamente, pelos próprios trabalhadores já parece apontar para uma abordagem algo menos metafórica e abstrata desta alusão ao trabalhador. Sierra desenvolve este argumento implicando o trabalhador de modo efetivo naquelas obras compreendidas sob a expressão "estética remunerada", obras desenvolvidas a partir do momento em que ele fixa residência na Cidade do México.


Nesse momento, Sierra passa a adotar a estratégia de abordagem do trabalho assalariado compreendendo-a como uma "evolução lógica" da problemática minimalista: "Os minimalistas colocam-se a questão da essência do objeto fabricado, e um dos aspectos desta essência é que alguém o fabrica. Parece-me uma evolução lógica concentrar-se no fabricante" .


O modo como o artista detém-se sobre aquele que fabrica -o trabalhador -constitui um dos elementos que passa a conferir à sua obra um caráter singular no contexto da arte contemporânea, assumindo as feições de uma ousada e instigante intervenção no sistema da arte. Intervenção porque a obra de Sierra coloca-se como um problema, na medida em que promove uma coincidência incomoda entre procedimentos artísticos e a lógica de produção de mais valia.


Conforme pontua Cuauhtémoc Medina:


A obscenidade dos atos 8 pessoas remuneradas para permanecerem no interior de caixas de papelão (Figura 3), realizado na Guatemala em 1999, consistia em uma oferta pública de emprego que procurava pessoas dispostas a permanecerem sentadas no interior de caixas de papelão, durante um período de quatro horas, e pela remuneração de 9 dólares. Quando o público chegou ao espaço, os trabalhadores já estavam ocultos. Esta peça recebeu outras versões, uma em Nova Iorque, em março de 2000, e outra em Berlim, em setembro de 2000 (Figura 4). Nesta última, seis trabalhadores permaneceram quatro horas diárias, durante seis semanas, nas referidas caixas. Como os trabalhadores eram exilados políticos e, pela legislação alemã, não podiam trabalhar, recebiam a remuneração de maneira secreta. Os exilados eram procedentes da Chechênia.


Realizar mais de uma versão da mesma peça é algo recorrente no processo de trabalho do artista. Um mesmo procedimento é repetido em contextos distintos e diante da especificidade das circunstâncias, elementos singulares emergem em cada uma delas. Nas ações de Sierra, o trabalhador não desempenha nenhuma atividade que lhe demande alguma habilidade específica. Em 8 pessoas remuneradas para permanecerem no interior de caixas de papelão, trata-se de jogar com a presença e invisibilidade das pessoas remuneradas, bem como em manobrar um sentimento de "humilhação compartilhada" -expressão com a qual Maria Angélica Melendi refere-se à obra de Oscar Bony, A Família Operária (Figura 5) -com o público, pelo constrangimento administrado. O papel de agente capitalista que Santiago Sierra sustenta é apresentado de maneira ainda mais óbvia no trabalho Pessoa dizendo uma frase (Figura 6), realizado no Reino Unido, em 2002, no qual Sierra contratou um pedinte para enunciar diante de uma câmera de vídeo a seguinte frase: "Minha participação neste projeto pode gerar benefícios de 72.000 dólares. Eu estou cobrando 5 libras". Podemos, então, perceber que o projeto Estética Remunerada manipula a obviedade das situações relacionais de exploração que regem o sistema capitalista.


Como situar criticamente um procedimento artístico que parece negar ou abolir o caráter transformador e redentor da arte, bem como a compreensão do papel do artista como revolucionário?


Embora muitas vozes do mundo da arte mostrem-se indignadas com a poética de Santiago Sierra e o acusem de impotência crítica em função da cumplicidade que maneja, compreendo seu trabalho como um dos mais lances mais relevantes para a cena artística atual justamente pelo risco da significação problemática que assume. Entre inúmeras questões que a poética de Sierra alcança e promove sou especialmente interpelada pelo modo como esta obra nos convida a pensar certas relações entre arte e trabalho. Cuauhtémoc Medina é quem nos oferece algumas pistas:


O trabalho de Santiago não teria nenhum sentido se não houvesse uma estrutura cultural básica que pensa que o trabalho do artista é um trabalho não alienado. Não teria nenhuma significação problemática. Então, o curioso é que, ao mesmo tempo em que o trabalho de Santiago mostra uma situação paradoxal onde o trabalho do artista, a obra do artista, é um trabalho alienado, volta a nos obrigar a pensar a relação entre arte e trabalho não alienado .


Então é isso o que venho buscando: equacionar o binômio arte e trabalho a partir do que poderíamos chamar de "relações certas". Se a obra de Santiago Sierra é capaz de conduzir à indignação e ao descontentamento convocando a consciência acerca de conexões incômodas entre o mundo da arte e o espaço social e A artista nasceu em Tarragona em 1952, vive e trabalha na Catalunha desde os anos 80, tendo alcançado um estatuto de artista plurifacetada, dadas as suas diferentes áreas de intervenção: assume-se como bailarina, atriz, estilista, cenógrafa e figurinista. O seu percurso ficou, no entanto, marcado pelo figurino, sendo este o seu mais interessante meio de expressão e objeto de estudo e investigação. São também os seus figurinos o objeto do nosso interesse. A sua trajetória como figurinista constitui um caso atípico dentro do mundo do espetáculo, na medida em que, nos últimos vinte anos, manteve uma colaboração exclusiva com o encenador, pianista e compositor Carles Santos. Por ventura, poderá ser este entendimento dramatúrgico entre encenador e figurinista, onde as potencialidades artísticas foram exploradas até ao limite, que deu lugar à criação de uma identidade tão própria. As suas obras abarcam temáticas que, frequentemente culminam no fetichismo, mas certo é que encontram uma ressonância nos espetáculos que servem.


Habitar um corpo.


The transformation of the human body, its metamorphosis, is made possible by the costume, the disguise. Costume and mask emphasize the body's identity or they change it; they express its nature or they are purposely misleading about it; (Schlemmer Cit. por Brayshaw e Witts: 2013, p.418) Esta ideia de metamorfose manifestada por Schlemmer, confere ao figurino a capacidade de transformar e distorcer o corpo do ator na criação de uma nova identidade. O figurino só existe enquanto extensão do corpo do ator e vive desta relação repleta de códigos para o espetador interpretar. Na obra de Marielana, o corpo e a movimentação são as suas principais preocupações ao longo do processo criativo. É a partir da transformação física, que esta inicia um diálogo entre a personagem e o espetador, procurando um impacto dramatúrgico através de formas, texturas e sons empregados num corpo.


No seu trabalho, há uma dualidade na abordagem que a figurinista faz ao corpo, por um lado, existe um cuidado ao nível da movimentação do interprete, que deriva das suas preocupações enquanto bailarina. Contudo, num segundo plano, encontramos um jogo de proporções ao nível das formas, proporções e volumes que pretendem restringir ou exacerbar a sexualidade da personagem. O fetichismo inerente a um corpo oprimido e encarcerado converge o seu interesse para os espartilhos, vestuário que foi distorcendo e alterando a silhueta das mulheres ao longo da história.


Um olhar sobre as referências históricas.


No entiendo por qué la mayoria de los creadores de vestuário para teatro se conforman com recrear épocas y vestidos de una manera literal. Eso no tiene ningún valor .


É esta a posição que a artista defende e marca na sua obra. Apesar de a investigação histórica constituir uma parte importante do seu processo de trabalho, Roqué reinterpreta de forma pessoal e original as diferentes épocas, apostando sempre no caráter experimental. A reconstituição histórica é refutada em prol de uma recriação contemporânea das épocas mais esplendorosas da História do traje, como o Renascimento, o Barroco, o Rococó ou o século XIX. Este cunho de contemporaneidade é "uma primeira prova de saúde [que] vem do modo de tratar a história [no figurino], de maneira a que ela não mais se manifeste sob a forma de um incómodo verista (. ) porque o que se visa é o figurino como função teatral e não como simples reflexo da época" .


Se pensarmos no figurino enquanto forma de linguagem visual, cada elemento desse figurino tem um sentido determinado, situando a personagem na narrativa em que se encontra inscrita. É através desses sentidos que a história é representada iconograficamente e filtrada pela perceção do espetador.


Os figurinos de Marielena Roqué reinterpretam a história de uma forma muito particular, num sistema de significados que vão para além do distanciamento temporal. O traje está presente em elementos-chave como crinolinas, bambolins e verdugos-tambor, que são utilizados para conferir uma presença espacial às personagens femininas, mas também masculinas. O espartilho como elemento compressor da silhueta, oscila entre a opressão feminina e a deformação, mas todos os elementos transmitem não só o sentido de uma época mas também um caráter sexual e erótico.


O espartilho é uma peça de vestuário que não se limita a uma função de situar historicamente o espetáculo, tem toda uma carga dramática, sujeita a outras interpretações. Umberto Eco manifesta esta ideia quando refere que "a linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal, não serve apenas para transmitir certos significados, mediante formas significativas. Ela serve também para identificar posições ideológicas, segundo os significados transmitidos e as formas significativas que foram escolhidas para transmiti-los" .


Os figurinos para o espetáculo El compositor, la cantant, el Cuiner e la Pecadora, são uma recomposição da roupa interior dos séculos XVIII e XIX onde o espartilho volta a ter um lugar de destaque. Roqué inspirou-se em gravuras eróticas do início do século XIX, para explorar o caráter sexual das personagens, numa abordagem mordaz. Numa nova conceção plástica, o espartilho é recriado para encarcerar uma personagem masculina, trabalhando a questão da androgenia (Figura 1).


Este tratamento da figura masculina, que continua a ser tratada de forma secundaria, não deixa de ser interessante, já que reflete a libertação do artista .


Em La Pantera Imperial (Figura 2) a artista consumou a desconstrução do traje de época, na criação de novas abordagens. Partindo de moldes de vestuário do século XVIII, simplificou as peças, distorceu volumes, e aproximou o passado do presente, traduzindo-se num revisitar de memórias transpostas para o figurino.


A proliferação de diferentes épocas dentro de um só espetáculo é possível, tendo sempre em conta que as referências históricas devem situar o espetador num determinado contexto. Contexto esse que a artista, valendo-se de um conjunto de signos que atuam na perceção do espetador/recetor, conseguiu transmitir conduzindo-nos a uma homenagem à corte de Luís XVI, recriada para os nossos dias.


O Fetichismo.


A apropriação do significado que fazemos de um objeto é por si só uma ideia de fetichismo. Mariaelena serve-se do figurino para lhe conferir uma atribuição de valores que se relacionam com o sexo e a provocação, como forma de questionar tabus e ideias preconcebidas.


A mulher tem uma posição de destaque no seu trabalho, sendo o homem uma personagem secundária e submissa. Marielena como mulher, transporta toda uma visão do fetichismo com bastante feição, que resulta de uma cumplicidade e entendimento criativo com o encenador Carles Santos. Um dos seus primeiros trabalhos juntos, Pertorbació inesperada, explora o caráter erótico do transexualismo, com bastante humor, rompendo com todo o pudor e quebrando protocolos sociais.


É recorrente na obra da artista as personagens masculinas serem encarceradas e submissas, onde humilhação dá lugar ao grotesco. O corpo destapado e O fetichismo nos figurinos de Marielena Roqué não estará patente na fórmula estafada dos arneses e das correias, mas sim em elementos apartados da história do traje, tais como cintos de castidade, crinolinas ou espartilhos, que encerram tanto personagens femininas como masculinas, como referência clara a jogos eróticos e ao corte com as convenções sociais.


Conclusão.


É através da memória histórica que a artista evoca um sentido fetichista ao figurino. Servindo-se de um conjunto de elementos conseguidos do traje, que atuam como signos, cujo significado desencadeia um conjunto de imagens que acionam o reconhecimento do desejo por parte do espetador.


Neste raciocínio, compreendemos o figurino de Mariaelena Roqué enquanto expressão para a comunicação que, para lá das questões intrínsecas à história, retratam um imaginário coabitado por pulsões e jogos sexuais. A temática do fetiche parte das suas preocupações enquanto artista mas, acima de tudo, pretende ser uma provocação e desafio ao espírito dos mais perturbáveis. O seu processo de trabalho define-se pelo diálogo que estabelece com o corpo do intérprete, como forma de criar novas configurações, num jogo de volumes e proporções. Do corpo oprimido e encarcerado ao corpo liberto e exposto, a sexualidade vai sendo representada sobre diferentes espectros. Em última instância, a sua obra permite-nos analisar uma multiplicidade de elementos do vestuário, não somente enquanto formas de sedução, sexualidade ou vaidade, mas também enquanto simbólica ligada às idiossincrasias das diferentes épocas.


Introducción.


El adentrarse en el universo de la obra de Luis Ángel López titulada Cenerentola, 2010, supone la revisión de los aspectos más relevantes sobre la identidad de la mujer en el rol de ser princesa del popular cuento de La Cenicienta, y a su vez, la definición de la importancia del propio cuento en el ámbito cultural en el que se sitúa. Como cuestiona Virginia García-Lago en su artículo ¿Educamos en prejuicios o educamos en valores?: "¿Están todas las chicas feas condenadas a ser malas e inútiles?," a la cual añadimos: ¿Debe ser la mujer bella y sumisa para encontrar su príncipe azul? El planteamiento que García-Lago nos realiza en su artículo, a colación del tema que se desarrolla en este artículo, cuestiona la importancia de la educación en valores que a veces queda condicionado por los prejuicios y los estereotipos existentes, en concreto, los que se establecen en los diferentes personajes que se presentan en los cuentos de hadas, los que a su vez consideramos que:


Cumplen su papel en la educación de millones de niños ya que transmiten a través de su vocación pedagógica y moralizante una cierta visión del mundo susceptible de ser dividido a rajatabla entre buenos y malos, impíos y justos, valientes y cobardes, feos y guapos… (V. .


Para el desarrollo de nuestro artículo, se presenta en un primer lugar el cuento popular, concretamente el cuento de hadas, como elemento presente en la cultura para posteriormente continuar con la deconstrucción analítica sobre los estereotipos de la mujer-princesa que aparecen en el cuento de La Cenicienta. El objetivo principal es la aproximación al rol que se le otorga a la figura femenina del cuento y su desdoblamiento aplicado sobre el cuerpo masculino a través de la obra de Luis Ángel López, definida como una acción performática, realizada para fotografía en un contexto cuyas connotaciones aluden a las propias historias de los cuentos, la ciudad de Venecia, Italia.


Las conclusiones que se derivan del presente artículo se construyen a partir de las reflexiones sobre la identidad del cuerpo femenino y los roles que se le otorgan, en armonía con la apropiación de los mismos sobre un cuerpo masculino, que desde las lecturas extraídas del cuento popular, configuran concepciones negativas sobre el género y sobre la diferencia social.


(De)construyendo a Cenicienta.


El cuento, como relato breve y artístico de hechos imaginarios, se define como historia encargada de intervenir en los asuntos morales a través de la magia de unos pequeños seres sobrenaturales del folclor, generalmente de aspecto humano, y cómo ocurre en los cuentos de hadas, suelen vivir en lugares imaginarios. A esta definición, añadimos como base fundamental de nuestro análisis, la tesis que comparten Carl G. Jung que definen el cuento como esencia donde aparecen los arquetipos del inconsciente colectivo , que a su vez están presentes en la cultura popular, definiendo esta última como un terreno de intercambio y negociación entre la cultura de masas y la cultura de la gente, "un terreno marcado por la resistencia y la incorporación" .


Los cuentos de hadas, a diferencia de cualquier otra forma de literatura, "llevan al niño a descubrir su identidad y valoración, sugiriéndole, también que experiencias necesita para poder desarrollar su carácter" (Bettelheim, 2010:32), y sus ilustraciones o imágenes pueden ayudar al lector a configurar su propia identidad.


Partiendo de esta premisa sobre los cuentos de hadas, y utilizando el proceso de deconstrucción derridiano, que se define como estrategia que expone un crisol de actitudes ante el discurso o la imagen que se explora, se analiza la obra titulada Cenerentola, 2010 del artista Luis Ángel López.


Tras un previo acercamiento mediante entrevistas a un determinado número de personas, de diferente sexo y edad, de entre 5 y 70 años, Luis Ángel selecciona uno de los cuentos que está íntimamente vinculado con la infancia, y es recordado en la edad adulta: La Cenicienta, sirviéndose de la versión que creó Walt Disney en 1950. En Europa se han registrado más de 500 interpretaciones diferentes, y las primeras transcripciones escritas fueron halladas en China en el s. IX. Todas las versiones coinciden con los elementos esenciales que definen el cuento: mujer joven huérfana, maltratada por su madrastra y las hermanastras, o por un padre cruel, que recibe ayuda sobrenatural, a través de la magia, y cuya fortuna cambia cuando acude a un baile donde conoce a un Príncipe y se enamoran. Por ejemplo, las versiones de G. Basile y los hermanos Grimm coinciden en muchos aspectos y mantienen el idealismo patriarcal en ambos como ocurre en la escrita por C. Perrault, que ha sido una de las más difundidas, y además utilizada por Disney como base para su película.


Para dar comienzo al análisis del cuento de La Cenicienta, basándose el artista en la versión ofrecida por Walt Disney en 1950, se destaca la belleza como característica icónica visual, que representa la mujer hermosa capaz de conseguir todo frente a otras mujeres no tan bellas, y que define su figura a través de unos zapatos de tacón y vestidos ajustados. Como contrapunto, se sitúa el Príncipe, que aparece como personaje principal masculino del cuento, del que se conoce que es el heredero del trono, joven y apuesto, y que en el cuento no habla. Un hombre cuyo poder le permite escoger, de entre todas las mujeres de la ciudad, a la más sumisa y hermosa.


Ante las connotaciones visuales de género que se plantean en los personajes, cabe destacar el nombre de los mismos, que en la figura masculina se desconoce, y que en la femenina, según el estudio psicoanalítico de Bettelheim (2010) se refiere a la ceniza, como símbolo complejo que puede representarse como dolor y purificación, o como la propia suciedad, es decir, Cenicienta significa mujer encenizada o con ceniza.


Estos estereotipos de género que se manifiestan en el cuento, se identifican con la mujer guapa y dulce, como es Cenicienta; mujeres feas, con voz aguda e incapaces de realizar tareas domésticas, representadas a través de las hermanastras y la madrastra; y un Príncipe, hombre, apuesto y poseedor del dinero y del poder. Según Bettelheim (2010: 246) "ningún cuento de hadas expresa tan bien como las historias de la Cenicienta las experiencias internas del niño pequeño que sufre la angustia de la rivalidad fraternal."


En Cenerentola, 2010, Luis Ángel toma como referencia situaciones vinculadas con la educación en la infancia, revisando las influencias posibles sobre la construcción de la identidad del niño y del adulto. Del análisis del cuento, se extraen ideas que interesan cuestionar, como el idealismo de ser princesa, como personaje singular, diferente, en un contexto de lujo y de magia, frente a la idea de persona, de género masculino, que vive en un contexto cotidiano, y que utiliza los mismos roles que se le otorgan al personaje femenino del cuento. sobre los arquetipos y clichés que conforman los cuentos de hadas, concretamente el de La Cenicienta, y a su vez estimulan el (re)planteamiento de los valores otorgados en función del género, y cómo éstos pueden modificarse, alterarse y suplantarse por los del sexo opuesto.


Bajo el famoso vestido que Disney diseñó a Cenicienta, el artista pasea por las calles de Venecia, Italia, , mientras desarrolla sus actividades diarias, controvirtiendo el rol culturalmente adscrito a la idea de mujerprincesa, ahora en un cuerpo masculino, hombre-princesa, ataviado con peluca y vestido realizado por el mismo. Recorre la ciudad bajo la mirada atenta de los viandantes que sorprendidos se cuestionan el género del personaje; "¿È una ragazza o un bello ragazzo?" (López, 2012: 92).


La cotidianeidad de un personaje al que se le atribuye unas funciones específicas, como es el caso de una princesa, la cual no realiza la compra en el supermercado , o no utiliza el transporte habitual de los ciudadanos de Venecia para cruzar el canal (Figura 2), plantean cuestiones de carácter social que a través de las ficciones de los cuentos de hadas se han implantado en la cultura popular. Centrándonos en la fotografía Gondola-Gondole, 2010 (Figura 2) podemos observar el medio de transporte más utilizado en Venecia para recorrer sus numerosas calles de agua, y que en la imagen aparece divido en dos: uno nos muestra el transporte urbano de los propios venecianos, y en la otra mitad, en la parte de la derecha, se observa la góndola típica que el turista utiliza para conocer la ciudad. El artista, con la imagen fraccionada, plantea la división laboral de género, apelando el oficio de gondolero, como una práctica heredada de padres a hijos varones desde 1094, que en el año 2010 se ve modificada a través de la admisión de la primera mujer gondolera de la historia, quien obtuvo críticas de los propios compañeros que indicaban que ser gondolero es trabajo de hombres.


Tras el análisis de las fotografías tomadas durante la performance, el artista realiza una selección de imágenes en las que interviene introduciendo frases , como por ejemplo, el cambio del nombre de la calle (Figura 4), y contraponiéndolas con imágenes de personajes de resina que conserva desde su infancia. Estas nuevas composiciones fotográficas plantean nuevas formas de ver y proyectar la acción, ya que de forma estática, los personajes que aparecen atestiguan de forma ficcional, una realidad cotidiana existente, como ocurre en la Figura 4, donde el hada madrina aparece realizando un acto de bondad, en un puente llamado de la misericordia.


Con la escena de Cenicienta calzándose el zapato de cristal (Figura 6) que el Príncipe encuentra en la noche del baile, se representa la liberación de la mujer-esclava en la ficción. Luis Ángel nos presenta una liberación con connotaciones derivadas de la mujer independiente, cuyas relaciones personales y culturales son características de nuestra sociedad contemporánea.


Conclusiones.


A modo de conclusión y con el fin de analizar los distintos roles asociados a la figura de la mujer en el cuento de hadas de La Cenicienta, se puede determinar en palabras de B. Dominguez , que estos cuentos "ayudan a mantener un estereotipo femenino tradicional centrado en una mujer como esposa y madre, y sin ninguna participación en la vida social activa," como se contrapone en Liberazione, 2010 (Figura 6).


En la obra de Luis Ángel López se reflexiona sobre el imaginario colectivo de los cuentos populares, historias que pueden considerarse el propio reflejo de una realidad social donde la desigual y las diferencias de género pueden transmitir valores socioculturales negativos. Cuentos que pertenecen a nuestra cultura visual, cuyas imágenes, mediadoras del mundo en que vivimos y certificadoras de la verdad, potencian los roles asignados a los personajes e intensifican la carga simbólica de cada uno de ellos.


Una obra que invita, mediante la (de)construcción de los valores de género, a (re)presentar aquellos otros, que a lo largo de la historia, han sido asignados al sexo opuesto, y han configurado concepciones negativas sobre los mismos, contribuyendo a una mayor diferenciación social. Un juego irónico de imágenes que cuestionan mitos y estereotipos de personajes ficticios, que en cierta medida, son un reflejo de nuestra propia realidad. Resumo: Este artigo analisa a obra de Claudia Dias para pensar a política dentro da arte. Se toda coreopolítica revela entrelaçamentos profundos entre movimento, corpo e lugar , interessa-nos pensar, neste trabalho, como se dão esses entrelaçamentos; como se relacionam com a metodologia "And Lab", de João Fiadeiro e Fernanda Eugenio; e como se manifestam na performance Purgatório de Ana Borralho e João Galante. Sustenta-se que tais entrelaçamentos poderiam ser pontos de partida para refletir sobre confrontos políticos contemporâneos.


Palavras chave: Claudia Dias / coreopolitica /política / dança / performance.


Introdução.


Em seu ensaio "Coreopolítica e coreopolícia", André Lepecki toma como ponto de partida práticas artísticas que "formam e performam as fissuras do urbano". Essas formações e performances seriam reveladoras do que pensador do campo da teoria da performance conceitua como "de sutis coreopoliciamentos", que por sua vez (pre) definiriam o espaço urbano como imagem do consenso neoliberal. Lepecki parece estar atento às práticas artísticas que operam fora das categorias do consenso e que, por isso, são reveladores de relações e situações novas. A preocupação com esse mesmo tipo de manifestação também está presente no trabalho de Claudia Dias, na metodologia "And Lab", de Fiadeiro & Eugênio, e na obra "Purgatório" de Ana Borralho & João Galante. Para definir "o político" ou "a política", Lepecki (2012) recorre a autores como Jacques Rancière, Hannah Arendt e Giogio Agamben. Sua preocupação está em como pensar a política dentro da arte. Salienta o autor que a noção de política usada por Rancière e Agamben é semelhante à de Arendt: a política como algo que só acontece raramente e cuja razão de ser é a liberdade. Agamben e Racière, porém, também consideram a arte e a política atividades "cocostitutivas". A invocação de Hannah Arendt é importante também para pensar seu conceito de política como techné. A pista teórica a ser seguida, então, é o conceito desenvolvido por André , coreopolítica, e sua tentativa de imaginar "o político" ou "a política" por meio da coreografia.


Coreopolítica.


Para Rancière a arte é política porque faz a distribuição do visível e do invisível. E "tais partilhas e distribuição do sensível" surgem como algo "imanente à força expressiva do objeto" . Isso é o que iluminaria o âmago da relação entre arte e política na contemporaneidade. A ativação de verdadeiras partições do sensível, do dizível, do visível e do invisível são o que, por sua vez, potencializariam novas percepções e subjetivações gerando novos modos de vida.


Segundo Lepecki, para Rancière o conceito de dissenso seria o "elemento" capaz de unir arte e política. Lepecki percebe os autores, Agamben e Rancière, como filósofos do corpo, pois ambos invocam o corpo e suas potências. Para ambos também a arte e a política são entendidas cada vez mais como atividades "cocostitutivas uma da outra", sendo o dissenso o elemento que define a política e a arte dentro do regime estético e cuja função seria a de perturbar formatações, hábitos e percepções. Para Lepecki essas novas posições, geradas pelo dissenso, fazem da dança e da performance atores privilegiados para o pensamento nesse campo de atividades: o binómio arte-política. Dessa forma, o conceito de dissenso é central para o pensamento de Lepecki e para pensar a arte e a política. O dissensso teria uma dinâmica interna, seria em si mesmo dinâmico e cinético, pois produz a ruptura de hábitos e comportamentos. O dissenso também provocaria a dispersão "de clichês que empobrecem a vida e seus afetos" . Lepecki ressalva, contudo, que "não é só na arte que se realiza o não empobrecimento da vida e seus afetos, mas também na política", uma vez que a política, para Rancière , seria, em termos estéticos, "uma intervenção no visível e no dizível".


Em seu estudo Lepecki recupera autores que possuem um entendimento da dança como "teoria social da ação" e como "teoria social em ação". Ou seja, a dança ao dançar inevitavelmente teoriza o seu contexto social. O teórico marxista da dança Randy , por exemplo, trabalha com a hipótese de que a dança quando dançada e vista por um público torna disponível os meios pelos quais uma mobilização é feita. Dessa forma, a relação entre dança e a teoria política não deve ser entendida como uma metáfora da política e/ou do social, pois teria a capacidade de interpelar o contexto onde emerge. Seguindo a pista desses autores, Lepecki (2012:47) mostra que as formações no campo coreográfico se expandem para além do campo restrito da dança. É dessa forma, e lançando mão do conceito de "política do chão", conforme definição de Paul Carter -um "atentar agudo às particularidades físicas de todos os elementos de uma situação" que "se coformatam num plano de composição entre corpo e chão chamado história" -, que Lepecki lança luz sobre o entendimento da dança como "coreopolitica".


Entrelaçamentos: movimento, corpo e lugar.


O trabalho Nem tudo o que fazemos tem de ser dito, nem tudo o que dizemos tem de ser feito, de Claudia Dias, é um exemplo de coreografia que transcende o campo da própria dança. Desenvolve-se sobre o mesmo paradoxo: o efêmero que se quer "inscrito", o transitório como um modo de permanência. Mas, o desaparecimento permanece como vestígio. Inscrever como algo diferente das inscrições, registros, entalhos dos monumentos da história oficial. Inscrever para não esquecer, como uma maneira de cultivar a memória e a responsabilidade. Tal paradoxo parece consistir uma das razões pelas quais Lepecki evoca o trabalho de Hannah Arendt, A Condição Humana. Arendt afirma que a política tem a mesma natureza das artes efêmeras. É nesse sentido que a política para Hannah Arendt é considerada uma techné.


A coreografia de Claudia Dias aciona o virtual linguistico e traz a força crítica, revelando a política dentro da arte, mas sem constituir uma arte política, que, como coloca Rancière, tenta "consertar as falhas do vínculo social" (2010: 57). E assim, como nos exemplos de Lepecki, situados no contexto norte-americano, os exemplos do contexto português mostram que há uma política própria que constitui a arte, que não visa cumprir as mesmas tarefas da política convencional, distante que está da "politicagem dos políticos e seus capangas" (Lepecki, 2012: 55) e das categorias do consenso: "arte política está no fato da arte ter sua política própria, que não só faz concorrência à outra, mas que também se antecipa às vontades dos artistas" (Rancière, 2010: 57).


No trabalho de Claudia Dias (Figura 1) há uma estrutura sólida de papel que forma um tabuleiro, uma batalha naval ao avesso, um jogo de afecções mútuas. Os cinco interpretes possuem sapatos especiais, que ajudam na caminhada silenciosa e delicada que assim o chão lhes impõe. O tabuleiro, como a membrana da polis grega: algo tangível, em que a voz do ator político será reproduzida. Assim um jogo se estabelece. Sentada atrás de uma mesa, na lateral do palco, fora do tabuleiro, encontra-se a coreógrafa. Sua posição com relação a dos demais bailarinos faz ecoar Tadeusz Kantor. Com a ajuda de dispositivos como fones de ouvido, microfones, computadores, rádios e transmissores, os comandos dados pela coreógrafa chegam aos intérpretes em tempo real: são as palavras que compõem o texto de António Ribeiro, ditas uma a uma pelos intérpretes de forma aleatória. Assim, a fluidez da obra literária original se perde, e as palavras de Ribeiro se transformam numa coreografia vocal de frases volúveis e de estranhos e novos sentidos: um voo de palavras.


Interessante notar o que Rancière fala sobre a dupla retenção da palavra quando discute a criação dramática. A palavra teria como essência o fazer ver. Essa manifestação de fazer ver, no entanto, detém consigo o poder da palavra, que, por um lado, não consegue falar por si mesma, mas, por outro, contém a potência do próprio visível -razão pela qual a palavra "conta e descreve o que está longe dos olhos". Diante do texto de António Pinto Ribeiro, entoada pelos intérpretes na performance de Claudia Dias, assim como na tragédia de Sófocles, que Rancière analisa, temos a palavra e sua relação com a "identidade trágica do saber e do não-saber".


É também sobre o não-saber que se debruça parte da metodologia "And Lab" de João Fiadeiro e Fernanda Eugenio. Saber saborear e saber não saber, não querer saber, fazer a passagem do saber para o sabor, são também a abordagem do sistema operativo "And Lab". A peça de Claudia Dias pode gerar desconforto, pois exige uma espera. Nas palavras de Fiadeiro e Eugenio, para se ter sabor é necessário esperar; saborear é, portanto, um saber. Poder entender o conjunto do texto, poder logo dizer "eu já sei". Mas o sabor vem com a espera.


A palavra ligada ao movimento cinestésico.


Na esfera perceptiva um estímulo na dimensão sensível, na sua cinestesia (Godard, 2002) provocado por esse voo das palavras. Palavras que saltam da boca dos intérpretes ao ar. Saborear e sentir cada palavra que vai sendo dita, faz com que o corpo não consiga ficar no mesmo lugar, estimulado pelo sentido cinestésico das palavras.


Dessas pequenas estranhezas e do delay que às vezes também se estabelecia quando os interpretes enganavam-se com as coordenadas vinha à tona um corpo em alerta. Não eram apenas com os ouvidos que os bailarinos ouviam (e público também), mas com o corpo inteiro, como se fosse possível uma intensificação do sentido proprioceptivo. Havia também enganos com as palavras que imediatamente eram repostas nos seus lugares, e o jogo seguia adiante. Esses eram momentos preciosos. A beleza se revelava com base nessa dialética entre o sólido e o frágil do erro dos comandos, na justaposição da linguagem e do corpo, nas diferentes sonoridades da língua portuguesa do Brasil e de Portugal, nos diferentes volumes, pausas e intensidades empregadas pelos intérpretes. Qualidades do sólido e do frágil, em dialética mais que paradoxo.


Ao ler o texto de Pinto Ribeiro reencontram-se as palavras. Umas mais que outras. Algumas palavras eram recebidas "como se recebe um velho familiar que se estima e de quem há muito não se ouvia falar" (Tavares, 2013:13). As palavras como "poder", "go-vernantes", "governado" são termos próprios do discurso político, e como diria Norberto Bobbio nenhum termo da linguagem política é ideologicamente neutro. Essas mesmas palavras ecoaram também em outro contexto, no manifesto escrito sobre política e encenação, na performance de Ana Borralho e João Galante, na comemoração de 20 anos da Culturgest. Nessa performance, que também constitui uma instalação, os interpretes, de joelhos, nus, de frente para uma parede, tocam gaitas e recitam o manifesto repetidas vezes, em loop, como se fosse uma reza. A política nela parece ter invadido o campo da arte do mais do que o oposto.


Conclusão.


Para , então, a pergunta é como as danças se relacionam com "o chão que pisam". O autor entende a coreografia como algo que aciona muitos e diversos campos sociais, somáticos, raciais, estéticos, políticos, que, entrelaçados e formando planos de composição particulares, estaria sempre no paradoxo entre desaparecer e criar devires.


A dança e suas formas coreográficas, entendidas como "teoria social da ação" e como "teoria social em ação" quando dançadas para um público, seriam capazes de trazer força crítica e de ser compreendidas como matéria prima, como coloca Hewitt (2005, citado por . Pelo fato de não ser compreendida como metáfora, como sugere Martin, e nem como um reflexo de determinada ordem social, como sugere Hewitt, a dança, nessa "epistemologia ativa da política em contexto", parece denominar e articular "os elos entre práticas artísticas, sociedade e política .


Purgatório assim como em Claudia Dias se clama pela responsabilidade. Responsabilidade para Arendt (1993) é a promessa de mudança e de renovação, que, se possível, realiza-se pela ação . Para Arendt, em termos de meios e fins, o fim da política é a ação. Trata-se do mesmo problema da dança e da performance. Claudia Dias sustenta que escrito e o dito "não se diluem", mas ecoam; reivindica que nada seja impune, que sejamos todos "responsabilizados pelo que vinculamos para que haja memória". O imperativo do fazer é acionar a memória para o presente e "não sobre a repetição de informações já prontas para um futuro arquivado", como colocou . Ativar a memória é acioná-la também em termos celulares, afectivos e musculares e assim criar outros modos de dança, enfim "rotas escapatórias" de nossos hábitos.


O trabalho de Claudia Dias traz a força crítica por se vincular a uma memória da linguagem. É uma resposta coreográfica para inscrever a memória e a história de tempos duros. As pistas para pensar os conflitos contemporâneos correspondem aos modos de dizer aquilo que é dito, que deixa traços, registra seu próprio tempo e espaço. Nos trabalhos mencionados, uma das pistas para . A Condição humana.


Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. Arendt, A. (1993)A dignidade da política.


Tradução de Helena Martins. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Bobbio, N; Mateucci, N; Pasquino, G. .


Dicionário de política Abstract: In the quest to reflect about concepts that amplify borderline experiences involved in artistic processes, the article discusses performances held in the vídeo series "O Marco Amador" from the Brazilian artist Paulo Meira. The regard over such works is conducted throughout the philosophical lense, operating a framework about Michel Foucault's thought, in order to extract propositions launched on the pathway of his concept of "aesthetics existence" . Keywords: performance / vídeo / art / philosophy.


Resumo: Em busca de refletir sobre conceitos que amplificam as experiências limítrofes envolvidas em processos artísticos, o artigo trata de performances realizadas na série de vídeos "O Marco Amador" , de autoria do artista brasileiro Paulo Meira. O olhar sobre tais obras se faz pela lente da filosofia, operando um recorte sobre o pensamento de Michel Foucault, para dele extrair proposições lançadas na esteira de seu conceito "estética da existência" . Entre parênteses, em referencial texto sobre a imagem fotográfica, é posto que "via de regra, o amador é definido como uma imaturação do artista: alguém que não pode -ou não quer -alçar-se ao domínio de uma profissão ." Ora, sendo assim, numa atualidade cerceada pelas especializações dos saberes, pelas normalizações de condutas e achatamento das diferenças no esgarçar transparente das relações, dizer-se "amador" é afirmar um não querer que implica em uma atitude outra, atitude de desvio, escolha pelo atravessar da noite mais escura, escolha por ser negligente. Enfim, apostar em um jogo fora das regras. Será essa, portanto, a aposta do artista Paulo Meira na sua série de vídeos e performances "O Marco Amador"?


Baseando-se em hipotético e sonoro "sim" de resposta, iremos compactuar desse jogo num mover serpenteado entre conceitos e fazeres vindos dos campos da filosofia e da arte. Movimentos de precisas sinuosidades são necessários, também, para realizar uma abordagem da arte debruçada sobre o pensar filosófico que busca retornar a arte não com fins de lhe justificar por colagens conceituais, mas sim como meio de refletir sobre conceitos que amplificam a singularidade do vivido em processos artísticos. Neste sentido é que uma fala sobre errância, soltura do pensamento, coragem -temas que foram abordados por Michel Foucault, filósofo aqui abraçado ao longo das diversas fases da sua trajetória-será o condutor das aproximações entre arte e filosofia. Acessaremos apenas dois momentos da produção foucaultiana, de maneira a estreitarmos as fronteiras entre o pensar proposto no seu conceito de "estética da existência" e a idéia de "experiência limite", aqui tomada como via de apreensão das performances realizadas por Paulo Meira na série de vídeos "O Marco Amador".


Dito isso, busquemos experienciar o artista em questão, e para tanto, o momento escolhido não pode ser outro senão aquele quando Meira, ao ser solicitado à escrever sobre uma de suas obras para a coletânea "Um salto no escuro", desconversa e apresenta, sob o pseudônimo Alice Coelho, uma espécie de verbete sobre si mesmo, no qual diz:


Nas dobraduras primeiras do ilimitado.


O seu verbete, por sua vez, inspira remetermos à pitoresco episódio que encerra suas atividades de designer, profissão na qual se formou ainda na passagem dos anos 1980 e que, até o ano de 1992, divide com a arte suas atenções no estúdio com o sugestivo nome "Departamento X". Conta-se sobre um evento de comemoração à bem sucedido projeto, no qual Meira, em certo momento, sobe em uma mesa e declara-se, a partir de então, "somente artista" e mais, a partir dali pintaria anjos. O tumulto seguido a fuga de seus clientes, ainda soa como os risos soltos a ecoar na festa de abertura da sua primeira mostra individual, "Fábrica de Anjos", aberta um ano após, em 1993 no Museu do Estado, na cidade do Recife, onde até hoje vive e trabalha.


A postura aparentemente nada profissional, como sugerida neste momento da sua vida, momento de escolha, delineia mais do que um perfil de Meira. É mesmo o seu campo de experiência da arte que se esboça neste modo de ser que deixa para trás o conforto, se deixando atravessar pelas forças atratoras do risco. Visto assim, para ele, a arte é potencial campo de exercício do sujeito atraído pelas margens, ou melhor, pelo fora. Exemplo dessas forças também se extrai do título dessa mostra primeira, pois "fábrica de anjos" é expressão usada no interior do nordeste do Brasil (região onde nasce em 1966), ao se referir sobre o operar clandestino de abortos.


Essa ambigüidade do pintar anjos, de certo modo, inaugura um traçado que hoje ressalta na sua trajetória artística. Trata-se de uma especial atração pelo bizarro, pelo que está fora das normas e padrões estabelecidos, enfim, pelas imagens das exceções. Assim, é que através da extensa obra em processo "O Marco Amador", Meira vem constituindo uma galeria de estranhos personagens, comumente companhia de suas performances, nas quais, não raro, são expostas situações que dificilmente, quem nelas se colocar, não sairá por elas afetado, revirado em algum ponto do seu ser e tendo sua visão de mundo, de algum modo, posta à prova.


No entra e sai de um jardim de elegantes excessões.


Entre essas experiencias, sobressai o momento que Meira, em seu vídeo "O Marco Amador: sessão 15 minutos no jardim de Alice Coelho"


, se transmuda na mítica figura da mulher barbada. Sob uma atmosfera que remete aos freak shows ou ao entra-e-sai (entre-sorts), locais onde se exibiam os corpos inscritos num regime particular de visibilidade, as monstruosidades humanas. Ao acompanhar a agônica solidão que permeia os personagens presentes nesta performance (um mágico, uma modelo de atirador de facas e uma Araujo, Oriana Maria Duarte de diáfana enfermeira), somos levado a formular as seguintes perguntas: Teria o intento normalizador de igualdade entre os corpos, produzido um outro universo, um universo das diferenças indiferentes? Seria este universo um cárcere do inteligível? E se balbuciamos um sim a tais questões, afirmamos a ambigüidade deste "poder de normalização", que afirma a singularidade lançando-a numa zona de indistinção -Ora. Melhor deixar assim, e aprimorar nossa vista de soslaio, pois se não encararmos a boca babada da fera, até podemos amansá-la e dar-lhe um apelido dócil, tal como eram chamados os anões em Auschwitz: "coelhos".


Para melhor nos situarmos nessa experiência, cabe retomar seu citado verbete, quando Meira/Alice Coelho, se refere ao próprio corpo enquanto corpo do mal-estar, do sujeito cindido e multiplicado nele mesmo, corpo de efeito elástico e de carne esgarçada, corpo inflado e tornado campo de guerra. Corpo nada agradável de ser visto, pois treme a nossa frente (Meira/Coelho, op.cit.). Corpo sobre o qual explicita seu estranhamento ao lançar seguinte questão: "Como pensar de outra forma, senão como imagem tremida, todos os Paulos surgidos na saga do Marco Amador? estranho, a sombra, o acéfalo." Esses "Paulos", como por ele referido, bem podem ser apreendidos enquanto exposição das camadas do espesso invólucro que reveste, na nossa atualidade, os complexos processos de subjetivação.


3. Do outro lado do limite: a errancia.


Ainda nos anos 60, Foucault em quase todos os seus livros, bem como nos seus "ditos e escritos" datados até 1966, faz um elogio da literatura através de autores de experiências-limite, tais como, M. Blanchot, G. Bataille, P.Klossowski, Robbe--Grillet, Beckett, Roussel, dentre outros. Sobre esta literatura, é dito marcar a cultura contemporânea com amplos efeitos no campo da ética, sobretudo ao enfatizar experiências no campo da reflexão e criação artística .


Não surpreende os textos de Foucault deste período oferecer o sentido ampliado de "experiência" em sua filosofia: algo pelo qual se sai transformado, algo que tem como objetivo arrancar o sujeito de si mesmo, ou chegar a sua dissolução, sendo mesmo uma "empresa de dessubjetivação". Exemplo desta empresa destaca-se no artigo sobre Blanchot, "O pensamento do exterior", publicado em 1966, cuja experiência do fora desponta sob o signo da atração. Sair transformado, por sua vez, se constitui nas dobraduras da errância, pois, segundo Foucault , para ser atraído é preciso ser negligente, lançar-se ao espaço vazio que persegue os passos daquele que se lança ao risco. Sendo assim, podemos afirmar o ato de criação, a atitude de arte, que é movimento sem finalidade em direção a própria atração, enquanto experiência errante.


Araujo, Oriana Maria Duarte de (2014) "O jardim das elegantes exceções: um pensar filosófico sobre a obra em vídeo e performances de Paulo Meira."


Nas performances apresentadas no vídeo "O Marco Amador: sessão Cursos" (2006) (Figura 2, Figura 3), de olhos vendados, o artista se empenha à seguir instruções ditas em italiano por uma intransigente palhaça cuja, por sua vez, ele lhe confia a vida a beira de um abismo, entre pedras de uma cachoeira, em sentido contrário de uma movimentada rodovia, nas ruínas de uma fortaleza, em um bosque de árvores secas e a beira de um túnel. Essa longa travessia no escuro por ermos cenários de fábulas, é cuidadosamente editada em vídeo alternada a outra performance na qual, o devaneio da palhaça rege um jogo de cabra-cega cujos alvos são cabeças moldadas em argila.


Essas cabeças, por sua vez, são moldadas a perfeição com a mesma face do artista, por isso também se encontram vendadas. E a palhaça grita, susurra e gargalha um ritornelo de comando: "firma; destra; sinistra; piano; sempre; dritto". Em contraste ao sentido das palavras, o corpo do homem vendado pende inevitável para os lados, dando a perceber os esforços exigidos para manter, neste deslocar-se no escuro, o mínimo que seja da postura elegante delineada pelo eixo vertical. A errancia explícita da entrega ao aparente ilimitado de um jogo de cabra-cega, chega ao ápice quando o alvo é atingido com força por uma barra de madeira. Neste instante, sua condutora enfim o aprova sob aplausos frenéticos e do alvo estourado explode, em meio aos cacos de barro da face do artista, uma revoada de pássaros.


Essa entrega confiante à emblemática figura feminina de uma palhaça, ganha novos contornos quando nos remetemos aos estudos sobre contraconduta apresentados por Foucault em curso proferido no Collége de France, em 1977. Nele, ao investigar as formas de resistência ao pastorado cristão na Idade Média, atenta para as revoltas de conduta ligadas ao problema das mulheres, do seu estatuto na sociedade, na sociedade civil ou na sociedade religiosa, bem como os diversos grupos que se constituem em torno de mulheres profetizas . Neste contexto, surge em uma nota de rodapé, a figura de Jeanne Dabenton, que dirige no século XII um grupo herético apelidado de turlupins (palhaço grotesco) pelas estranhas roupas que usavam. Tal coincidencia de inscrição, surgida nas tramas de uma História submersa, corrobora o lugar inspirador do feminino por quase todas as obras de Meira. Lugar não circunscrito pelo discurso de gênero, mas antes exercitado nas fronteiras, ou melhor, no fino espaço que delineia o par limite-transgressão fundante da experiencia interior batailleana. E Georges Bataille é mesmo um autor imageticamente citado no vídeo "Cursos", isto pois, as performances se alternam na emblematica imagem de um homem sem cabeça (Figura 4) remissiva a obra L'Art de Vivre (1967), de René Magritte. Uma voz em off da leitura que o acéfalo faz enquanto vira páginas de um grande livro, acompanha a nervosa manipulação de um globo ocular solto das orbitas e posto entre seus dedos sobre a mesa de leitura. Sabendo da dimensão que o olho ocupa na obra deste autor, Foucault Tal conceito, se entende, interessa à Foucault pelo questionar ético, pois somos levados a indagar sobre o modo como estamos conduzindo as nossas vidas (Foucault op.cit.) Disto, a singular leitura dos modos de vida propostos nas diversas escolas filosóficas da Antiguidade (seculos IVa.C e I-IId.C) ser feito campo de combate as cristalizações conceituais que, por séculos, cindem o sujeito. Privilegia-se, nesse contexto, o momento no qual as artes plásticas do século XX, sobretudo através do modo de vida de artista, é mencionada como via profícua das investigações que constituem sua ontologia do presente.


Em aula proferida no Collége de France em 29 de feveriro de 1984, no curso "A coragem da verdade", o conceito é explorado numa leitura singular do modo de vida dos filósofos cínicos -a vida no estado nú, a vida violenta, a vida que escandalosamente manifesta a verdade. Para Foucault , tal aproximação entre verdade e vida, fundamento de uma estetização da existencia, só é possível de encontrar lugar na nossa realidade através do antiplatonismo insurgente na arte desde o século XIX: "E se não é simplesmente na arte, é na arte principalmente que se concentram, no mundo moderno, em nosso mundo, as formas mais intensas de um dizer-a-verdade que tem a coragem de assumir o risco de ferir."


Na brevidade desta apreciação sobre as figuras de "O Marco Amador" e na esteira do que aqui chamo suspiro de confiança na arte e no artista, ultimo suspiro dado numa sala de aula de um emblemático ano bissexto, vale destacar uma imagem da vídeo performance "O Marco Amador: A peder de Vista" -figura 5: sobre o artista uma mulher nua e sentada firme em sua nuca; ele vestido de paletó e gravata, óculos escuros, segura com uma das mãos uma grande hélice. Este duplo corpo surge nas mais diversas paisagens da Terra. Ao final do vídeo, já sem seu par, mas instigado pelo desejo de sentir o cheiro deixado pela mulher em sua nuca, inicia um giro sobre si mesmo. Giro animal animado pela hélice que pesa com o intensificar da aceleração do movimento. Giro extremo, até que o corpo em desequilibrio caí -marco que tomba. Talvez porque um marco amador da arte? Amador da vida?


Referências . A câmara clara. Portugal:


Ediçoes 70. .Segurança, território, população: curso no Collège de France . São Paulo: Martins Fontes (Coleção tópicos). ISBN: 978-85-336-2377-4 Foucault, Michel.


Indrodução.


Pesquisas desenvolvidas pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, que entrevistou expoentes das mais diversas áreas do conhecimento para estudar a criatividade, o levaram a elaborar do conceito de flow, o fluir de idéias correntes, descrito como um estado de profunda concentração quando pensamentos, intenções, sentimentos e todos os sentidos enfocam o mesmo objetivo geral . O artista envolvido no fluir do processo criativo inventa seus métodos e ferramentas, é capaz de buscar conhecimentos em outros campos para desenvolver seu trabalho e, caso considere necessário, se aprofundar numa pesquisa científica em favor da criação de uma obra de arte . Teresa Almeida é professora na Universidade do Porto, Master of Arts /Glass pela University of Sunderland (Reino Unido) e doutora pela Universidade de Aveiro em Portugal, onde constituiu pesquisa articulando saberes da arte e da ciência, estudando profundamente a massa vítrea e recriando a matéria com substâncias que produzem efeito de luminescência quando expostas a luz ultravioleta em ambiente escuro. A artista tem exposto internacionalmente sua obra como no Luxemburg Glass Festival, Asselborn, Luxembourg (2013), Projections, Deakin University, Austrália (2013), na Pratt Fine Art Gallery, Seattle, EUA (2011) entre outras. Aproximou-se de pesquisadores da ciência dos materiais com o intuito de criar uma ampla paleta de cores para suas esculturas de vidro. Uma pesquisa interdisciplinar que inovou, resultando num material que tanto pode servir a expressão artística, como também representa um avanço tecnológico significativo na área científica, especialmente a química e a física (Curcio e Stori, 2013).


A poética e o processo criativo.


Artistas contemporâneos têm explorado plasticamente as propriedades óticas do vidro elaborando iluminações especiais à exposição de obras de arte. Reconhecendo a tradição de uma região que há muito produz vidro de excelente qualidade, o que favorece ao desenvolvimento de conhecimentos técnicos específicos, Almeida aprecia especialmente as esculturas em vidro fundido de Stanislav Libenský and Jaroslava Brychotová (Republica Tcheca), onde percebe uma luz que parece emergir das peças: minhas primeiras explorações em vidro luminescente são inspiradas na natureza, encontrando formas orgânicas e transformando-as em arte. Icebergs, lava vulcânica, formações rochosas e gotas de chuva eram constantes em meu trabalho, elementos que interagem entre si como matéria viva e parecem emergir do chão da terra. No interior vemos espaços com luz interna como nas obras de Libenský e Brychotová. são como o buraco da alma. o espírito que vive dentro dos elementos. . • "Elementos marinhos", esculturas nas técnicas casting (as três maiores, 45 cm de altura) e pâte de verre (as duas menores, 8 cm de altura) -obras de Teresa Almeida, acervo da artista. Fonte: a artista.


Outra influencia citada por Almeida é a obra da artista alemã Regine Schumannz que vive e trabalha em Colonia, Alemanha, mas expõe frequentemente em galerias no exterior como a David De Buck Gallery de Nova York (2012) e a Galeria Zaum de Lisboa . A obra de Schumannz se destaca pelo uso conceitual da luz, criando instalações com objetos luminescentes de vidro, acrílico, tecido ou plástico transparentes, exibidos sob luz negra ultravioleta que faz surgir uma aura ou brilho em torno de cada peça e sobre as superfícies próximas. Segundo Almeida ". hoje a luz no campo da arte opera uma transformação nas relações entre espaço e superfície, entre o fruidor e a obra ." Em 'Vidro [ARTE] Luminescência' Almeida exibiu esculturas de vidro concebidas e realizadas a partir de antigas técnicas de fusão do vidro como pâte de verre e casting inspiradas em elementos da fauna e flora marinha. Nas obras de pâte de verre distinguimos minúsculos pedacinhos de vidro delicadamente unidos como se fossem colônias de corais, com texturas irregulares e superfície fosca, transmitindo leveza e sugerindo a fragilidade da vida no oceano mais profundo. Em contraste, as esculturas em casting parecem elementos mais sólidos, quase rochas encravadas no chão do mar, com superfícies polidas como lentes revelando contornos da forma entre transparências. A técnica do casting consiste na fusão de cacos de vidro que são colocados em moldes e aquecidos até se transformarem num bloco único, numa massa vítrea sólida e uniforme que pode ser polida. As esculturas eram iluminadas por lâmpadas negras de luz ultravioleta fixadas em luminárias bem próximas, de modo a incidir sobre as obras, mas proteger os olhos do visitante (Figura 1, Figura 2).


Uma exposição especial.


A exposição 'Vidro [ARTE] Luminescência', Teresa Almeida, realizou-se no Centro Histórico da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CHCM), São Paulo, Brasil, a convite da curadora, autora deste artigo (Figura 3). O Centro Histórico ocupa o edifício mais antigo do Campus, construído em 1896 e tombado pelo patrimônio Histórico em 1990. Entre os anos de 2001/2004 foi restaurado e adaptado ao seu novo uso como espaço cultural oferecendo exposições, palestras e projeções de filmes além de promover a preservação da memória da instituição.


Para visitar a exposição era preciso entrar no saguão do edifício onde uma bela escada de madeiras nobres nos convidava ao piso superior. Logo se avistava um indicador sinalizando a porta entreaberta da sala de exposição (para preservar o ambiente escuro). Ao ingressar na sala escura e ver formas abstratas que aos poucos se configuram em corais luminosos e algas marinhas é preciso acostumar o olhar, andar lenta e cautelosamente até perceber as dimensões do ambiente. As esculturas pareciam soltas no ar e flutuavam como se realmente estivessem mergulhadas no oceano profundo. O visitante embarcava nesta vivência e ai longe, sentindo-se bem distante do mundo lá fora.


As obras foram colocadas sobre cubos negros de aproximadamente 90 cm de altura e dispostas pela sala numa distancia segura para permitir a passagem entre as mesmas. Foram expostos também alguns relevos como se estivessem afixados na parede, mas eram pendentes do teto por fios de nylon incolor, respeitando as normas técnicas de preservação do edifício histórico. Cada obra demandou uma iluminação particular, especialmente desenvolvida para sua valorização: os painéis possuíam lâmpadas de luz negra na parte interna, nas esculturas a luz negra vinha de baixo, como se brotasse sob cada peça, além de outra bem focada na parte superior. Algumas visitas eram assistidas por funcionários do Centro Histórico, que sentindo a curiosidade do público, apagavam a luz negra e acendiam a branca, chamada luz do dia, com a intenção de demonstrar como se comportam os vidros luminescentes, pois as peças ficavam incolores, perdendo totalmente o efeito luminescente.


Em princípio a exposição não foi pensada como uma grande instalação, termo incorporado ao vocabulário das artes visuais na década de 1960 para designar um ambiente especialmente construído em de galerias e museus. Numa instalação a obra é disposta no espaço constituindo uma cena, levando o visitante a percorrer caminhos entre diversos elementos, observando o ambiente de forma ampla, muito além de cada peça individualmente. Mas no caso dos elementos marinhos criados por Almeida, a justaposição temática das obras expostas num espaço de aparência neutralizada pela escuridão aproximou o trabalho da assemblage, compondo um ambiente único, denso como as profundezas do mar e delicado como as vidas que nele habitam .


Uma exposição muito especial, que representou um desafio museografico, uma nova maneira de expor obras de arte que, no entanto segue uma tendência contemporânea. Lisbeth Rebollo Gonçalves, pesquisadora e curadora de várias exposições de arte, considera o design de exposição, ou a museografia, cada vez mais próximos da cenografia teatral, na medida em que utilizam recursos de iluminação, de disposição de obras num ambiente segundo roteiro determinado, experimental, imprimindo uma dramaticidade que vai além de oferecer a obra emparedada em cubo branco bem iluminado, com informações técnicas e cronologia. O formato cubo branco passou a ser muito utilizado em museus a partir dos anos 1930, por influencia do MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York, e ainda é bastante apreciado por ser considerado neutro, como se pudesse preservar a relação do fruidor com a obra, sem interferências do meio circundante . As modificações tecnológicas vêm estabelecendo novas linguagens no campo da arte, abrindo espaços criativos a artistas e curadores, com propostas inovadoras que já deixaram de causar estranhamento ao público visitante. Esta exposição foi montada por artista e curadora trabalhando em parceria para adaptar o espaço disponível no Centro Histórico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O receio inicial de que escurecer o ambiente poderia gerar dificuldades aos visitantes foi totalmente descartado assim que o espaço foi aberto. O Campus da UPM permite que visitantes externos assecem à exposição, que foi vista por estudantes universitários e também por crianças acompanhadas de adultos. Os relatos referiam-se a um ambiente magiaco e encantador, lembrando a fauna e a flora marinha.


Conclusão.


O artista envolvido no fluir do processo criativo inventa seus métodos e ferramentas, busca conhecimentos no campo da ciência para desenvolver seu trabalho. Constitui parcerias em muitos momentos do processo criativo, desde o desenvolvimento de materiais até a montagem da obra numa exposição. Teresa Almeida pesquisa o vidro em sua essência, decifrando a massa vítrea e recriando a matéria com substâncias luminescentes, que brilham quando submetidas à luz negra ultravioleta.


A exposição 'Vidro [ARTE] Luminescência' apresentou obras feitas a partir de antigas técnicas de fusão do vidro como casting e pâte de verre, mas que inovam o processo de criação na arte contemporânea utilizando material resultante de extensa pesquisa científica como os vidros luminescentes. O domínio absoluto do material permite a esta artista criar com maestria e refinamento, articulando saberes da arte e da ciência, valorizando as qualidades estéticas do vidro como transparência e luminosidade renovadas por brilhos e cores surpreendentes.


Delicadas esculturas brilham na escuridão do oceano azul e conduzem a espaços desconhecidos, onde sonho e realidade se confundem. A artista portuguesa revelou seu profundo apreço ao mar convidando o fruidor a caminhar no escuro entre corais luminosos, sugerindo a imensa diversidade de elementos marinhos. Visualizam formas oníricas ampliadas pelo vidro como lentes que provocam a imaginação promovendo o pleno encantamento.


Abstract: Leonel Moura is a Portuguese provocative multimedia artist, who advocates a new condition: stop producing artistic products directly to create artificial agents devoted to the arts. From the creation of robots that act as artists, this article aims to reflect on this proposition, approaching machines that mimic the artist's practice and the concept of autopoiesis. Keywords: art and technolog y / automaton / 3D printing.


Resumo: O português Leonel Moura é um artista multimídia provocador, que defende uma nova condição: deixar de produzir diretamente produtos artísticos para criar agentes artificiais devotados às artes. A partir da criação de robôs que atuam como artistas, este artigo busca refletir sobre esta proposição, aproximando máquinas que imitam a prática de artistas e o conceito de autopoiese. Palavras chave: arte e tecnologia / autômatos / impressão 3D.


O artista simbiótico.


Partindo da premissa que desde o século XX, a arte "tornou-se uma atividade que visa ultrapassar os limites da própria arte" , o artista multimídia português Leonel Moura tem se ocupado daquele que seria o mais significativo limite da criação: a ação humana. É dentro desta perspectiva que, com a provocação comum aos manifestos de vanguarda e ironicamente decretando o "fim definitivo e oficial" da arte tal como a conhecemos, em 2004, Moura passa a defender a partir de seu Manifesto da Arte Simbiótica, uma nova condição: o surgimento de um "artista simbiótico", um novo paradigma para o artista contemporâneo, que deixaria de produzir diretamente produtos artísticos para criar agentes artificiais devotados às artes (Moura e Pereira, 2004) -ou seja, em vez de realizar diretamente objetos artísticos, criar artistas. O ponto de vista de Moura pode ser contextualizado através de seu percurso no desenvolvimento de autômatos -robôs em sua maioria -com habilidade de criar imagens gráficas e pictóricas, apresentados em vários espaços de arte, design e novas tecnologias em diferentes partes do mundo.


A pesquisa artística de Leonel Moura em torno destas proposições tem um importante ponto de partida com a criação de Swarm Paintings . O trabalho baseia-se em um braço robótico (conectado a um computador) dotado de um pincel com tinta que tem seus movimentos controlados por algoritmos -instruções computacionais, neste caso. Consequentemente, o braço passa a pintar uma superfície por meio das decisões geradas pelo programa computacional. O algoritmo do trabalho, por sua vez, se baseia especialmente no comportamento de formigas -direcionamento que seria aplicado nas demais experimentações do artista, efetivamente robôs. Destes, sem dúvida, o mais conhecido é RAP -Robotic Action Painter (Figura 1), que é um pequeno robô equipado com canetas coloridas, sensores e programação capazes de compreender cores e padrões. Com a tela disposta horizontalmente, assim como a action painting de Jackson Pollock, o robô se locomove sobre aquilo que é pintado. Segundo o artista, após preencher uma tela, RAP "decide quando parar," narcisisticamente assinando o trabalho ao final. Desde 2006, RAP faz parte do acervo permanente do Museu de História Natural de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Ainda como um aperfeiçoamento de RAP, há também ISU (2006) que constrói composições elegendo aleatoriamente palavras que possui em seu banco de dados, bem como, é também capaz de reproduzir imagens. Um livro foi editado com os textos produzidos pelo robô, sendo que o prefácio da publicação foi escrito por uma especialista em poesia, que elaborou um texto "muito curioso, porque ela não se interessou se era um robô ou [se] era um humano" . Da mesma maneira, as imagens pictóricas de RAP seriam facilmente confundidas com criações humanas, mesmo por aqueles que tivessem alguma iniciação na linguagem.


No âmago desta ambiguidade entre o que seria produzido por humanos e por robôs, revela-se uma dimensão marcante do trabalho de Moura: sua intencionalidade mimética, ou seja, o desejo de criar indistinção entre criações de humanos e de robôs. Esse desejo se aproxima do chamado Teste de Turing, um "jogo de imitação" proposto pelo matemático britânico Alan Turing em 1950, para avaliar a inteligência das máquinas. O teste consistiria na participação de duas pessoas e uma máquina a ser testada: uma pessoa e uma máquina seriam interrogadas por outra pessoa, sem que esta tenha consciência sobre quem é humano e quem é máquina. O interrogador, sem qualquer contato visual com seus interrogados, buscará através de perguntas por texto, saber quem é quem, já cada interrogado deverá tentar convencer o interrogador de que ele é humano, e não máquina. A máquina conseguiria passar no teste caso o interrogador não fosse capaz de distinguir com certeza a natureza de cada interrogado. Com o tempo, essa proposição se juntaria a outras teorias que demarcariam com melhor definição as potencialidades de ações inteligentes em sistemas artificiais. Moura, então, extrapola a premissa de Turing para a área da criatividade: "se uma máquina fizer uma coisa que se for uma pessoa a fazer, nós dizemos: 'Isto é arte', então aquela máquina é um artista" . Ou seja, se o que é produzido pelo robô se passa por arte, logo é arte.


Ora, se por um lado, sua provocação implica em reduzir o ato da criação apenas a resultados plásticos e que a sua indistinção basta para legitimar-se como arte, por outro lado, é bastante significativa para refletirmos sobre o próprio imaginário referente ao artista: a figura do gênio, do "dom" artístico, da romantização da criação -condições agora submetidas à vacuidade de uma consciência artística de robôs.


Figura 1 • Leonel Moura com RAP -Robotic Action.


Painter e uma das pinturas do robô.


Máquinas como artistas.


Muito antes de Leonel Moura, o artista suíço Jean Tinguely, conhecido por suas máquinas que satirizam a otimismo tecnológico e científico do pós-guerra no século XX, cria máquinas que imitam o gesto espontâneo do expressionismo abstrato. Em Metamatics , produzidas entre 1955 e 1959, Tinguely propõe meta-obras: máquinas que criam automaticamente sequências infinitas de desenhos, baseadas em engrenagens, rodas, correias e motores. O objetivo do mecanismo destas meta-obras é criar copiosamente grafismos em folhas de papel. Analisadas conceitualmente, suas ações não só relativizam a figura do artista como gênio, mas também ironiza a eficiência da máquina -já que não é exatamente cultuada. Duas situações não compactuadas por Moura, que adere ao discurso da evolução tecnológica e de que "o grande artista do futuro não será humano" .


Ainda que necessariamente não compartilhem da proposição de Moura, podemos encontrar outras incursões de agentes tecnológicos atuando como artistas. Sob o ponto de vista da linguagem, estas produções preocupam-se em imitar a prática artística em seu âmbito manual-motor: o gesto pictórico, o traço, a construção do desenho, oferecendo tanto resultados abstratos como também figurativos. Há, por exemplo, o robô do grupo alemão Robotlab na obra Autoportrait (2002): o autômato é capaz de realizar retratos humanos manipulando habilmente uma caneta diante de seus visitantes. Além de desenhar com grande fidelidade ao modelo, o robô ainda apresenta o resultado ao retratado, ao final do trabalho. Já em Interactive Robotic Painting Machine (2011) do norte--americano Benjamin Grosser, uma máquina robótica produz pinturas abstratas -algumas remetem a pintura a dedo -a partir de estímulos sonoros. Imitando uma expressividade pictórica que é peculiar aos humanos, certamente a natureza de suas criações passaria despercebida mesmo a olhares mais atentos . Cabe citar também as incursões do espanhol Carlos Corpa, conhecido por envolver robôs em situações que são consideradas essencialmente humanas, dando origem a robôs-artistas em APM -Another Painting Machine (1999) e Machina Artis 3.0 (2001), onde autômatos pintam performaticamente superfícies a partir de uma programação aleatória.


O fato é que todas estas incursões estão marcadamente calcadas na pretensa indistinção dos objetos resultantes da ação quando justapostos a seus equivalentes humanos. E muito bem poderiam encontrar respaldo se pensarmos o ofício do artista como uma atividade em que se criam objetos essencialmente. Aliás, Nicolas é mais direto, ao falar do artista na contemporaneidade: "o denominador comum entre todos os artistas é que mostram de Jean Tinguely .


algo". E completa: "o fato de mostrar basta para definir ao artista, se tratando de uma representação ou uma designação". Bem, desde algum tempo os robôs produzem objetos, ainda que não-artísticos. Por sua vez, as máquinas de arte não só produzem como também "mostram" o que fazem -ocupam espaços de arte, como museus. Em mais uma provocação, Leonel Moura já insinua certa inferioridade da arte criada por humanos:


Quando a robótica deixou de simplesmente simular comportamentos humanos, como andar, jogar futebol ou contar anedotas, para se dedicar à realização da arte, alguma coisa de muito radical aconteceu. Robôs que fazem arte não questionam só a ideia de arte ou filosofia, mas põem em causa a nossa própria condição como humanos. Para quê continuar a fazer algo que as máquinas fazem melhor e de forma mais consequente? Autopoiese Evidentemente, a tentativa de Moura de personificação de seus robôs, estrategicamente nos induzindo a intuir autonomia e consciência destas criaturas, esbarra na evidente constatação de que seus robôs são construídos e programados por humanos. A proposição de Moura muito se aproxima da chamada arte generativa, quando um artista-programador lança um algoritmo que evolui dentro de uma proposição inicial, criando situações em que a composição visual ou sonora resultante torna-se imprevisível -mas mesmo assim, o artista não abdica de sua autoria já que foi o disparador do processo. Moura, no entanto, tem pensado como relativizar essa presença humana vislumbrando a potencialidade de seus robôs-artistas criarem a si próprios. A proposição de Moura flerta com a ideia de autopoiese de Humberto Maturama e Francisco Varela, conceito advindo da biologia e com visibilidade em outros campos do conhecimento, que compreende "um sistema que mantém a si próprio e se mantém" . A aplicação do termo para o universo de criações artísticas que lidam com vida artificial e algoritmos computacionais é bastante recorrente, já que consegue circunscrever uma das propriedades em voga neste universo de criação.


Além do já citado Swarm Paintings, Moura também trabalhou com algoritmos em Swarm Sculptures (2000), quando foram criadas esculturas utilizando instruções computacionais baseadas no comportamento de formigas: áreas percorridas pelas formigas virtuais transformavam-se em formas tridimensionais digitais, e mais tarde, modelos em acrílico. Algumas das estruturas, entretanto, não foram bem sucedidas quando transpostas para materiais físicos.


Os desejos do artista por resultados tridimensionais reacenderam-se a partir de sua atuação em um novo campo de interesse: a impressão 3D. Proveniente das áreas de arquitetura e engenharia industriais, a impressão 3D consiste na construção de objetos físicos a partir de modelos digitais feitos no computador em softwares de desenho ou modelagem digital tridimensional, como também escaneamento digital. Com variadas aplicações, desde fabricação de próteses orgânicas na medicina ou produção de carros personalizados, ou ainda o uso doméstico da tecnologia para a fabricação de objetos customizados, a impressão 3D atrai entusiastas em diversas áreas, entre eles o próprio Leonel Moura que a reconhece como uma nova revolução tecnológica em curso que possibilitará às máquinas construírem suas próprias criações, uma vez que só precisam enviar o modelo do objeto concebido digitalmente direto para a impressora, sem necessidade de passar por qualquer outra etapa de produção. A partir destas premissas, Moura realizou em 2013 a exposição Evolução, apresentada no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com objetos tridimensionais que foram modelados automaticamente por algoritmos que similavam mecanismos morfogenéticos e ao término do processo o arquivo da escultura era enviado diretamente para ser construído por uma impressora 3D (Figura 3). Por esta mesma lógica, no futuro, robôs também poderiam ser construídos e postos em funcionamento por outras máquinas, efetivando o desejo por sua autonomia.


Percebe-se que é significativa a capacidade de Moura em engendrar um discurso que eleva o otimismo tecnológico em uma escala hipérbolica, em última análise, sugerindo uma suposta obsolescência do artista humano. Ainda que sua proposição se apresente como bastante frágil em vários aspectos apresentados, é evidente o seu poder de friccionar tanto o universo das artes -a própria acepção da criação e o imaginário que a cerca -como também o universo dos autômatos -em regra, direcionados para tarefas que independentem de qualquer subjetividade. Se seu trabalho se insinua como "vanguarda," fica evidente que sua contribuição definitamente não está nas obras criadas por seus autômatos, nem na legitimação a que confere a estas criaturas, mas em seu poder de gerar inquietações -e involuntariamente, reafirmar o domínio subjetivo das proposições humanas. Quanto mais estamos conectados, quanto mais o cidadão se torna global e desejamos conhecer todo o mundo -mesmo sem sair de casa -, ou quanto mais tempo estamos em rede com qualquer outra região do país, mais desconhecemos o que está ao nosso lado, menos exploramos o que é conterrâneo. Enquanto as sociedades pré-modernas possuíam total conhecimento do espaço que habitavam, produziam e exploravam suas áreas, as novas sociedades perderam este domínio. E é neste cenário contemporâneo, onde o estímulo à conectividade é quase vital, que surge um contra-estímulo de se estar mundializado: o desejo de voltar ao regional, de conhecer sua cultura, de apreciar sua terra. Borges (2003) reafirma esta situação dizendo que "quanto mais a tal da globalização avança trazendo consigo a desterritorialização, mais (. ) a gente sente necessidade de pertencer a algum lugar, àquele canto do mundo específico que nos define." (apud Pichlera e Mello, 2012). A globalização trouxe consigo não só a desterritorialização, mas também a instantaneidade. Um novo padrão de consumo é gerado: o capitalismo imediato. Tudo é desejado, acessado e consumido em frações de segundos. Assim, as regiões (países, territórios, localidades ou como queira ser identificado aqui) precisam adotar "mais rapidamente esse novo padrão tecnológico, socioeconômico e produtivo, como forma de garantir vantagens competitivas" . Ou seja, a temporali-dade tem se imposto sobre a territorialidade, e a globalização entra em cena como colaboradora para a padronização dos ambientes.


Agradecimentos.


O que é local torna-se global em um sistema de estandartização coletivo. É neste processo que as características exclusivas daquela produção local, sua autencidade e até seu possível potencial diferenciador são eliminados para a entrada de um molde genérico que atenda às questões de espaço e tempo desse modelo pós-moderno de produção.


Acaba que a produção cultural -e são inseridas aqui as produções de design também -tem estado neste processo de padronização. Como vítimas desse mercado globalizado, os projetos têm sido concebidos em um molde universal que prioriza a produção (custos, formatos, matéria-prima, etc.), gerando peças sem o menor diferencial em meio a tanto outros igualmente padronizados . Colocando em situação o caso de livros, há ainda outro fator a ser considerado: o surgimento dos livros digitais e o mito da extinção do formato físico. Mas assim como no mundo global ressurge o anseio por apreciar o que é local, acontece o mesmo para com a situação dos aparelhos tecnológicos. Quanto mais imersos os cidadãos estão em meio a tantos dispositivos eletrônicos, mais propensos estarão a voltar a apreciar o que é analógico. Isto aconteceu com os discos de vinil no final dos anos 90, em meio à explosão dos CDs e dos MP3 Players; com a fotografia analógica e a febre da lomografia no início dos anos 10, depois das gigantes vendas de câmeras fotográficas digitais e celulares com câmeras; e agora chega a vez dos livros.


É neste cenário que as editoras têm investido tanto na produção de materiais diferenciados em seus exemplares. Sim, o livro comumente editado, seguindo os moldes padronizados de produção, este está sim fadado ao desaparecimento. discorre sobre abordagens que o designer pode empregar na hora de projetar um livro, podendo este ter um design neutro -onde sua atuação é imparcial; um design inovador -utilizando de técnicas, materiais ou ferramentas contemporâneas para o trabalho; e um design alusivo -um projeto que faz referência a um momento, uma ideia, ou seja, um projeto metafórico, figurativo. É neste último caso que o designer pode -e deve -utilizar o fator criatividade no projeto, interferindo formalmente na narrativa ali apresentada. A abordagem alusiva gera «tensão, surpresa, curiosidade e, se bem praticada, contribui para um enriquecimento da experiência de ler» .


Ou seja, as editoras devem adotar cada vez mais a criação de materiais em caráter alusivo e, assim, passarão a criar livros imensamente atrativos, visualmente e formalmente, que deixam de ser apenas livros e elevam-se também ao caráter de um objeto de apreciação. Sendo assim, são livros capazes de contornar a situação atual do mercado, se diferenciando dos níveis padronizados de publicações, buscando também reconquistar este novo público leitor.


Procurou-se exemplos de livros de autores regionais, publicados recentemente, e que alcançaram grandes registros midiáticos e/ou de vendas, para a realização de uma análise do projeto gráfico dessas obras. A tentativa aqui será mostrar como as editoras investiram no design gráfico de seus exemplares em meio a neste novo cenário mercadológico que se encontram. O primeiro deles é o Toda Poesia do artista e escritor paranaense Paulo . Publicado no início de 2013 pela Companhia das Letras, o livro reúne a obra completa do curitibano, somando mais de 600 textos. Leminski já tinha ganhado renome nacional, em , pela Brasiliense, mas foi com Toda Poesia que superou a expectativa das vendas. A teoria de que "poesia não vende" não se aplica aqui. A jornalista Luísa Pécora relata em sua coluna que "a obra estreou na lista de livros mais vendidos de ficção da Livraria Cultura pouco depois de chegar à loja, ocupando a quarta posição no ranking" , chegando inclusive a bater números de grandes best-sellers da atualidade, como a trilogia dos tons de cinza. Toda Poesia chegou na sua 7 a reimpressão em menos de dois meses após o lançamento, um número próximo dos 20 mil exemplares. Guto Ruocco, em sua coluna d'O Globo, questiona inclusive tal fato. Diz ele: "É ironicamente empolgante, além de intrigante, que a obra reunida do poeta, morto em 1989, se destaque de repente, inesperada, em meio à multidão de livros feitos ostensivamente para vender. Ninguém, ao que eu saiba, sabe explicar a razão do fenômeno" (Ruocco, 2013).


A explicação pode estar justamente na qualidade empregada no projeto gráfico da obra. A própria Companhia das Letras escreve que o livro recebeu um "inédito apuro editoral", com um projeto gráfico assinado por Elisa V. Randow, designer e artista brasileira. A capa e miolo foram planejados para trabalharem juntos com o texto, descreve tal ato como um projeto integrado de livro. O autor define que "um projeto integrado de livro se dá quando todas as partes componentes de um livro são estudadas e pensadas de forma a comunicar a mensagem extraída do texto, mensagem esta que é processada e interpretada pelo designer, visando formar um todo harmonioso, complementando--se" .


A capa, coberta com um reluzente tom de laranja -que inclusive rendeu o apelido de "Laranja Mecânica" à obra -deixou o livro com uma cara moderna, fugindo dos padrões sóbrios comumente empregados em livros de poesia. Seu layout é composto por títulos em fontes com estilo caligráfico, simulando a aplicação de tinta com pincel sobre o suporte, uma clara referência ao lado artístico do autor. A frente do livro traz também o que Leminski trazia em seu rosto: o marcante e singular bigode. Sem dúvida essa combinação de cor e forma serviram de chamariz para os olhos dos consumidores nas prateleiras das livrarias, como pode ser visto na Figura 1.


Em entrevista à Gazeta do Povo (2013), Sofia Mariutti, editora da Companhia das Letras, conta que Randow procurou buscar referências também em outros livros já publicados do autor para o interior do livro. A designer empregou no miolo respingos de tinta para separar os textos, fazendo referência à capa e "resgatando o traço oriental que já era característico de La Vie en Close e Distraídos Venceremos", conta Mariutti. Além deste artifício, uma das seções do livro ganhou, para cada conto, uma arte diferenciada do miolo. Cada texto foi desenhado tipograficamente, tornando-os visualmente mais interessantes e fazendo referência à poesia concreta de Leminski, conforme mostra também a Figura 1.


Toda Poesia é sem dúvida um reflexo desta nova fase da produção editorial, um livro que resgata a obra de um artista regional, recebendo um tratamento gráfico refinado e pensado para o texto que está empregado, deixando-o semanas consecutivas na lista dos mais vendidos no país. E ele não está sozinho.


O Vermelho Amargo, editado pela Cosac Naify, editora referência na produção de impecáveis projetos gráfico de livro, é a primeira publicação destinada a adultos do mineiro Bartolomeu de . O livro, que em 2013 encontra-se na sua 4a reimpressão, é destaque da categoria pelo prêmio de Livro do Ano em 2012 (Cosac Naify, 2013).


A novela, de cunho autobiográfico, conta a história através das memórias de um garoto, estão ali os seus relatos da amarga infância que viveu. Um texto com conteúdo denso, relatando violência, rancores e tristezas, é montado em forma de prosa-poética com uma construção extremamente apurada. As palavras escolhidas preciosamente, as pausas e quebras de parágrafos realizados de forma muito pensada, e o conteúdo com temática densa, ajudam a aumentar o clima de tensão no momento da leitura.


Ao primeiro contato o livro já impressiona. Pequeno e leve, graças à qualidade das suas folhas escolhidas para o miolo, O Vermelho Amargo foi planejado de maneira a dialogar com seu conteúdo. O leitor, que geralmente espera por um texto impresso em tinta preta, se depara então com um livro inteiro em tinta vermelha. Barbosa (2013) descreve tal decisão com louvor: "Só por ser rara uma incorporação tão bem-sucedida do projeto gráfico à prosa de ficção, o livro já merece uma atenção especial", cita o jornalista.


Não só o texto, mas a capa e as laterais das páginas também recebem a coloração avermelhada (Figura 2). O projeto gráfico de O Vermelho Amargo é uma alusão à figura do fruto tomate, diversas vezes citado na trama. Vemos os irmãos, filhos de um pai que não larga o álcool e de uma madrasta que serve em todas as refeições fatias cada vez mais finas de tomate. "(. ) Afiando a faca no cimento frio da pia, ela cortava o tomate vermelho, sanguíneo, maduro como se degolasse um de nós" . O texto já colabora para ambientar o leitor na situação: a repetição do som da letra F (fatias, finas, afiando, faca, frio) sonoriza a faca sendo trabalhada na trama pesada, onde o corte de um tomate é retratado como um vermelho sanguíneo e à degolação de crianças.


E feito o tomate cortado, o livro ganha metaforicamente a mesma aparência. Com um formato pequeno e uma mancha de texto que não ocupa a página inteira (figura 2c), o leitor passa por cada página brevemente, folheando o livro muito rápido. Assim, o livro é fatiado pelo leitor, da mesma forma rápida e fina, como o tomate é cortado pela personagem ao longo da narrativa.


A Cosac Naify e Maria Carolina Sampaio, quem assina este projeto gráfico, mostram como a editora tem trabalhado para se destacar na produção editorial no mercado contemporâneo. Concebendo projetos com caráter semissimbólico, ou seja, utilizando o livro não apenas como um suporte para o conteúdo mas também com um colaborador da narrativa, um agente participante na experiência da leitura, a Cosac Naify se destaca das concorrentes. interpreta tal situação de forma positiva, colocando o designer e o leitor como agentes da história.


O leitor, da mesma maneira que lê a obra, tanto a textual (produzida pelo escritor) quanto à visual (produzida pelo designer), vai fazer brotar significado; e assim como o designer, mudará de função, mesmo que por um instante, e se tornará também um crítico .


Assim, os designers -e por consequência as editoras -deixam de apenas servir ao texto e passam a dar suporte a este. Constroem visualmente novos significados e tornam-se portanto atores e também autores das narrativas. Erra quem pensa que interatividade é apenas um artifício dos novos dispositivos eletrônicos. . Percebe-se que a hoje descartada denominação Poesia Intersemiótica viria a ser, em verdade, a mais adequada para esse encontro de códigos múltiplos e de trânsito plural de que são portadores os poemas pertencentes a esse universo.


O universo da poesia intersemiótica.


Na tentativa de delimitar ou insinuar o terreno dessa poesia, foram enumeradas as principais características observáveis nos poetas que operaram e operam nesse território intersemiótico, o que os distingue no todo da produção poética brasileira, fazendo deles produtores-de-linguagem especiais. Em inúmeros outros escritos, de autoria vária, poderão ser encontradas as características a seguir apontadas: grande valorização dos códigos da visualidade, assim como das técnicas que possibilitam o seu uso; conhecimento da tradição poética Ocidental, incluindo o domínio da tecnologia do verso; o ter em alta conta todas as tecnologias, tanto as do passado como as que, tendo despontado no presente, apontam para o futuro; a produção pouca evitando, ao máximo, redundâncias; uma preferência -não exclusividade -de veiculação de poemas em publicações coletivas chamadas genericamente de revistas; e houve quem dissesse terem sido as revistas, em seu conjunto (e não uma pessoa), no Brasil, o grande poeta dos anos 1970 , da mesma forma, edições autônomas de poemas, com distribuição precária; grande interesse por todas as Artes: da Poesia à Pintura e à Música, ao Cinema etc., entrando a questão do verbivocovisual (Joyce apud : passim) como algo já cotidiano; prática metalinguística mais oral que escrita e exercida/exercitada em reuniões de poetas; a fusão, mais que a justaposição ou superposição de códigos; o não-interesse em delimitar território; ser um desdobramento fundamentalmente da Poesia Concreta produzida no Brasil, porém, sem exclusividade desta .


A herança concretista e as revistas . A Poesia Concreta já havia mostrado a sua vocação intersemiótica, elencando, em seu rol de precursores, além de poetas, artistas plásticos e músicos e a poesia que estava a se desenvolver com as bênçãos dos concretistas históricos radicalizava certas posições teorizadas e praticadas por aqueles e já operava num território em que o verso -que nunca deixou de todo de ser praticado -era visto como coisa do passado, uma grande coisa, mas do passado; daí, poder-se falar numa Era Pós--Verso , inaugurada justamente pela Poesia Concreta: "dando por encerrado o ciclo histórico do verso" -plano-piloto para poesia concreta . E essa Poesia Intersemiótica, sem subserviência, entra mais como continuidade da experimentação concretista do que como ruptura -processava-se a tão decantada evolução crítica de formas .


Paulo Miranda e a poesia intersemiótica da Era Pós-Verso Artéria, cujo 1º número é de 1975, constituiu-se na 1ª revista experimental editada em São Paulo, depois da façanha da revista Invenção dos concretistas e tem Paulo Miranda como coeditor e colaborador. Artéria chegou ao nº 10 , tendo sido a mais experimental das revistas brasileiras de Poesia, metamorfoseando-se a cada nova edição. Todos os números puderam contar com trabalhos poéticos de Paulo Miranda, além de seus afazeres de editor, diagramador e impressor-serígrafo. Paulo Miranda nasceu em Pirajuí-São Paulo, Brasil, no ano de 1950 tendo--se informado de Poesia, desde a infância: primeiro da produção poética luso--brasileira, depois das poesias expressas em inglês e francês e espanhol e italiano. Ainda adolescente, já possuía o domínio da tecnologia do verso, chegando à prática da linha ou sequência eurrítmico-eufônica (em verso-mais-que-livre), Dilema, poema inédito de 1968 (cópia reprográfica de folha datilografada cedida pelo poeta), em que o título já é parte integrante da peça e onde o isomorfismo está presente, ou seja, a matéria cadente, estrela ou cigarro, realmente perfaz o caminho da queda. Dir-se-ia, com Ezra Pound: uma ocorrência fanopaica . Ao mesmo tempo, parece uma transposição -da sonoridade para a visualidade -de poema de Manuel Bandeira, Vozes na Noite, cujo dilema parte de sons noturnos, registrados em onomatopeia .


Cinco poemas intersemióticos de Paulo Miranda.


A partir da 1ª metade dos anos 1970, após uma parada estratégica, Paulo Miranda começa a operar intersemioticamente, produzindo peças as quais, pela força e por serem poucas, já nasciam antológicas. Em cerca de 40 anos, não chegou a produzir 20 poemas, menos por desinteresse e preguiça, que por temor ao repetir-se. Sua produção se mantém até os dias atuais, sem sinais de declínio. Para este trabalho, foram selecionadas apenas 5 peças, das mais representativas de quantas produziu, todas datadas dos anos 1970, que correspondem ao momento mais radical dessa nova poesia experimental brasileira, a sua fase heroica, propriamente.


Reviravolta -1974 (Figura 1), apareceu publicado em Artéria 1 (1975), encartado. Poema-objeto de pequeno formato, quadrado, cuja leitura exige uma revolução, o que poderá configurar um rodopiar ad nauseam -giro de 180 graus +180 etc. etc. etc. Além da concreção do que representa semanticamente a palavra que se distribui pelas duas faces do suporte-papel -re-vira / volta -o .


Concluindo.


A obra de Paulo Miranda integra o corpus poético mais significativo das Letras/ Artes brasileiras dos últimos 40 anos, apresentando algumas das principais características da contemporaneidade: experimentação, no sentido lato, fazendo uso de códigos vários, sendo os da visualidade (gráfico, cromático…) os de maior peso, porém sempre a comportar algo de conceitual do mundo das palavras, trânsito pelos vários media sem perda de informação estética; trata-se de uma obra quantitativamente rara e não se presta, por essa mesma parcimônia, a reuniões periódicas em volumes, a não ser em publicações coletivas, como as chamadas revistas, que se multiplicaram no Brasil a partir dos anos 1970. O poeta não teme tarefas subsidiárias à atividade propriamente poética, tanto as de planejamento e crítica, como as de trabalhos manuais, sendo editor -entre outras publicações, da revista Artéria que circula, sem periodicidade regular, desde 1975 -e impressor-serígrafo. Por tudo isso é que Paulo Miranda pode ser considerado um poeta paradigmal: encarna tudo aquilo que pensamos ser um poeta hoje. Os cinco poemas abordados, ainda que brevemente, dão uma medida de sua grandeza. Paulo Miranda: um poeta da era pós-verso. As dinâmicas de apropriação, construção e desconstrução que fundamentam possibilidades poéticas ligadas a uma noção amplificada de arquivo são vistas aqui como um campo prolífico de atuação na arte contemporânea.


Os arquivos e mesmo todos os tipos de acervos ou coleções, sejam públicos ou privados, são construídos por especificações, critérios e escolhas pessoais e/ ou coletivas que variam de forma significativa e que, em primeira análise, são determinadas pelos modos de ser e estar no mundo.


Partindo desse pressuposto, guardar, recolher ou mesmo apropriar-se de arquivos ou coleções pré-existentes ativam ligações simbólicas presentes nas estruturas de composição original dos acervos. A experiência de contato com os materiais e a forma como são organizados definem o arquivo pela lógica das relações culturais, sociais, históricas e que podem ser ressignificados por infinitas intervenções.


Desvios radicais das práticas convencionais de coleta, recolhimento e salvaguarda foram estabelecidos por uma tradição de vanguarda , mas convertidos em formas hegemônicas de operacionalização artística pelas poéticas contemporâneas, que propõem eliminar uma dicotomia entre os estados de produção e de apresentação.


Nesse contexto, a fotografia é um suporte cujas características de organização formal, multiplicidade aparentemente infinita, capacidade de serialização e aspiração a totalidade abrangente determinam sua condição inata para o documental, para a acumulação e para o arquivamento.


O trabalho do artista brasileiro Ivan apresenta, assim, o arquivo fotográfico como sendo uma potencia instauradora de tensionamentos visuais a partir dos quais se exacerbam situações paradoxais: a perda da memória, a alteração de sentidos e funções, a anomia.


O artista em seu trabalho não pretende fazer alusão explícita a história ou a realidade implicada em acontecimentos e sim propor relações conceituais, que são inerentes aos conjuntos de fotografias por ele explorados, demonstrando que as informações contidas em documentações textuais e, principalmente, fotográficas podem segundo Susan Sontag «remover os invólucros da visão habitual» criando «outro hábito de ver: intenso e frio, solitário e distante; seduzido pelo detalhe mais insignificante e viciado em incongruências» (Sontag, 2012: 101).


Arquivo pessoal.


Em "Comum União" de 2011 (Figura 1 e Figura 2), Ivan Grilo trabalha com um arquivo pessoal, abordando eventos familiares (nesse caso uma sequencia de fotografias de casamentos) de maneira a revelar um código específico de representação fotográfica, estabelecido por uma rígida estruturação da composição que também evoca rígidas relações de gênero.


Apesar do artista utilizar fotografias de seu acervo pessoal, suas investidas não determinam aspectos biográficos ou autobiográficos, há nesse sentido a estratégia de se manter afastado de qualquer referência emocional com relação a sua história familiar. Essa determinação pelo distanciamento permite inferir que o interesse do artista está fundamentado por uma relação de estranhamento inicial que ele próprio constatou e experimentou ao resgatar imagens de pessoas e parentes com os quais nunca teve nenhum contato ou sequer conhecia.


O estranhamento é a primeira sensação a ser abordada pelo artista no uso desse tipo de arquivo, ou seja, tudo que pode causar algum insight é priorizado por meio de relações de diferenciação, similitude ou determinada especificidade circunstancial que estabeleça possibilidades conceituais a serem visualmente investigadas e determinadas por elementos historicizados, que no caso de «Comum União» trata das convenções sociais expressas pelas posturas corporais.


Nesse trabalho o artista apropria-se de quinze fotografias de casamento, que muito embora tenham sido realizados em épocas e em estúdios completamente diferentes, apresentam em «comum» − como determina estrategicamente o título − poses inalteradas e cenários praticamente idênticos. Sua ação sobre essas imagens ressalta esse fato, chamando a atenção para uma conduta específica e própria da fotografia de estúdio daquele período. A partir disso, o artista desconstrói as imagens provocando manipulações visuais que formalmente vão desde a troca de casais (Figura 3), nos quais todos acabam por estar com todos , até a utilização de palavras e símbolos que ressaltam elementos intertextuais, que traçam considerações sobre a disposição ou propensão para relações de gêneros, mas também lançam outras questões que nos incitam a pensar de modo mais imaginativo sobre a retórica expressa pelas fotografias originais ou pelas histórias propostas nas alterações das imagens, como se fossem geradoras de ficções em torno do destino daqueles casais.


Arquivo Público.


Em "Estudos para a manutenção da paisagem" de 2013 o artista trabalha dessa vez com um arquivo público, apresentando um diálogo entre elementos iconográficos (Figura 5) referentes a criação do Museu de Arte de São Paulo (Masp) de modo a determinar um ciclo de apropriações e inter-relações entre tais elementos e outros objetos representativos da história do museu, como os suportes expográficos projetados por Lina Bo Bardi.


O artista fecha esse ciclo valendo-se de um elemento arquitetônico simbólico, a janela do museu, para apresentar uma narrativa visual que, enfim, acaba por configurar-se como um site specific (Figura 6 e Figura 7).


O arquivo se expande inexoravelmente para a estrutura física do Museu que se torna, ele próprio, documento vivo das transformações características dos processos institucionais e de urbanização de uma metrópole como São Paulo. Presente e passado são sutilmente superpostos, sugerindo a malha de intervenções realizadas ao longo dos anos.


A "manutenção" da paisagem evocada pelo título do trabalho de Ivan Grilo está relacionada justamente a ideia do projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi − em função dos termos de doação do terreno localizado na Avenida Paulista − que implicava, por meio da construção de um vão livre de 74 metros de comprimento, preservar as vistas do centro da cidade e da Serra da Cantareira que se descortinavam a partir do antigo belvedere do Trianon localizado justamente na área de construção do Museu (Figura 8).


Com o passar do tempo, alterações das políticas de ocupação urbana para essa área da Avenida Paulista impediram que a paisagem propiciada pelo vão livre do Masp se mantivesse intacta e assim essas perdas, falhas, bloqueios visuais são assinalados pelo artista.


«Estudos para manutenção da paisagem» representa a elaboração de uma instalação que metaforicamente determina a transitoriedade e sensação de fragilidade ligada as ações humanas e sociais sobre o espaço urbano e as instituições.


Conclusão.


A poética visual de Ivan Grilo estabelece processos dialógicos que ao mesmo tempo em que antecipam condições futuras também refletem sobre o passado. Os materiais envolvidos nas produções e projetos são instrumentos expressivos a partir dos quais pode-se ressaltar o ciclo de construção-desconstrução que determina o sentido primordial de suas apropriações.


Sua produção artística pode ser definida por características visuais que possibilitam pensar a fotografia como um "desenho mecânico", o artista recria erros, desgastes, cortes abruptos, apagamentos, bloqueios visuais que provocam a estruturação de uma linguagem gráfica por meio do que seriam as regras negativas da fotografia, assim o erro é transformado em instrumento visual que reestrutura as relações significativas entre os diversos elementos presentes nas obras.


Ligações intertextuais são evidenciadas na maneira como as palavras e frases completam o sentido de instauração das obras, há um constante fluxo ou transito de informações que entrelaçadas modificam-se mutuamente de modo a realinhar constantemente os conceitos.


No interstício entre a apropriação de uma evidencia documental e a forma como essa informação é processada, o artista elabora sua narrativa visual primordial que, afinal, traduz a fotografia pela sua falta. Assim, as imagens de Ivan Grilo tem como prerrogativa principal incitar a imaginação ou ativar percepções de coincidências significativas que rompem com a ideia generalizada do arquivo como matéria inerte.


Introdução.


Entre a ocupação e a performance é a premissa que motivou a análise da ação de Eliana Herreros na cidade de Curitiba, em Junho de 2003. O objetivo deste texto é discutir as ramificações e implicações desta performance.


A proposição de Herreros foi citada no levantamento das ações performáticas que se realizaram na capital paranaense realizada pelo curador Paulo Reis em 2008. Na referida pesquisa não houve aprofundamento de análise dos trabalhos levantados, intencionou somente uma legibilidade histórica da performance nessa localidade e discussões de linguagem. A escassez de material especialmente escrito a respeito da ação performática de Herreros, levou ao entendimento de que mereceria um olhar mais detido, para desvelar as nuanças que a envolve.


Esta análise utilizou os conceitos conferidos a performance, pelos autores Reis e RoseLee Goldberg, em levantamentos históricos sobre tal linguagem. E algumas considerações de Anne Cauquelin sobre o sistema das artes.


Contexto historiográfico da performance em Curitiba.


O levantamento de Reis sobre a trajetória da performance na capital paranaense teve o intuito de oferecer uma visão histórica sobre o assunto na exposição O Corpo na Cidade -Performance em Curitiba, . A averiguação contemplou desde os pioneiros nessa modalidade artística até os anos 2000.


Segundo o curador, as Ações performáticas aparecem no circuito das artes visuais curitibanas desde o início da década de 1970. Neste período, o meio acadêmico das artes propiciou encontros, para discussões sobre Arte Moderna, entre os artistas locais que resultaram em Happenings, performances, intervenções urbanas e ações coletivas. Durante a abertura política da década de 1980 as performances tiveram um cunho coletivo mais comprometido, além de estudos sobre o movimento do corpo e vertentes pop anárquicas. A partir da década de 1990, Reis encontrou vertentes diversificadas como performances apresentadas para um grupo de espectadores e outras para mídias como vídeo, fotografia e redes digitais. Além de proposições coletivas para o espaço urbano ou institucional e ainda outras orientadas a espacialidade, a imagem, a outras linguagens como a dança ou o teatro ).


Ação Coletiva de Transporte.


Descrição da ação.


Um objeto de 2 m de altura por 15 m de comprimento, costurado por Herreros com embalagens de papel aluminizado para alimentos líquidos, ditas "longa vida", tendo de um lado um mosaico de rótulos das caixas de leite utilizadas, e de outro o lado interno prateado que espelha difusamente . Fonte: Acervo da artista.


Os artistas que participaram da performance, em sua maioria das artes visuais, foram: Bernadete Amorin, Carla Vendrami, Cláudio Mello, Daniela Bis, Dulce Osinski, Eliana Herreros, Izzi (estilista), Lahir Ramos, Lúcia Misael, Lúcia Sandrini, M. Inês Hamann, Mainês Olivetti, Massanori Fukushima, Mirna Pereira Oliveira, Noemi Osna (jornalista), Sandra Natter e Tony Camargo.


Adequação museal.


A adequação museal desse trabalho teve diferentes soluções. Em 2009, participou da exposição O Corpo na Cidade, quando foi exposto como vídeo editado. Em agosto de 2013, participou da Mostra de Arte, nas comemorações de 10 anos do IMAGINE, onde apenas o objeto foi exposto ao ar livre, (Figura 3).


Trajetória e contexto da artista.


Eliana Herreros nasceu em Lota, no Chile e graduou-se em Pedagogia em Artes Plásticas na Universidad de Chile em 1973. Após o golpe político que estabeleceu uma ditadura militar naquele país militar em 1973, sua família passou um período na Europa. Herreros morou na França, onde se aprimorou em arte de rua e na Suíça, onde trabalhou com arte terapia. Desde 1993, reside e trabalha em Curitiba.


Ao chegar à capital paranaense, a encontrou com o título de "Capital Ecológica", cultivado com as campanhas de reciclagem lançadas em 1989: coleta domiciliar de lixo, coleta especial, lixo que não é lixo, câmbio verde, programa compra de lixo e varrição e limpeza (ICI, s/d). O assunto do descarte do lixo que hoje encontra-se absorvido, na época estava em plena efervescência. A artista veio de uma família imersa numa cultura de reaproveitamento e fixou-se numa cidade determinada a entrar na era da sustentabilidade.


O trabalho de Herreros é impregnado por essa consciência ecológica. A ação realizada em junho de 2003 surgiu como um desdobramento de trabalhos desenvolvidos anteriormente. Os primeiros objetos, construídos com materiais descartados costurados uns aos outros, eram pautados na linguagem da pintura: bidimensionais, focados nos estudos de luz, com dimensões médias e expostos nas paredes. Quando a artista iniciou a confecção do grande objeto utilizado em sua performance, ela o imaginou em diálogo com a cidade, descendo por um telhado. Foi sua participação em grupos de discussão de arte, como o grupo liderado por Eliane Prolik e o grupo de arte política orientado por Carla Vendrami que forneceram subsídios para que seu trabalho saísse em grupo pelas ruas da cidade.


Classificação da ação por Reis.


Como se classificaria essa ação que conjuga uma ocupação efêmera num espaço público urbano, necessita da interação de vários participantes e utiliza o movimento do corpo como uma performance? Encontra-se entre definições, e por esse motivo não se enquadra exatamente numa tipologia já estabelecida de linguagem. Paulo Reis citou esta ação entre proposições coletivas em ações performáticas nos anos 2000 e menciona a ação de Herreros como "ação coletiva de transporte" (Reis, 2010: 108).


Performance e Ocupação.


Definição.


O conceito de performance utilizado por Reis acomoda uma justaposição ou encontro de partes, situações ou realidades, como num embate entre o corpo do artista e o do público, entre diferentes corpos sociais ou entre o corpo e distintos espaços. A performance nas artes visuais situa-se num território híbrido de práticas . A ação de Herreros encaixa-se perfeitamente a essa lógica: encontra-se entre a construção de objeto e o deslocamento de corpos pelo espaço urbano.


Verifica-se se nas investigações sobre performance de RoseLee Goldberg, ações que exploram o corpo como um elemento do espaço. Segundo a pesquisadora, a performance ganhou força na batalha contra os convencionalismos da arte estabelecida e tornou-se um meio de demolir categorias e apontar para novas direções:


A performance tem sido um meio de dirigir-se diretamente a um grande público, bem como de chocar as plateias, levando-as a reavaliar suas concepções de arte e sua relação com a cultura. As definições de Reis e de Goldberg consideram a performance uma linguagem que extrapola categorias e se encontra entre linguagens. Isso nos leva a considerar a ocupação urbana existente na ação de Herreros como uma parte importante de sua performance:


Praticar o lugar -real e imaginário, individual e coletivo, público e privado, material ou existencial -revela paisagens potenciais que instigam a experiência urbana e legitimam a intervenção e ocupação performativas como ação transformadora.


Características.


A autora analisa a ação de Herreros utilizando características conferidas a performances citadas por Goldberg.


linguagem plástica.


Quando Goldberg afirma que "muitos artistas desejavam contrapor-se à influência da escultura minimalista preocupada com a essência do objeto" (Goldberg 2000: 147), ela refere-se aos artistas que trabalhavam seus corpos como objetos e concentravam-se no criador e não no objeto em si.


A ação de Herreros é centrada no objeto, num primeiro momento percebido como o peso maior da ação. Sua dimensão avantajada e o revestimento prateado ocultou os "carregadores" de um lado e de outro, o colorido dos rótulos capturou a atenção. Porém o grande esforço físico exigido dos participantes para carregarem o pesado objeto pelo trajeto proposto, faz com que objeto e carregadores sejam partes indissociáveis da mesma obra/performance. O objeto só pôde circular com a presença de várias pessoas devido suas dimensões.


Sátira ao mundo da arte.


"Satirizava a natureza excessivamente séria do mundo da arte." Duas características nesse trabalho apontam fortemente para uma crítica ao circuito artístico. A escolha por convidar artistas visuais para carregarem o objeto e o trajeto que termina em frente ao Museu de Arte Contemporânea (MAC). Herreros confidenciou que sentia-se incomodada com a dificuldade em inserir-se no circuito oficial da cidade e isso a levou a pensar noutras possibilidades de atuação. Cabe considerar que essas escolhas soam como um desabafo e uma provocação. A participação de outros artistas na performance de Herreros, validam a ação como artística, como uma redundância que alimenta o Sistema das Artes (CAUQUELIN, 2005).


Inter-relação entre arquitetura e arte.


"Alguns artistas viam a performance como um meio de explorar a inter-relação entre a arquitetura do museu e da galeria e a arte neles exposta." O objeto andante seguiu o trajeto pelas ruas centrais de Curitiba refletindo a arquitetura da cidade em sua superfície espelhada. O movimento inseriu o objeto e os artistas na dinâmica urbana.


Protesto social e aumento da consciência do público.


"Em fins da década de 80 e início de 90, a performance era frequentemente usada como forma de protesto social" "Artistas criavam performances que aumentavam o nível da consciência do público." Com potencial transformador, a reinserção do descartado na cena urbana, funcionou como um apelo à cidade. Segundo Herreros, a cidade sempre se impõe, cabe aos cidadãos a adequação ao labirinto arquitetônico e as consequências dessa aglomeração (Herreros, 2013) A proposta da ação foi uma resposta a esta situação, ao sair da submissão e colocar-se numa postura de conversa com a cidade, mostrando a ela o volume de material por ela descartado. Sua ação devolve o descarte, sob a forma de seu imenso objeto, às ruas. Escancarado em forma de procissão, assedia a população em sua rotina quotidiana e não passa desapercebido. A presença do artista em público na qualidade de interlocutor instiga o questionamento sobre o limite entre arte e vida.


Ao operar um ativamento do espaço público pelo investimento de um sujeito pós-muro de Berlim, essas propostas, mais do que "crítica institucional", apostam numa positivação possível dos sempre problemáticos espaços da cidade e instituições artísticas (museus, coleções públicas, espaços expositivos). (REIS, s/d)


Conclusão.


Sua ação reafirma o grito de alerta presente em seu discurso, ao lembrar que somos todos responsáveis e arcamos com as consequências de nossas ações.


A ação de Herreros encaixa-se nas definições de performance, tanto de Reis quanto de Goldberg. Seu estado entre linguagens, calcada na força do deslocamento de corpos carregando o objeto como protesto, aponta para a linguagem da performance. Entretanto culmina numa aproximação entre arte e vida nessa "passeata" repleta de metáforas.


A grande questão para Herreros foi a reinserção do descartado, assunto hoje absorvido, mas que na época estava em plena efervescência. O desejo da artista de falar à cidade se concretizou, já que ela sentiu-se inserida no espaço social, urbano e artístico. Os transeuntes invariavelmente olhavam o movimento e, o incômodo de não saber do que se tratava, os impelia a aproximarem-se para sanar sua curiosidade. A cidade acolheu seu grito e partiu para o diálogo. Diálogo este não registrado palavra por palavra, mas cuja efemeridade não elimina a transformação por ele operada: tanto o público quanto a artista e seus colaboradores vivenciaram a obra simultaneamente. aplicaremos as referidas noções deleuzeanas ao identificar os momentos essências do "plano de consistência" desenvolvido pelo artista. A reterritorialização está compreendida no conceito deleuzeano de território implicado no complexo da criação de um "plano de consistência" ou plano de criação artística do autor, num trajeto entre o território e a desterriorialização. Territorialização, reterritorialização e desterritorialização são noções essenciais à compreensão do que é um ritonelo ou do propósito de um plano de criação artística: um devir-outro.


Verifica-se na instalação artística de Carlos Bunga, uma literalidade entre a arquitetura efetiva do espaço arquitetónico expositivo e arquitetura afetiva, como produto da função de territorialização ou reterritorialização como processo primeiro do plano para devir.


Pretende-se analisar à luz dos referidos conceitos deleuzeanos, a forma como esta instalação artística denuncia momentos decisivos do plano de criação artística do autor, entre os quais, as noções de atletismo e abjeção, relativas ao seu fechamento dentro da casa afetiva de cartão e ao longo do processo de concepção artística da obra, até ao momento em que a descarta. Pretende-se também alcançar uma melhor compreensão da amplitude do fenómeno de território de um plano de consistência, que compreende as funções de: territorialização, reterritorialização e desterritorialização para alcançar a terra nova − uma desterritorialização absoluta que parte de um território já desterritorializado.


Território, partida de uma reterritorialização por adoção da arquitetura efetiva.


Na obra da Figura 1 e da Figura 2, Carlos Bunga começa por construir uma casa afectiva no espaço expositivo. Do seu territorializar, identificamos agora o que resta do seu aplat, bem como a escolha do local, melhor dizendo, o que resta das relações do local com a sua construção, o contraponto. Falamos do ponto de partida do processo de criação artística do autor, por onde começou o trajecto da criação da sua composição.


O que observamos como resto ou vestígio de uma construção desaparecida, refere-se a uma consequência da desteritorialização alcançada pelo plano de criação do artista, lançado o seu plano secante que atravessa o caos, com o intuito de lhe extorquir uma sensação. Temos de compreender que já na definição e escolha do contraponto (até mesmo antes da construção da casa afectiva no território), estão pré-definidos os devires a praticar. São blocos de sensações o que o contraponto reúne, para desenhar um mapa intensivo do devir:


Um devir não é imaginário, não mais do que uma viagem é real. É o devir que faz do mundo trajecto, ou mesmo de uma imobilidade no mesmo lugar uma viagem; e é o trajecto que faz do imaginário um devir. Os dois mapas, de trajectos e de afectos, remetem um para o outro. Sendo o devir o que sustenta o trajecto a percorrer, é importante compreender que esse mapa intensivo angaria já as condições (recursos atléticos, ferramentas, materiais) para a concretização do plano, partindo essencialmente de uma identificação das forças de oposição ou perigos a enfrentar, uma clarificação fundamental. Numa casa afectiva, é no seu potencial ambíguo como composto de forças, onde se operam trocas e adaptações imprevisíveis, que reside a verdadeira sensação para devir. Ambígua e detalhada a tal ponto, que numa casa, a multiplicidade de enquadramentos, bem como o potencial isolado de cada um deles (enquanto sem função arquitectónica efetiva) permitem uma mesma multiplicidade de devires pré-definidos possíveis:


Fazendo da arquitetura a arte primeira do enquadramento, Bernard Cachê pode enumerar um certo numero de formas enquadrantes que não pressupõem nenhum conteúdo concreto nem função do edifício: a parede que isola, a janela que capta ou selecciona (em ligação com o território), o chão que esconjura ou rarefica (rareficar o relevo da terra para dar livre curso às transjectórias humanas), o tecto que envolve a singularidade do lugar (o tecto inclinado coloca o edifício sobre uma colina). E se a teia de aranha contem um retrato muito subtil da mosca; se o abrigo do Bernardo-Eremita depende da morte de outro molusco, abandonando a sua concha que este habita, graças à sua cauda não natatória mas preênsil; se é parte da constituição orgânica da carraça o lançar-se a um mamífero que passa, este passando por baixo dela iludido com o seu brilho semelhante a uma gota de orvalho fresca , é porque o pré-enunciado na definição do contraponto, não só complementa uma noção de semi-identidade, como se propõe como meio para devir.


O Contraponto de Bunga, para a referida intervenção, não é a parede de arquitectura efectiva do espaço expositivo da galeria, mas sim, a sua relação com o plano do chão que com ela se intersecta. E a partir desta relação seleccionada, foi erguida a casa afectiva de cartão que contém uma relação-simulacro ou literal, fixada à anterior com uma fita-cola resistente. A semi-identidade da casa afectiva de cartão, no território, encontrará algo no canto-parede-chão da galeria, um composto de sensação, que lhe permitirá devir. Cada novo plano de cartão afectivo, unido aos planos efectivos da arquitectura da galeria, encontra um código que também lhe pertence e que pré-define um devir. Como a teia de aranha que contém um retrato subtil da mosca, mas que aqui não é nada subtil, é uma óbvia pré-tangência do afectivo ao efectivo, da qual o trajecto do devir (pré-definido) não se descolará.


A casa de cartão é então erguida, e disso já não temos testemunho porque foi destruída, sabemos apenas pela ordem de construção da peça, que a casa existiu e que foi excluída ao longo do plano de criação artística do autor. Enquanto erguida a casa, o artista no seu interior − a carne reveladora que se transforma no que revela, pintou as paredes dos compartimentos interiores, variando as cores, respondendo a uma diferenciação dos espaços, enquanto território. Cada sala tem as suas quatro paredes da mesma cor. Sobre o plano-contraponto-chão, existe ainda na planta o que resta do corredor que permitia o acesso a cada uma dessas salas.


Desterritorialização, fuga para a tangência da literalidade.


Depois de concluída a construção territorializante, o plano de composição finito abre-se, ou melhor, corta-se o plano de composição infinito: a casa foi cortada--rente, junto aos planos-contraponto fixos à arquitectura efetiva. Num corte contínuo com o x-ato, pela mão do artista, destaca-se e exclui-se a casa que fora elevada em altura e volume.


A fuga de Bunga dá-se por uma extracção integral do volume tridimensional da casa de cartão, cortada provavelmente por fora e por dentro, o ser só se escapa quando expulsa ou nega a casa. E escapa-se sem ter de procurar uma passagem, podia ter seguido o corredor até à saída, mas quando a desterritorialização nega a casa, nega-lhe qualquer sentido, pretendendo transforma-la uma anti-casa, anti-coisa, um anti que não deixa de se cruzar com um novo, podendo naturalmente conter perceptos caóides.


Quando Bunga termina os cortes às paredes, basta empurrar para fora esses restos, sem ter de sair sequer da planta da casa. Mas há aqui uma ideia de inversão que se impõe: se o artista luta com a casa numa decomposição e até destruição, para lhe extrair uma sensação do caos, se este persegue um caos composto sensível que lhe permita retirar, adquirir uma sensação caóide como variedade, então, quando olhamos para a casa desfeita de Bunga, percebemos que essa variação da pós-desterritorialização que reside nas paredes coloridas, unidas aos planos-contraponto, remete para o que na terrritorialização era uma diferenciação dos vários compartimentos da casa, mais ainda, se a sensação extraída do caos se encontra nas cores (perceptos), significa que o caos estava no interior e assim a ancoragem à arquitetura efetiva funciona como suporte à sensação caóide.


Os perceptos não são já percepções, são independentes de um estado dos que os experimentam; os afectos não são já sentimentos ou afecções, excedem a força dos que passam por eles. As sensações, perceptos e afectos, são seres que valem por si e excedem todo o vivido. A casa que Bunga construiu só usa como contraponto meia-casa efetiva, completando os restantes planos (tecto da casa e parede exterior do lado oposto à parede) com a construção de cartão. Sobre o seu comportamento no interior, quando o artista estava a cortar as paredes da casa, estava no interior, numa luta com os restos que dele provinham. Uma luta entre uma metade e a outra, entre a meia-casa unida e suportada pelas paredes-contraponto da arquitectura efetiva, e a outra meia-casa não suportada.


Mas a sensação composta reterritorializa-se no plano de composição, porque ergue nele as suas casas, apresenta-se aí em enquadramentos encaixados ou em panos unidos que cercam as suas componentes, paisagens formadas puros perceptos (. ) E ao mesmo tempo o plano de composição conduz a sensação para uma desterritorialização superior, fazendo-a passar por uma espécie de desenquadramento que a abre e a fende para um cosmos infinito. 3. O objecto de abjecção como fonte de impureza A metade excluída surge-nos como impura, a que o artista teve urgência em excluir. Quando os restos se rebatem sobre o interior, será uma luta entre pureza e impureza? Uma situação limite de continuidade ou ruptura? A casa de Bunga transformou-se numa fronteira, o seu resto não é mais do que uma reivindicação, um restabelecimento, uma auto-preservação que implicou a expulsão e negação da meia casa não suportada. Da extracção da metade impura que resulta da desterritorialização, as paredes e chão da casa que restam, definem a composição final, são deformação, enquanto membros amputados da casa excluída, são também desvitalização depois de extraído o que era impuro e febril. E sobre estes perigos da impureza, se procurarmos uma identificação precisa do momento em que a impureza se apresenta como perigo, percebemos que é precisamente quando a casa está de pé e o ser a habita, é nesse comportamento de familiaridade, de abjecção provocada, evocada na construção do lugar dentro do lugar (tudo isto constituindo o "atletismo" que persegue a fuga), é este o momento o mais perigoso, em que a semi-identidade ameaça a destruição do ser se este não se escapar, não concretizar o devir-outro. Foi face a este perigo que ele construiu todo este processo.


Depois de concluído o processo de expulsão do impuro, os restos já não incomodam mais o ser, regressam até, por ironia do processo, a um ponto de partida de condição informe, crescimento, construção e deformação, desvitalização -princípio e fim, finalizado o processo e concluída a desvitalização, regressa a um estado de informe, ou anti-casa, através do devir, alcança o novo no perceptos caosmos que cristaliza. O informe é alivio e conforto, parece ser um estado amigo.


A negação da casa foi uma necessidade superior. Bunga construiu para de seguida a negar, ficam os restos desvitalizados. Só se compreende o construir para depois destruir se o que resta consistir não só numa deformação pré-destinada embora não controlável, como numa desvitalização em que as cores tem um papel fundamental: são elas que distinguem uma consequência de uma desterritorialização de uma operação não artística ou se artística, não eficaz. Se as cores não estivessem lá como memória do interior negado, criando agora uma "nova composição -caosmos", bem como os planos-contraponto-âncora, não estaríamos perante um processo de criação artística autêntico.


Se a solução foi uma negação da casa, estabeleceu uma paragem do processo de desintegração da identidade do ser: negando e ficando apenas com o resto que já não apresenta ameaça, o ser trava o seu sofrimento, contudo, como contrapartida é obrigado a destruir a casa. É evidente uma incompatibilidade entre uma existência vivida do ser e o ter casa, este é obrigado a escolher a experiência transitória que o mantém vivo, em detrimento das casa que possa vir a habitar temporariamente. A condição informe é o que dá ao ser garantias de um futuro.


O ser lança o boomerangue da abjeção da negação literal ao construir a casa afetiva, mas quando o objecto regressa, arrasa-a inevitavelmente (o que provoca uma fuga que decapita integralmente a casa) -o ser pode estar preso ao movimento boomerangue. Neste percurso o ser pratica um escape de si próprio, usando a iconografia arquitetónica como pretexto para este processo. Uma "casa afetiva" literal, com essa pré-limitação, poderá não passar de uma metáfora de uma "estrutura de afetos".


Conclusão.


Como conclusão ou ponto de vista central deste artigo, destacamos a importância do problema da literalidade nesta obra, entre arquitetura efetiva e arquitetura afetiva, consequente de uma reterritorialização, que denuncia características da abjeção Kristeviana relativas aos seus processos de inversão de sentidos do significado, devido à ambiguidade do estar entre-dois, entre interior e exterior ou numa fronteira ambígua.


A abjeção, já citada por Gil Deleuze no seu estudo sobre a obra de Francis Bacon, é recorrentemente utilizada pelos artistas como instrumento de indução a uma fuga, cujo procedimento estratégico parte precisamente de um fechamento/reclusão do ser no interior da sua casa afetiva do território traçado, conduzindo-o a um estado insuportável que o obriga à concretização de uma fuga ao território. Esta abjeção instrumental caracteriza-se também por ser um momento em que é operada uma "mudança de funções" essenciais à concretização de um devir-outro: a passagem do território à desterritorialização, mais precisamente, a mudança de uma função de territorializar ou de reterritorializar, para uma função de desterritorialização absoluta -a que consegue concretizar uma fuga para devir.


O problema da literalidade que denunciamos neste ponto de vista, sobre a referida instalação de Carlos Bunga, é o da tangência e evidência a um resto--simulacro, consequente da adoção da arquitetura efetiva do espaço da galeria como arquitetura afetiva do plano de criação artística desenvolvido pelo artista.


Introdução.


A tomada de posição em relação ao espaço habitado entre a arte e o seu público, seja como espaço físico seja nos aspectos sócio-políticos convergiram para que o produto artístico há muito não fosse mais definido pela produção de objetos estéticos colecionáveis. Nas observações de Nicolas Bourriaud, sobre esse alargamento de campo, se a "[. ] arte tinha que preparar ou anunciar um mundo futuro: hoje modela universos possíveis" . Sabemos que um ponto de partida que nos mostra como interpretar deslocamentos e significados históricos para realinhá-los às manifestações artísticas em nossa época, se inscreve em experiências que legaram a intervenção construtiva entre arte e vida, arte e política, arte e quotidiano. No importante estudo de Peter Bürger, Teoria da , é enfatizado o eixo vanguardista que sustenta a instituição arte como um ataque ao status ordenado conforme a práxis do esteticismo da segunda metade do século XIX, da arte autônoma ou original, apreendida na sociedade burguesa. Para o teórico alemão, um dos protagonistas do debate sobre a vanguarda e a pós-modernidade, as vanguardas históricas têm uma reação e contestam a especialização da arte numa esfera apartada do todo social, negam a separação da arte em relação à práxis vital. Bürger discute que apesar das ações políticas das vanguardas terem conhecido impasses e resultarem em crises, o legado de seu efeito no plano artístico ao neutralizar a pretensão de um estilo ou forma artística colocar-se como ideal de um período, colocou à disposição dos artistas uma pluralidade de procedimentos artísticos. Hoje, a condição heterogênea da arte e do artista, livres do peso de uma ideologia como, entre outras, a condição de uma visão universal ou a ideia de progresso, parece enfatizar que "não foi a modernidade que morreu, mas sua versão idealista e teleológica" .


Segundo Hannah Arendt, as transformações ocorridas no século XX, como a corrida espacial, a engenharia genética e a automação forçaram a humanidade a repensar sua situação no mundo, instrumentalizar a experiência discursiva para interagir nesse novo mundo da "condição humana". Artistas criam processos e poéticas na tentativa de construir uma compreensão sobre o mundo, e a prática artística confunde-se cada vez mais com a cultura e ocupa os espaços negligenciados pela política. Como pensar a posição da arte uma vez que não funciona mais como refúgio ou campo de elaboração utópico alternativo à realidade, nem mais como mecanismo de distinção simbólica de uma elite intelectual?


Ao discutir essa condição heterogênea da arte e do artista, mesmo que as reflexões não tragam posições rígidas, mas ao contrário assumam mobilidade, pode-se inferir que as práticas contemporâneas da arte têm no campo público um lócus intencional de sua instauração. Em certo sentido, levam a herança vanguardista de integrar arte e vida à realização de atividades que buscam criar novos cenários em direção à práxis vital. É o caso de artistas que interferem de maneira ativista em questões sociais, lidam com uma comunidade de forma colaborativa ou que a utilizam como fonte de informação para construção de seus projetos.


Sob esse ângulo, partimos do projeto Temporal do artista Stephan Doitschinoff, elaborado no município de Lençóis, no estado de Bahia, Brasil, e discutimos sobre vínculos estabelecidos entre obra, artista e comunidade. A ação deste artista significa criar um site-specific direcionado a investigar sobre o universo simbólico do sagrado e do profano no registro das heranças religiosa e folclórica em Lençóis. Em contraste com o fazer da obra como objeto autônomo, práticas site-specific podem ser construídas por uma pluralidade de agentes e a ação se dá no registro temporal do presente. Daí, as estratégias de aproximação utilizadas por artistas na relação com a comunidade podem ser reinventadas e a imprevisibilidade da ação significa brechas no controle. Segundo Miwon Kwon, uma vez que a ideia de lugar transformou-se desde as primeiras práticas site-specific, compreender o seu significado na contemporaneidade tornou-se um desafio.


Apropriação e alteridade em Temporal.


Atraído pela arte devocional, o folclore e o sincretismo religioso de Lençóis, Doitschinoff (1977-) muda-se para este município em 2005 e ali reside até 2008 desenvolvendo o projeto site-specific Temporal. Intencionalmente, o processo dá continuidade à sua investigação artística aliada aos questionamentos sobre filosofia, psicologia e as simbologias religiosa e pagã. Na fala deste artista, seu processo pictórico sobre as paredes de adobe das casas dos moradores local define-se "não como um projeto de embelezamento, mas como uma confrontação de crenças". . Buscaria encontrar no sincretismo gerador dessa comunidade, formas de espiritualidade ou até mesmo a noção de um deus criador apartado de rígidas doutrinas religiosas? Doitschnoff, filho de pastor protestante, cresceu em um ambiente extremamente religioso. Contudo, o que parece ser, em um primeiro momento, a expressão de sua devoção, é na verdade uma visão crítica às formas de dominação cultural. Seu discurso artístico resgata, reelabora e dá novo significado a historicidade de símbolos, coloca em movimento uma realidade dada, e conduz questionamentos sobre o teor obsoleto de rituais, leis e formas de viver. No seu campo imaginário, igrejas submergem como sintoma de uma humanidade sufocada pela própria cultura, caveiras lembram a brevidade e finitude da vida, a figura do "cramunhão" cria um teor demoníaco, estrelas reverberam tatuagens da máfia russa.


Em qual medida de valor pode o processo experimental Temporal ser aproximado da ideia de relacionamento entre artista e comunidade presente no conceito de arte de interesse público, descrito por Miwon Kwon? O critério da instrumentalidade rege o processo de Doitschnoff e sua atividade se faz na vivência e intercâmbio de experiências para viabilizar seu projeto. Atividade planejada, apropria-se da maneira de viver dos habitantes de Lençóis e entra em contato com as famílias desta comunidade para conhecer suas histórias, seus santos de devoção e suas superstições. Seu fazer é projetivo, reflete uma meta do artista que intervém, transforma e faz migrar um conjunto da realidade vivenciada para o imaginário reflexivo e estético de seu trabalho. .


A participação da comunidade legitima e assegura um "senso de propriedade" e "essa interação é considerada como parte integral da obra de arte" (Kwon, 2008) tornando-se elemento constituinte do processo. Nesse contexto, a comunidade atua como fonte de informação, relata vivências, e a aproximação com a obra e o diálogo com o artista traz alteridades no reconhecimento de significados. Ainda, em Temporal a atividade criativa é delimitada pelo artista e foi inevitável que resistências aparecessem.


relata Doitschnoff.


Algumas vezes a reação foi bem intensa, como no caso do mural chamado As Sete Dispensações, que tem um anjo e duas igrejas afundando. Só que tinha gente que via e achava que era o capeta, o beuzebú. E naquela mesma rua também tinha uma igrejinha evangélica e, num dia que cheguei para terminar a pintura, tinha um monte de buracos na parede e me falaram que foram crianças evangélicas que saíram do culto e começaram a apedrejar o mural e gritavam "sai beuzebú! sai satanás!" tentando arrancar o reboco da parede com a mão. No caso do imaginário do mural (Figura 2), o trabalho só passou a ser bem recebido após o artista explicar aos moradores sobre sua convergência com fatos que faziam parte da memória daquela comunidade. A grande figura que : 161-168.


compõe o mural de quinze metros, traz o ventre repleto de pedras de diamante e representa uma dramática história local: Lençóis foi um local importante para o garimpo de diamantes e parte dos moradores descendem dos escravos que trabalhavam nas minas da região. Conta a legenda que, para esconder diamantes que encontravam os escravos os engoliam. Contudo, a menor suspeita dessa atitude provocava o corte do abdômen para a retirada da pedra.


Porosidade no processo -Capela de Santa Luzia.


Passados três anos de vivência em Lençóis, com múltiplas intervenções nas casas de famílias, em túmulos e muros, Doitschnoff foi convidado por moradores para pintar e recuperar a capela ecumênica do cemitério local . Nesse espaço, vai evitar que a "acidez e a crítica" presentes em seu trabalho "não ferissem a sensibilidade e a fé das pessoas da cidade" . Ao final de dois meses, o artista percebe que aquele trabalho já não era mais seu: "Para mim foi assustador e impressionante ver a nova dimensão que o meu trabalho levou àquele lugar" .


Conclusão.


Doitschnoff parte de uma busca e inquietação subjetiva, sua ação inicia processos que buscam o experimental, o que é passível de controle. Seu trabalho questiona tradição e memória, solicita uma possibilidade de imersão profunda, uma vivência contemporânea que enfrente novas formas de existência e de relações com o mundo. Sabemos que a colaboração em arte, como discute Claire Bishop, é "tão incerta e precária como a própria democracia". Uma vez que o artista insere seu trabalho em uma determinada dinâmica social, o debate e a consequente possibilidade de rejeição e antagonismo são colocados em jogo.


Os murais executados em Lençóis não receberam atenção da comunidade para que fossem apropriadamente preservados. Entretanto, o trabalho da capela de Santa Luzia foi resguardado e conservado pelos moradores. Na capela, a comunidade vela seus mortos e reza entre o imaginário pictórico e os demais objetos de devoção colocados no altar. Há neste caso uma identificação entre o uso que se faz daquele local e o imaginário desenvolvido pelo artista, que optou por criar um campo imagístico no qual todos os "moradores-participantes" se reconhecessem por "algo em comum". Na capela, Doitschnoff articulou uma situação harmoniosa que encontra convergência nas proposições de Bourriaud, no sentido do artista atuar no mundo em mobilidade para "transformar o contexto de sua vida em um universo duradouro". Em sentido contrário, Claire Bishop traz uma crítica à estética relacional desse autor e postula por propostas que proporcionam e evidenciam situações de enfrentamento. Contudo, a visibilidade da ação, no caso da esfera pública, depende de uma pluralidade de agentes para se dê o reconhecimento de significados.


Introdução.


No passado, os centros urbanos e as ruas das cidades eram por excelência os lugares de encontros, da diversidade de classes, das trocas de ideias, da moradia, trabalho e vivência. Hoje, a constituição dos espaços fôra invertida, outras centralidades surgiram, a cidade a céu aberto não é mais um lugar tão praticado e habitado, tem sobretudo de uma vida diurna mais pulgente, esvaziando-se no periodo noturno, perdendo o diálogo com o espaço estabelecido no passado recente . A pesquisa consiste no estudo de estratégias de ocupação estética do centro de Vitória, a partir da produção da artista e estudante de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Kika Carvalho. Kika é uma das artistas mais atuantes no cenário urbano de Vitória, dessa forma a investigação do seu processo de produção e dos locais de atuação se fazem necessários para o entendimento a respeito da atuação do grafite na cidade de Vitória.


Toda a pesquisa está baseada nos preceitos da Crítica Genética, uma linha de estudos voltada para o processo de criação, entendendo esse processo como peça fundamental para a compreensão do produto final da artista. Foram utilizadas também como método de pesquisa o trabalho em campo e entrevistas com a grafiteira Kika Carvalho, além de pesquisas bibliográficas sobre o grafite.


O grafite e sua relação com a cidade.


Atualmente o grafite faz parte da realidade das grandes cidades do Brasil e em outros países do globo, se torna cada vez mais raro a existência de ruas e bairros onde não há presença de desenhos grafitados ou pichações. é uma forma de apropriação do espaço urbano, e de criar com essa apropriação um diálogo com seus habitantes através de imagens que nem sempre são compreendidas pelo público geral [. ] "figuras presentes no inconsciente coletivo das pessoas, para que elas as reconheçam, apropriando-se delas com suas interpretações, fazendo-as refletir a respeito da espontaneidade e a poesia disponível a todos." .


Apesar do intenso número de imagens que atualmente povoam as cidades contemporâneas, é comum que as imagens grafitadas causem ressonância, gerem comentários de forma individual, coletiva e em maiores instancias entre o governo e mídia. Essa ressonância ressignifica o trabalho e gera um processo de negociação entre a obra e o público. Segundo Freitas como cada transeunte lerá a cada imagem fixada nas paredes depende de um contexto, de um momento histórico, de um grupo social, de suas próprias experiências individuais, mas também do sentido ideológico vigente e ainda da vivencia do agora daquele sujeito que contempla e interage com a obra .


A institucionalização do grafite vem ocorrendo de forma frequente, ele está presente em campanhas publicitárias, projetos do governo Federal, estadual e Municipal e ocupa cada vez mais espaços institucionais de arte como museus e galerias públicas ou privadas e também gera cada vez mais discursões no meio acadêmico, mas apesar de sua crescente institucionalização ele continua ativo no cenário urbano como uma arte democrática, descomprometida com questões artísticas, sua natureza é efêmera abordando temas polêmicos como politica, sociedade e economia e também temas descomprometidos como amor e humor, sem comprometimento com a ideia de consumo, rivalizando com a publicidade o mesmo espaço na cidade.


O grafite na cidade de Vitória/ES.


Pelas ruas da cidade de Vitória é inegável a presença cada vez mais significativa do grafite, seja em forma de desenhos elaborados, desenhos simples ou bombs (grafite rápido e ilegal geralmente feito à noite), é possível acompanhar e evolução estética dos grafiteiros acompanhando o desenvolvimento de seus registros pela cidade e testemunhar o nascimento de novos grafiteiros que passam a integrar as crews (grupo de grafiteiros) já existentes, fundam novas crews ou atua individualmente.


Entre os espaços grafitados na cidade é comum a presença de vários trabalhos em espaços de passagem, como as principais vias rodoviárias da cidade, a avenida Nossa Senhora da Penha e a avenida Marechal Campos e Avenida Vitória, os bairros mais grafitados da cidade é o bairro de classe média Jardim da Penha e também o bairro Centro, em Jardim da Penha há uma cultura do grafite presente no bairro a muitos anos, inclusive há na região grupos de grafiteiros que disputam entre si os muros do bairro.


Várias crews atuam na cidade, entre elas o Mutantes crew, Os Irreverentes, Levi Casado crew, Coletivo DasMina, LDM-1998 (ano em que foi criado), Os Urbanistas, GDT crew e um dos grupos mais antigos e respeitados do estado o BCL ( Batalhando Contra a Lei) crew. O integrante de uma crew ou grupo podem atuar apenas nela como pode fazer parte de mais de um coletivo. É comum o combate por territórios entre as crews e também disputa por reconhecimento entre os próprios grafiteiros, geralmente os mais respeitados são aquele que desenvolvem trabalhos mais "vandal" ou seja trabalhos ilegais, são os grafiteiros que atuam frequentemente na marginalidade.


Como acontece em outros estados do Brasil, aqui o grafite vem sendo apropriado pelo estado, prefeitura, empresas privadas e museus e galerias, mas apesar de muitos grafiteiros realizarem trabalhos encomendados por esses órgãos eles ainda assim atuam ilegalmente nas ruas, segundo a artista Kika Carvalho oque diferencia um trabalho do outro é a essência: "[. ] o trabalho autorizado eu chamo de mural, faço uma pintura de mural e não um graffiti, os dois são semelhantes na estética mas a essência é outra, o graffiti é marginal, o que é autorizado não é mais graffiti " No bairro Centro o grafite é presente em quase todas as ruas e avenidas, o principal motivo da maciça presença de grafites no bairro é o número elevado de imóveis abandonados, o que facilita a ação dos grafiteiros pois não há fiscalização em imóveis nessas condições e também o intenso fluxo de pessoas e veículos no Centro, o que promove a visualização do trabalho por um número maior de pessoas. Existe também um desejo de gerar uma mudança na paisagem do bairro, apesar do intenso tráfego de pessoas e do sítio histórico presente na região (no Centro estão localizadas as edificações mais antigas da cidade) o bairro sofre com o descaso do poder público, edifícios tombados estão em situação de abandono, o bairro sofre com a sujeira e com a ação de criminosos, assaltos a mão armada são comuns na região.


O Processo criativo da grafiteira Kika Carvalho.


Carvalho é estudante de Artes Visuais na UFES e passou a desenvolver grafites após um curso sobre a técnica do grafite ministrado no Centro de Referencia da Juventude -CRJ em Vitória no ano de 2009, desde de então Kika vem grafitando na cidade de Vitória e cidades vizinhas sempre que tem a oportunidade, já fez parte do coletivo Levi Casado Crew e atualmente atua no coletivo Toryba junto com Natanael Souza e César Pimentel e também no coletivo DasMina, mas a parte da ligação com os coletivos, a artista costuma trabalhar de forma independente pela cidade, segundo Kika "[. ]Pinto em grupo também por questão de segurança, mas também pinto sozinha por necessidade de suprir a vontade de pintar mesmo que não tenha ninguém pra acompanhar Ao ser abordada sobre a questão da pichação e a diferenciação que ocorre no Brasil entre picho e grafite, Kika não considera que há uma diferença entre eles, pelo menos não uma diferencia em essência e intenção do ato, para ela "[. ]Eu reconheço que o pixo (com X) é um movimento específico de uma região, assim como o xarpi. mas de modo geral vejo tudo como graffiti. Não faço essa separação " Nos trabalhos de Kika é comum à presença da imagem feminina (Figura 1 e Figura 2), consiste uma um busto de uma jovem garota desenhada em um estilo que lembra os mangás (histórias em quadrinhos japonesas). Além do busto feminino, Kika realiza diversos bombs e tags (assinatura do nome ou apelido do grafiteiro) por toda a cidade, geralmente quando o trabalho é marginal e não há tempo hábil para realizar uma imagem mais elaborada (por ser marginal o trabalho precisa ser rápido a fim de evitar a abordagem policial). Kika e diversos grafiteiros fazem escritas nas paredes com suas respectivas bombs ou tags (Figura 3), por serem de execução rápida.


Além da produção marginal Kika produz murais encomendados pelo estado e pela iniciativa privada e também trabalha em espaços com prévia autorização (figura 4), um exemplo de encomenda foi o mural decorativo de uma loja de comercialização de tintas em Vitória/ES, na ocasião diversos grafiteiros foram contratados para desenvolver um mural de cores intensas afim de promover o material comercializado pela loja.


O espaço onde se insere o trabalho de Carvalho exerce influencias sobre a artista, segundo ela não é sempre possível você grafitar uma tag ou um bomb e nem mesmo as imagens as quais você está acostumada, é preciso ter um pouco de sensibilidade. Um exemplo disso foi em uma vila de pescadores na região da grande Vitória onde a artista havia se programado para grafitar uma imagem profana, na ocasião ela foi sensibilizada pela religiosidade da comunidade e resolveu grafitar uma imagem semelhante as imagens sagradas da religião católica.


Em espaços de passagem como ruas e avenidas movimentadas da cidade de Vitória, é comum avistar algum trabalho da artista, segundo ela os espaços de maior movimentação de pessoas e veículos promove uma maior visibilidade aos trabalhos cumprindo assim com um dos objetivos da grafiteira que é fazer o seu trabalho ser visto.


Diferentemente da maioria dos grafiteiros atuantes na cidade de Vitória, Kika conserva um maior cuidado com seus documentos de processo (Figura 5 e Figura 6), com os rascunhos e desenhos que podem vir a ser referencias para futuros grafites ou para futuras telas, Carvalho conserva-os em cadernos e pastas onde são consultados quando é pertinente. Observando esses documentos é notória a diferenciação do traço da artista com o passar dos anos apesar da figura do busto feminino ter se mantido. Esse cuidado com os documentos de processo só foi observado, entre os grafiteiros universitários ou já formados, é possível que a vivencia universitária tenha contribuído para essa conservação dos documentos de processo.


No ano de 2013, Carvalho teve sua primeira exposição individual que aconteceu no MUCAME-Museu Capixaba do Negro localizado no bairro centro, na ocasião Kika expos diversas telas com a estética do grafite onde questionava o papel da mulher na sociedade contemporânea. Paralelamente ao trabalho institucional e ao grafite marginal a artista desenvolve intervenções urbanas com stick (adesivos) em formato de caixão onde protesta sobre a violência contra a mulher, chamando a atenção para esse crime comum no estado do Espírito Santo considerado pelo Instituto Sangari o estado brasileiro onde mais mulheres são mortas vítimas de violência doméstica.


Atualmente Kika Carvalho foi convidada a desenvolver trabalhos no Chile, Peru e em São Paulo, o convite partiu de grafiteiros estrangeiros que se interessaram pelo trabalho da artista, esse intercambio entre grafiteiros ocorre de forma independente, não há interferência do estado ou da iniciativa privada, diferente de alguns movimentos artísticos que sem mantém dependente de financiamento, o grafite se mantém de forma marginal, com recursos próprios de cada representante.


No estado do Espírito Santo principalmente na cidade de Vitória, Kika Carvalho é uma das poucas mulheres que realizam grafite e desenvolve um trabalho consistente que gradualmente está ganhando respeito de grafiteiros e crews nacionais e internacionais.


Conclusão.


A partir do breve estudo realizado podemos concluir que o grafite no Brasil já é uma atividade disseminada entre a população, o estado e os meios de comunicação, gradualmente os grafiteiros vêm conquistando o respeito e reconhecimento da sociedade brasileira.


No Espírito Santo, o grafite está em ascensão, há um número elevado de coletivos que se dedicam a pintar a cidade e que recebem o reconhecimento de outras crews espalhadas pelo Brasil e outros países, já houve intercâmbios entre grupos do estado com coletivos de países como Venezuela, Peru, Chile e Itália, é uma atividade em forte desenvolvimento que vem conquistando o respeito admiração da sociedade, o próprio poder publico estatal promove cursos e oficinas sobre a técnica do grafite.


Entre os representantes do grafite na cidade de Vitória, Kika é uma das artistas de maior popularidade e reconhecimento, ela é a única grafiteira local em atividade constante. Seu grande número de imagens, tags e bombs grafitados pela cidade são os responsáveis pela sua popularidade e seu reconhecimento como uma das principais representantes do grafite no estado.


Com a intensa produção de grafites da cidade de Vitória e em cidades vizinhas, é possível que o Espírito Santo torne-se um futuro polo do grafite brasileiro.


Introdução.


Na história da arte a determinação de períodos acontece a partir da decadência de um estilo anterior, para que então um novo possa surgir. Neste texto não falaremos sobre sucessão de estilos e formas, mas sobre a natureza, que nos faz pensar neste ciclo -de decadência e de renascimento, de morte e de vida. Algumas vezes, porém, o olhar para natureza não se acomoda neste contemplar de um ciclo natural, mas é atormentado por visões trágicas, por uma paisagem que reflete suas chamas em nosso olhar. Portanto, apesar de tratarmos aqui de questões próprias da arte, estas, ao serem analisadas dentro do contexto da produção artística de Frans Krajcberg passam a percorrer outros espaços que alargam fronteiras e ultrapassam delimitações.


A consciência ecológica na arte de Frans Krajcberg.


Em Frans Krajcberg a arte é uma necessidade e sua urgência é essencial. O artista é animado por uma força que pulsa em seu interior. O movimento expressivo do artista, que dá visibilidade à forma, traduz-se por uma maneira ativa, dotada de energia. "Refletir sobre a obra de Krajcberg é pensar o próprio estado da arte: sua forma de atuação, sensibilização, experimentação e manifestação" . O pensamento é colocado sobre um exercício estético, "sobre o lugar do homem no mundo e sua relação com o espaço e a natureza" . O trágico marca a história, ciclos de decadência e de renascimento se sucedem em todos os tempos. Krajcberg vivenciou a guerra, presenciou o cenário de destruição nas paisagens de cinzas, retratadas na expressão do caos. O conflito move o artista, através de seu olhar para a natureza, como uma energia que pulsa na matéria humana. Nascido na Polônia e de origem judaica, foi convocado e lutou na Segunda Guerra Mundial, quando perdeu toda sua família no holocausto. Sua inclinação artística vinha desde sua infância, apesar de não ter condições financeiras para desenvolver suas habilidades, após a Guerra fez alguns estudos na Escola de Belas Artes de Stuttgart e, após, na França, entra em contato com Léger e Chagall, transfere-se para o Ao chegar ao Brasil encontra uma paisagem exuberante que o encanta. Não deseja mais viver em sociedade e procura isolar-se em meio à natureza. Esta sua inserção na paisagem irá nutrir sua arte. Porém sua luta parece não ter acabado, o cenário de guerra retorna nas chamas que se refletem em seu olhar. Para Krajcberg, as queimadas das florestas, como prática frequente no solo brasileiro se assemelham às paisagens que vivenciou durante a guerra e, então, comenta que com exceção dos corpos espalhados pelo solo, o resto é igual como na guerra. Krajcberg recolhe, em meio às cinzas, entre os vestígios que restaram de uma terra arrasada, o material para sua arte. Desloca-se, do norte do Paraná a Minas Gerais, do sul da Bahia ao Mato Grosso e à Amazônia. A paisagem violentada pela inconcebível ação humana, através da consciência individual do artista, torna-se não apenas tema, mas a própria matéria para a criação que, através de experimentações, ativam seu fazer artístico. O que restou da terra após a exploração de minérios, ou da mata após a queimada, torna-se objeto sensível, que adquire o poder de incitar reflexões e questionamentos sobre temas emergenciais e essencialmente globais.


Frans Krajcberg nos intima -através da poesia de suas fotos, esculturas e pinturas -a uma busca por um amadurecimento sobre uma percepção do mundo. Através de uma consciência individual projeta-se, a partir da imaginação, uma abrangência sem precedentes, a serviço da sensibilidade, onde "a própria arte se coloca em posição crítica. Ela se questiona sobre sua imanência, sua necessidade, sua função" .


Tendo a natureza e suas intermináveis fontes como matéria para suas obras, o artista utiliza-a como fonte de criação artística e "instrumento de reeducação do sensível do homem" . A obra de Krajcberg, em sua integridade e coerência, nos desloca para um tempo que é suspenso dessa aceleração interminável que vivemos. Sutil e potente ao mesmo tempo, sua obra nos oferece a chance de redesenhar, ainda que de forma provisória, um mundo dependente de maior compreensão sobre sua finitude. Sua obra reverbera em outras áreas de conhecimento, como economia, antropologia, geografia, mostrando o quanto o coeficiente de arte pode ser fronteiriço ao nosso cotidiano assim como o grau de contemporaneidade que Krajcberg carrega em seu discurso poético. .


Nas mãos do artista, o fim não é jamais total. A sua história é determinante para o rumo dado à sua arte, a luta pela vida. Após as queimadas (Figura 1) não ficam senão restos, resíduos que Krajcberg tenta fazer retornar à vida, quando, ao dispor suas esculturas em frente ao mar (Figura 2), devolve-as à natureza. Há uma interrupção da vida, que a partir dos restos, das escórias, das cinzas faz surgir um novo, através do olhar atento do artista. Tudo que parecia abandonado, perdido, morto, passa por uma transição, uma transição do desespero em torno de um talvez, de uma possibilidade de vida, a partir da obra. Para o artista, não é a receptividade das formas ou das cores que cria que importa, mas sim, a sua missão de denunciar "a degradação, a violência e o absurdo que a natureza vem sofrendo nas últimas décadas, seja por meio de desastres naturais ou pela ação do homem" .


As paisagens em brasas de onde são resgatados troncos de árvores e cipós -transformados então em esculturas por Krajcberg -parecem nos comunicar que mesmo sofrendo as ações desmedidas do abuso, exploração e devastação da terra pela ação criminosa do homem, o aparecimento de novas plantas que dificultosamente começam a surgir depois de algum tempo (Figura 3), reafirma que "a sobrevivência da humanidade depende diretamente da sobrevivência do planeta" e que a natureza "é também uma fonte de inspiração espiritual, que nos permite antever um tempo infinito e dar mais sentido à vida" .


Krajcberg evidencia sua experiência na arte como uma reflexão constante. De acordo com Scovino, "longe de uma ingênua estetização da vida, eram suas vivências que funcionavam como elemento fundamental da sua reflexão criativa" .


A natureza, portanto, torna-se elemento chave, ativadora e aceleradora de nossas "faculdades de sentir, pensar e agir". Thiago de Mello nos pede para que ouçamos "as vozes secretas dessas esculturas" que clamam por serem escutadas após seu resgate das brasas . Brasas que transformaram a natureza original em material poético, , a ser então experimentado por olhares mais perceptivos quanto à questão do nosso "estar no mundo".


A paisagem, tanto na natureza como na arte, revela-se através de constantes transformações -do verde selvagem original aos cinzas e marrons após as ações das chamas -, suas cores infinitas permanecem, ultrapassam o nosso tempo humano, perpassam gerações e mostram sua permanência. Estão sempre a comunicar, entre o passado e o futuro, a emergência das ações do presente.


Suas raízes distorcidas deslocadas como material poético são um manifesto da potencialidade da arte. Formas tangíveis de atingir um apuro sensível e político. Krajcberg não parece estar particularmente envolvido em fundar novas instâncias para a pintura ou a escultura, mas transpor os limites entre sujeito e obra, em discorrer poeticamente, e como um alerta ruidoso, sobre a função, a relação e o lugar do homem com o espaço; a Terra como habitat e potencial infinito de riquezas minerais, animais, Madeira e pigmentos naturais. Fonte: . Figura 5 • Frans Krajcberg, s/título, sem data. Madeira e pigmentos naturais. Fonte: . vegetais e, quiçá, artísticas. Sua série de obras com raízes e troncos calcinados transmite à arte um estado de vigilância e atenção: não estamos diante da metodologia de um cientista ou um botânico, mas de um artista, que mergulhado em seus princípios morais de cidadão, explora a tessitura daquela organicidade e nos desloca para um território repleto de silêncios e absurdos .


Conclusão.


A obra de Krajcberg nos faz pensar como a arte pode atuar de forma incisiva sobre a reflexão. A estética como teorização do sensível, pode desempenhar um importante papel quanto ao entendimento do homem em relação ao espaço e ao uso que faz dele. A natureza incendiada revela as atrocidades que permanecem na história humana de todos os tempos. O relevo fraturado que se impõe em nossas vidas, tanto através de questões políticas como culturais, mostram o caos da caminhada desumana de destruição da natureza.


"Krajcberg funda um manifesto de esperança e sensibilidade [. ] com o alargamento de visões e compromissos estéticos e éticos com o espaço que o homem ocupa." .


As obras de Krajcberg são como depósitos de sua existência. O artista busca incessantemente, por detrás das chamas, o resgate da natureza. O grito do artista, que parece soar de forma muda, emite seu som através de suas fotografias e esculturas. O indivíduo como um ser único, formado por fragmentos que vão se sedimentando no decorrer da vida, uma dinâmica que promove a orientação espacial entre o mundo e o ser. Olhamos o conjunto de sua obra e sentimos como cada uma delas é o depósito de um sentimento, de uma memória, de um lugar, de um tempo, um espaço, fragmentos que foram se sedimentando e construindo todo um pensamento, uma denúncia, um sentimento ecológico. A artista Lúcia Misael, em sua trajetória nas artes, sempre esteve à frente de ações em associações coletivas para a promoção de trabalhos visuais que expressam a identidade de seus autores. Pretende-se investigar o trabalho realizado por Misael para a exposição Invisibile, em que homenageia as mulheres que influenciaram sua identificação com o artesanal. Nesta investigação, procura-se cruzar a análise de Guy Amado sobre a aproximação entre a arte popular e a erudita e o pensamento filosófico de Zygmunt Bauman na questão de identidade.


Divulgando Talentos.


O olhar investigativo de Misael é guiado aos detalhes, deles extrai a potencialidade criativa existente nos ambientes em que circula. A artista valoriza todo tipo de trabalho visual, principalmente os que envolvem a manufatura artesanal. Na certeza de que o artista visual escolhe essa linguagem para abrir um diálogo com o outro, busca conhecer a história por trás de cada criação, numa observação atenta ao contexto coletivo e à individualidade que cada autor pode imprimir em seu ofício. A trajetória desta artista é permeada pela promoção do trabalho alheio, pois, segundo ela, é importante "sinalizar quanta gente maravilhosa fazendo coisas incríveis" . Tal característica pode ser comprovada em suas iniciativas junto a associações e coletivos, em ações que geraram um movimento de divulgação e aprimoramento do trabalho dos envolvidos.


Entre os mais importantes que relacionam o trabalho artesanal e a arte contemporânea estão o programa O Olho da Terra, um mapeamento de artistas e artesãos moradores dos municípios lindeiros do lago de Itaipu, com o apoio do ECOMUSEU de Itaipu Binacional; e as ações promovidas pelo grupo IMAGI-NE, do qual foi uma das fundadoras, com o compromisso de sensibilizar e inserir a comunidade do entorno de seu atelier em Colombo, Paraná, num contexto artístico desenvolvido ao longo de vários anos por meio de discussões envolvendo a arte contemporânea, a preocupação com o meio ambiente e o desenvolvimento da criatividade. O contato de Misael com artesãos impulsionou a observação da artista sobre a influência da identidade de seus autores ou de seu contexto expressada nos trabalhos por eles realizados.


Identidade.


A identidade é uma questão de suma importância na vida social; o pertencimento por proximidade geográfica de nascimento ou por concordância de ideias é o que identifica o indivíduo como cidadão. De acordo com o recurso à identidade deveria ser considerado um processo contínuo de redefinir-se e de inventar e reinventar a sua própria história " .


O sociólogo polonês de nascimento, após ser impedido de lecionar em seu país, escolheu a Inglaterra para viver. Segundo ele, a migração produzida por nosso mundo, em rápido processo de globalização, realoca pessoas. Por estarem fora de seu "habitat natural", não há espaço onde possam considerar-se ajustadas completamente, são acompanhadas de uma sensação de deslocamento . Ele analisa como a identidade pode ser pensada na sociedade pós-moderna, no capitalismo tardio:


Em nossa época líquido-moderna, o mundo em nossa volta está repartido em fragmentos mal coordenados, enquanto as nossas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados. Poucos de nós, se é que alguém, são capazes de evitar a passagem por mais de uma "comunidade de idéias e princípios .


Por compartilhar dessa ansiedade que dissolve a percepção do eu, Misael costuma pôr em pauta a identidade como orientadora, em atelier de cerâmica e em projetos de desenvolvimento de produtos artesanais em circuitos turísticos no Brasil. Para a exposição Invisibile, buscou em sua própria história a ligação de seu passado com sua produção artística: a sua identidade pessoal. Para fins deste artigo, apenas os trabalhos de Misael serão analisados. Sua investigação para essa exposição foi a busca por conhecer-se e perceber, em sua história, de onde vem seu interesse incessante por expressões visuais em processos de feitura manual. Mergulhada em suas questões, descobriu as influências de três artesãs: suas avós e uma tia. Elas a inspiraram e conduziram, por um trajeto sem volta, a uma sensibilidade na contemplação do fazer. O movimento profissional da artista evidencia o olhar atento ao trabalho do próximo, e nas obras Helena, A-Ti e Renda Que Não Dá Renda, homenageia essas mulheres importantes em sua vida. As três obras da exposição contemplam os dilemas . Fonte: Acervo da artista. Figura 2 • Lúcia Misael em frente a seu trabalho apresentado na exposição conjunta Invisibile no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil . Fonte: Acervo da artista. Figura 3 • Maria Cheung entre seus trabalhos apresentados na exposição conjunta Invisibile no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil . Fonte: Acervo da artista. enfrentados nos grupos dos quais Misael participou, as questões de gênero referentes ao mercado de trabalho, às atribuições domésticas e a ligação afetiva existente em grupos de artesanias.


Invisibile.


A obra Helena homenageia a amiga e tia de seu marido de mesmo nome que havia falecido naquele ano. Foi ela quem apontou a identificação com suas raízes, apresentou-lhe a estética da cultura árabe, seus encantos, seus sabores. Trouxe o sentido de pertencimento e uma identidade que Misael acolheu para sua família. A homenagem é uma instalação elaborada numa "mesa" de vidro usada como suporte para vários pães árabes cortados em formato de renda (Figura 4). Nesta obra tem-se uma característica encontrada em alguns trabalhos de Misael que é a fragilidade dos materiais, o recorte rendado nos pães finos precisou de muita habilidade e delicadeza. Depois de prontos, necessitaram de um manuseio especial para não quebrarem ao ser transportados. E sua efemeridade, pois só existiram durante a exposição, já que não puderam ser guardados por serem perecíveis. Segundo a artista, "tudo tem um tempo para estar no mundo" . Sutilmente é expressada a ambiguidade existente nessa homenagem: utiliza a simbologia do pão que representa a vida, e assim Helena continua viva por intermédio de Lúcia.


Renda Não Dá Renda foi homenagem à fala de seu avô paterno quando se referia ao trabalho da avó Eunice, ambos nordestinos. Essa obra demandou uma pesquisa junto a um grupo de rendeiras em Florianópolis que utilizam a mesma técnica da região de seus avós, a renda de bilros. Difundida em muitos países da Europa, foi trazida para o Brasil pelos portugueses. É muito disseminada na Região Nordeste e em Santa Catarina, para onde foi trazida pelos açorianos no século XVIII. O que chama a atenção de Misael nos grupos de rendeiras é que os encontros proporcionam a difusão da técnica e com isso o sentimento de pertencimento que culmina no ganho de uma identidade. Elas compartilham não só o trabalho, mas também a resolução de problemas do dia a dia, o aspecto afetivo da vivência. Para essa instalação, Misael utilizou a representação aumentada dos instrumentos chamados bilros que originalmente são de madeira ou ossos, encomendados (quinhentas unidades) numa fabrica de vidros (Figura 5). Na montagem organizou vários feixes dos objetos amarrados com fios de cobre, distribuídos em duas paredes em L, sobre uma faixa de areia no chão.


A-Ti é homenagem a sua avó materna, natural do litoral paulista, a mais afetiva das três homenageadas, que a presenteou com uma toalha de crochê confeccionada por ela. A toalha foi acoplada a uma luminária cilíndrica feita sob medida que a projetava sobre um tapete de areia das dunas da Lagoa da Conceição. O poema Desejos Vãos de autoria de Florbela Espanca e declamado . Fonte: Acervo da artista. Figura 5 • Instalação Renda não dá renda, de Lúcia Misael, na exposição Invisibile no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil . Fonte: Acervo da artista.


Figura 6 • Instalação A-Ti, de Lúcia Misael, na exposição Invisibile no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil . Fonte: Acervo da artista. Figura 7 • Sala ocupada pela artista Lúcia Misael na exposição Invisibile no Museu de Arte de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil . Fonte: Acervo da artista.


por Letícia Marquez complementou a obra (Figura 6). Nesta obra, o respeito e a admiração pelo trabalho alheio são demonstrados: a toalha é elevada junto a luminária e a sua projeção é acomodada por um tapete de areia por onde os visitantes passam e são banhados pela luz rendada. Segundo Misael, a obra representa a transcendência que ocorre no fazer; ela cita Leonardo Boff "Precisamos transcender para romper os limites da realidade" (Boff apud Misael, 2013) e diz que "o visitante é convidado a vivenciar essa experiência estética quando ouve o poema e mergulha na sombra da renda, para perceber que tudo vai além do que está aparente" .


A atmosfera dramática produzida pela iluminação na sala escura deixa transparecer a experiência curatorial da artista . A obra apresenta a presença do mar no cotidiano das artesãs praieiras, sentida no poema e reforçada pela areia das dunas.


Arte × Artesanato.


A artista insiste em afirmar que a linha que separa a arte popular da erudita é muito tênue e por vezes inexistente. Esta inserção da cultura popular no circuito de arte é um assunto controverso. Guy Amado percebeu que incorporar um vocabulário visual advindo da arte popular é uma constante nas artes. Ele alerta que o desafio nessa dinâmica é "articular elementos arquetípicos de uma expressão cultural local ou regional a serviço de uma poética autônoma em relação ao cânone 'popular'" .


Para Amado, a aproximação da arte com a cultura popular pode ser classificada em três distintos grupos: trabalhos híbridos, intermediários e de movimentação de sinal invertido . O trabalho de Misael, de acordo com essa classificação, se enquadra no primeiro grupo, em que o artista "contaminado pela marca da tradição e aspectos da cultura local, mas visando extrapolar sua condição de 'mera artesania', com aspirações 'contemporâneas'." . Nos trabalhos da exposição supracitada, ora a artista exagera a forma e altera materiais do ferramental artesanal, ora usa metáforas ao colocar o pão como toalha, ora se apropria do trabalho de sua avó combinado com outros elementos. Em todos os momentos gera ressignificações.


Conclusão.


Como perceber-se em meio a tantos fragmentos? Seríamos capazes de assumir uma única identidade? Misael como artista e como pessoa presente neste momento de dissoluções -ao menos virtuais -de barreiras geográficas, de estímulos por um consumo indiscriminado de informações rápidas, momento em que há ausência do hábito de refletir, é uma provocadora. Sua postura de incitar o encontro de identidades por meio do estímulo da criatividade a coloca como tal.


Seguindo o raciocínio de Amado, o grau de autonomia que Misael, em seu papel de artista, atinge em relação ao código-matriz da cultura popular vai além da simples apropriação. Ela utiliza o trabalho das influentes artesãs para discutir questões imbuídas nas relações de gênero e de ofício numa sociedade capitalista.


Os argumentos percebidos em suas obras vão desde a expressão do trabalho manual num confronto ao sistema capitalista vigente, passando pelas questões de gênero e de identidade e tocam sutilmente em temas como a fragilidade e efemeridade da vida. A poética de Misael e seu processo criativo são reflexos de sua atuação como admiradora e incentivadora das artes e podem ser resumidos por sua própria definição de arte: "Arte é o entendimento da vida." O registro de realidades alteradas e a performance em Regina José Galindo A contundente trajetória de criações da artista Regina José Galindo destaca-se pelo confronto com as metástases da cena latino-americana em suas idiossincráticas condições políticas, diante do caos da existência cotidiana. Regina José Galindo, artista nascida na Guatemala, ao optar por trabalhar e viver em seu país, permanece conectada consigo mesma, insistindo em manter-se atuante em sua errância caribenha, que de forma consciente, é marca de um projeto de vida e obra. Comprometida com a lúcida necessidade de continuar resistindo, a artista projeta em sua trajetória de performances diversas séries de fricções de identidades e de rastros culturais em permanente relação O registro de realidades alteradas e a lúcida convicção da performance em toda a trajetória de Regina José Galindo definem muitas estratégias criadas pela artista como condição inaugural de uma marcha crítica, que nunca se limita ao seu último projeto. Desta trajetória de luta materializada em projetos contundentes, se percebe o itinerário de inúmeros trabalhos realizados pela artista em diferentes países, em distintas cidades, com um eixo de ações potencializado pela crítica ao entorno contemporâneo.


Seja em meio ao contexto de sua própria realidade circundante, a cidade da Guatemala, seja em projetos que se concretizam em Mallorca, em São Paulo ou em Berlim, a tônica de sua poética visual sempre pretende expor as cicatrizes da violência de gênero.


Neste texto Regina José Galindo manifesta sua ácida presença por meio de um episódio específico: o conceito de um projeto proposto pela artista para a mostra Corpos estranhos, em performance realizada no Museu de Arte Contemporânea, em São Paulo, junto ao ciclo Mulheres artistas e a contemporaneidade.


O ciclo de mostras Mulheres artistas e a contemporaneidade realizado no MAC/USP.


Por três anos consecutivos o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo MAC/USP apresentou ao público, em 2007, 2008 e 2009, mostras coletivas de um ciclo de exposições nomeado Mulheres artistas e a contemporaneidade como parte de um projeto que abordava ações culturais associadas ao debate sobre gênero realizadas em espaços institucionalizados.


Tais eventos -exposições, seminários e fóruns -a cada ano reuniram na cidade de São Paulo grupos de especialistas, que no centro do debate teórico, discutiram muitas das negociadas alianças existentes entre gênero e cidadania na contemporaneidade.


com opressões e afrontas persistentes. Para propor uma aproximação crítica com a itinerância de suas criações situamos a performance Juegos de Poder, O intenso debate gerado pelo ciclo discutiu as diversas estratégias de ação afirmativa que nas últimas décadas, com a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, estabeleceu rumos para a complexa trama sócio--cultural que reúne o discurso sobre o feminino e suas multifacetadas leituras em distintas sociedades.


O ciclo de mostras, em sua estrutura original previa uma exposição anual inserida no calendário de eventos do Museu de Arte Contemporânea MAC USP que reuniria uma significativa parcela da produção de mulheres artistas comprometidas com a redefinição de conceitos como cidadania, violência e pós--identidades no feminino atual.


A mostra Corpos estranhos e os rumos da ação de Regina José Galindo.


O ciclo de exposições realizado no Museu de Arte Contemporânea propunha para a última edição de sua jornada de investigação curatorial um evento plural e densamente comprometido com as inquietudes de criadoras contundentes. Tencionava--se organizar -em uma iniciativa crítica no circuito de arte contemporânea -um diálogo entre um conjunto de manifestações diretamente relacionadas com o paradoxo inerente ao corpo como espaço e suporte do abjeto em distintas poéticas visuais.


O projeto da mostra pensava compor em um conjunto de manifestações de mulheres artistas o espaço do abjeto -como na concepção de Julia Kristevaoferecido como um estado de crise, como ambiguidade. A via psicanalítica esteve presente na raiz do conceito e desde sua zona de emergência contaminou a proposta curatorial. Conforme o pensamento da psicanalista era perseguido este abjeto "aparentado con la perversión. [. ] Lo abyecto [. ] perverso ya que no abandona ni asume uma interdicción, una regla o una ley, sino que la desvía, la descamina, la corrompe" como eixo de subversão ou ainda como manifestação, lugar ou interstício para rebelião que invade o pensar crítico de mulheres artistas revestido pela estranheza que se manifesta no cotidiano.


Em edições anteriores do ciclo as artistas Karin Lambrecht, Beth Moysés, Rosana Paulino, Elida Tessler, Lacy Duarte, Bruna Truffa, Paola Parcerisa y Ana Miguel compartilharam o projeto inicialmente mencionado como eixo central da curadoria.


Para a edição citada a mostra contava com a participação de Pilar Albarracín, artista e performer ativa com ampla gama de trabalhos relacionados à análise de narrativas dominantes, de Laura Lima, artista que utiliza performances para situar reiteradas vezes a não completude do corpo e do ato físico instaurado pela ação performática e de Regina José Galindo, jovem artista premiada na 51 a . Bienal Internacional de Arte de Veneza com emblemática obra em mídia eletrônica intitulada Himenoplastia, 2005.


Desta forma, o corpo exposto como espaço de transformação e de criação contemporânea percebido como arena para o debate reivindicava desde o conceito inaugural da mostra o protagonismo de um confronto direto com a alteridade em poéticas visuais perturbadoras e intensamente associadas ao abjeto cotidiano.


Regina José Galindo e suas ações performáticas.


Regina José Galindo, nascida em 1974, vive e trabalha na Guatemala. Resistente ao entorno silenciado pela via homogênea do caos contemporâneo que contamina o cotidiano, a artista manifesta-se -essencialmente como um corpo político -lúcida e criticamente lançando-se entre zonas de penumbra na sociedade contemporânea. Desde a performance sonora , desde o enfrentamento público ou ainda desde a exaurida marca do último limite físico Regina José Galindo confronta a violência do cotidiano e estabelece estratégias concretas de uma convivência marginal.


Para a mostra Corpos estranhos a curadoria proposta por Claúdia Fazzolari descortinava uma seleção de obras da artista que fosse representativa de sua intensa participação na cena contemporânea e também como apresentação da sua poética visual, de forma mais completa, pela primeira vez trazida ao país.


No conjunto proposto para a exposição constava a instalação sonora Golpes, de 2005 e os vídeos Limpieza social, de 2006, Perra, de 2005 e Camisa de fuerza, de 2006 além de um projeto concebido originalmente pela artista para o conceito da mostra, a performance Juegos de Poder, realizada nas dependências do museu.


A obra Golpes registrava os sons emitidos desde um cubículo ocupado pela artista quando para cada açoite -auto-golpeado-revivia a dor de cada uma das mulheres assassinadas na Guatemala de 1º de janeiro a 9 de junho de 2005. Limpieza social, 2006 consolidava uma ação extremada pela exposição do corpo nu da artista submetido à dor do ferimento de um jato de pressão de água frequentemente empregado como método de higienização e controle de ânimos em penitenciárias e manifestações públicas.


A obra Perra, de 2005 recompunha o espaço do drama de mulheres assassinadas, marcadas e mutiladas, abandonadas na cidade da Guatemala, como animais (Figura 1). Nesta ação Regina José Galindo revivendo a dor, internalizava o drama de cada um destas mulheres submetendo-se à cicatriz que desde então incorpora ao seu seu próprio corpo.


Finalmente a obra Camiza de fuerza, de 2006, registrava em vídeo o cotidiano da artista quando submetida ao controle físico e psicológico em uma clínica psiquiátrica em Saint Alexius; permaneceu três dias submetida pela impotência de um corpo aprisionado, em um exercício de dolorosa reflexão sobre a morte.


A performance Juegos de Poder.


A performance Juegos de Poder, concebida por Regina José Galindo, partindo de um fluxo de consciência crítica sobre o estado de submissão cotidiana buscava revelar a crueldade que cerca o dia-a-dia de milhares de mulheres na sociedade contemporânea. Inicialmente, a performance estabecida por um conceito desenvolvido pela artista e proposto em texto, para estruturação da ação, solicitava a interlocução direta com um hipnotizador que deveria submeter a artista a uma série de comandos humilhantes.


O hipnotizador uruguaio Fábio Puentes participou ação e, de acordo com o universo de comandos previamente apresentados elaborou uma série de situações, de comum acordo com a artista, para a realização da performance Juegos de Poder.


Nas dependências do Museu de Arte Contemporànea, no Parque Ibirapuera, em 25 de maio horas, hipnotizada, Regina José Galindo, seria conduzida pelo hipnotizador por uma nebulosa zona de tortura física e psicológica. Ofendida, agredida fisicamente, maltratada, humilhada diante dos presentes, Regina José Galindo não conseguiria reagir, somente esboçando mínima reação, rangendo os dentes, silenciosa.


Dos comandos de sujeição, da rançosa relação de dominação, da marca opressora da ação do hipnotizador sobre aquele corpo abandonado surgiria o registro em vídeo da performance que se transformaria, após edição pela artista, na obra Juegos de Poder, exibida na mostra Corpos estranhos, no Museu de Arte Contemporânea, MAC USP.


Misto de dor, humilhação e desamparo, o conjunto da performance nomeava o abjeto e ao transportá-lo para o recinto da museu o elevava à categoria de presença concreta no cotidiano de muitas de mulheres encarnadas em uma, milhares de vozes silenciadas pela opressão, recriadas e assumidas pela voz crítica de Regina José Galindo. Resumo: O objetivo do presente artigo é apresentar reflexões sobre a obra da artista brasileira Priscilla de Paula. A partir da fruição dessa obra e de uma série de entrevistas chegamos a uma primeira análise que demonstra que a biografia da artista se liga sim ao seu projeto artístico, porém este se eleva potencialmente para além disso. A presente comunicação tem como objetivo discutir e apresentar reflexões acerca do trabalho de Priscilla de Paula. Priscilla, artista brasileira, 39 anos, residente na cidade de Juiz de Fora (MG, Brasil), realiza trabalhos em diversos meios desde a década de 90, sendo a performance o campo mais recente de ação e o foco desta pesquisa, pois neste campo que a artista realiza sua poética de maneira mais consistente e distendida.


A prática artística de Priscilla começa na Universidade Federal de Juiz de Fora com estudos direcionados para a pintura em sua formação de Educação Artística. O seu desenvolvimento se dá ao longo de sua estada em Valencia (Espanha) abrangendo um breve hiato enquanto conclui seu doutorado e retorna, intensamente, a partir do ano de 2007.


Apesar da produção tardia, as questões que a artista projeta dentro de seu trabalho encontram raízes na sua formação pessoal, se ligando explicitamente ao processo de criação ao qual estava submetida enquanto educada pelos pais (um psicanalista e outro psicólogo), que sempre influenciaram sua produção, direcionando-a para uma busca de questões transcendentais relativas a psicanálise.


O recorte que analisamos na obra da artista abrange um total de 4 (quatro) performances realizadas entre 1997 e ; Blossom Girl (2012); e Com olhos bem abertos (2013). Além das performances, incluímos nesta análise crítica a instalação Máquina do Tempo por considerar este trabalho uma produção adjacente à performática, responsável por incluir e desenvolver questões que são tratadas mais tarde através das artes do corpo.


A princípio, o trabalho de Priscilla de Paula se solidifica a partir de duas questões centrais: afeto e feminino. Ao longo de suas performances, os dois motes que identificamos são explorados em uma tensão que faz com que a artista coloque sempre suas experiências pessoais na realização de sua poética. Afeto, aqui, parece ser entendido como as relações que Priscilla trava com pessoas diversas: avós, pais, filha, marido, namorados, amigos; e o feminino, um ente idealizado que se constitui como elemento de embate com essas pessoas, mas que simultaneamente se realiza nelas e através delas.


Caminhando pelas percepções da própria artista sobre sua obra e daqueles que acompanharam seu desenvolvimento, o que pretendemos foi atravessar as paredes da biografia de Priscilla de Paula e suas afirmações de uma arte autobiográfica para nos encontrarmos diretamente com seu corpo poético: destrinchar sua produção artística e as reverberações de cada trabalho dentro do outro. Perguntar que afetos são esses e como eles se dão no trabalho realizado, onde se encontram e qual é e como é a relação entre essas pessoas ou de onde vem esse feminino e o que ele é (ativista, materno, identitário) é o que fizemos.


Além disso, descobrir outros elementos que a artista inclui em seu trabalho performático ao se utilizar de diferentes linguagens fez parte também deste projeto, e é por isso que a instalação Máquina do tempo foi incorporada à análise: para encontrar as raízes da ideia de temporalidade presente na produção de Priscilla.


Antes de nos limitarmos ao panorama que investigamos, as questões que levantamos aqui, acima de tudo, se referem a como se aproximar de uma obra no ambiente contemporâneo: quais os caminhos traçar e, principalmente, como entender a relação poética-biografia, uma vez que o sujeito artista nunca esteve tão presente e dilacerantemente explícito em sua obra.


O Trabalho de Priscilla.


Primeiramente, a nossa entrada na arte de Priscilla aconteceu no momento em que somos fruidores de suas obras. Em um segundo momento partimos para uma investigação da poética da artista através de entrevistas com a própria e com pessoas envolvidas de alguma maneira no processo criativo e, também, reflexões sobre os depoimentos e de que forma eles constroem um significado que vai além do alcançado pela fruição. A partir desse método, pudemos marcar, como já dito, os dois motes principais que conduziram essa investigação bem como as obras que foram o objeto de análise. A primeira obra que analisamos, "1997-2009" (Figura 1) é uma ação não--intitulada de cunho performático que a artista realiza junto com Alessandro Corrêa (amigo que realizou sua formação artística junto de Priscilla). O trabalho consiste na ação de Alessandro de amarrar Priscilla com uma linha branca ao espaço que a circunda: "da orelha a uma cadeira, da ponta do dedão a um prego na parede" nas palavras de Priscilla, até que Alessandro perca completamente a mobilidade e se prenda no espaço. Com a ação é formada uma teia de relações, com o espaço e com o outro.


Além dos afetos e da forte presença do feminino, quando pensamos no que mais conecta a maior parte dos trabalhos de Priscilla temos a linha e a cor vermelha. Na segunda performance trabalhada, "Medusa" (realizada na Galeria de Arte Hiato), há um processo que, entendemos aqui, é análago: Priscilla, vestida de vermelho e agora performando só, amarra um vestido de noiva branco ao espaço da Galeria, ponto a ponto, até que, em um movimento, retira de dentro do vestido uma massa vermelha de tecido que se estende pelo chão e que é, também, amarrada a uma extremidade da galeria (Figura 2). É aqui que salta aos olhos um elemento interessante, a cor. No primeiro trabalho assumidamente performático de Priscilla, parecia não haver uma preocupação com a cor ou, se havia, consistia na sua neutralidade: as linhas eram brancas, o corpo era coberto de negro.


Ao entrevistarmos a artista, questionamos a constante presença da cor vermelha nos trabalhos recentes. Priscilla afirma que há uma forte conexão entre a cor escolhida e a imagem que a artista construiu da presença feminina (mãe, avó) desde a infância: a cor vermelha é a presença do afeto materno, da relação com a mãe que é muito forte e de alguma forma muito complexa. A complexidade está justamente nessa presença constante que acaba por interferir nos outros afetos ao longo da existência. Priscilla também se tornou mãe e, entre ser filha, esposa, mulher e mãe, constrói seu repertório. O terceiro trabalho que trazemos nesse conjunto, é "Blossom Girl" (Figura 3) uma reperformance de "Cair em Si" da artista brasileira Márcia X (2002), que se realiza na primeira edição do Festival de Artes do Corpo (FAC) em 2012 e trata de uma performance com três momentos. Em um primeiro momento, Priscilla entra e se posta diante dos expectadores, vestida novamente de vermelho e descalça, ocupa um espaço que está completamente tomado por bolas vermelhas de soprar. Priscilla liga o som e, aos poucos, ganha nova feição. Sopra mais algumas bolas e, passado alguns instantes, remove os brincos e começa a estourar com eles, as bolas que estão presentes, sendo esse o segundo momento da ação. O fim da performance e terceiro momento se dá com o estourar da última bola, a retomada da consciência do público pela performer e sua saída.


Em "Blossom Girl" podemos perceber que a presença da sonoridade serve como um auxílio à artista para entrar em um "estado de performance" e acaba por compor a cena e a própria poética. Esse mesmo auxílio é percebido na performance seguinte.


O último trabalho que trazemos é "Com olhos bem abertos", realizada na segunda edição do FAC, trata-se de uma instalação performática (uma projeção e uma performance) (Figura 4). A projeção apresenta um vídeo com a artista nua com uma parede branca ao fundo e em um corte do umbigo para cima e uma posição estática. O movimento é apenas o vento que passa por seus cabelos e uma agitação natural do corpo relacionada à respiração, ela poderia estar em repouso, mas ainda que parada encara o público. Mais do que nua, aqui Priscilla está despida.


Uma vez que o vídeo e o som iniciam-se, a artista entra em cena vestida de um manto de croche vermelho e segurando uma pequena e delicada tesoura. O manto cobre-lhe da cabeça até o joelho e, assim, como qualquer trabalho de crochê, é composto por um emaranhado de linhas, nós, tranças, redes e tempo -um tempo que é processo de realização, tempo de dedicação: ponto a ponto. A performance é o destecer coletivo da veste que cobre o corpo da performer: Priscilla encara o expectador e lhe oferece a ponta da linha, a veste é aberta ponto por ponto, pelas mãos da artista e do público.


Conclusão: a Discussão Crítica.


Numa leitura simples do conjunto do trabalho, temos a impressão que a "Com olhos bem abertos", Priscilla busca, através de suas conexões afetivas e relações pessoais, se conectar com o mundo. O autobiográfico ali se transforma não em uma biografia sentimental de prazeres e desprazeres que movem uma produção imprudente e cheia só para quem conhece o momento e o contexto, mas sim um complexo conectivo que trata de afeto e tempo. Na primeira performance, o se permitir ser amarrada ao espaço parece uma necessidade de expansão: rompimento de limites físicos, diretos, próprios da matéria que encontra barreiras naturais. Essa expansão é ambiguamente negada e possibilitada pelo homem que a amarra, que ali era seu amigo, que ali era diferente dela: era outro que não Priscilla, era outra ideia de mundo, de possibilidades. Como a própria performer diz, esse trabalho reside nessa inquietude e nesse drama paradoxal que nunca se resolve. Ao mesmo tempo que apêndices do corpo, essas linhas que se expraiam pelo espaço também a imobilizam e imobilizam o outro, de maneira que a ideia de limite e a ideia de espaço se confundem, sem se saber exatamente onde começa o que: onde começa corpo, onde começa o espaço; e quem cria o que: o corpo cria o espaço ou o espaço possibilita o corpo.


Ali, com essa necessidade expansiva, Priscilla semeia a ideia que "Medusa" busca com mais intensidade: uma mistura entre interno e externo, uma comunhão entre partes que culturalmente e sensorialmente entendem-se separadas. É ao executar a imobilização do seu corpo, quer dizer, do vestido de noiva, que ela é capaz de retirar de si e dele a matéria que a compôe: suas entranhas, feitas de seu sangue; sangue que a artista veste desde o princípio da performance. Essas entranhas se dispõem no chão e se conectam também ao espaço, colocando em pauta de novo a conexão interno-externo que é discutível em "1997 Em um retornar a esse ponto, Priscilla apresenta em "Blossom Girl" essas entranhas mais uma vez, só que agora já expostas ao mundo, já presentes antes de sua aparição. São os balões vermelhos que trazem a questão do interno/externo, dessa vez falando sobre estar cheio e estar vazio, sobre o que há dentro e o que há fora de uma breve superfície. E é com isso em mãos, que Priscilla começa ao ocupar o espaço e estourar, um a um, os balões, as suas crenças, as suas experiências passadas, uma a uma estouradas e abertas para todos verem, verem o que há dentro: nada. E é encontrando nada dentro a partir dessas entranhas que foi preciso abrir os olhos para o que viria. É aqui que tratamos de "Máquina do Tempo". Por mais que artista afirme que o projeto "Máquina do Tempo" (2011) seja a gênese de "Com olhos bem abertos", é preciso cuidado ao ler essa nova ação. Em "Máquina do Tempo", trabalho que remonta uma ideia de escultura, Priscilla tece através do crochê, grandes mantos que cobrem, por fim, balões infláveis. Esses objetos cobertos lembram, pela forma constructa, o corpo coberto pelo crochê que é o início da performance de 2013, mas não é só nesse ponto que as duas ações se tocam. É o crochê que une a performance e o projeto escultórico, um crochê que, para Priscilla, trata do tempo, da ação individual e constru-ída e, como é culturalmente aclamado, momento de pensamentos e reflexão.


"Com olhos bem abertos" traz assim a ideia do tempo incorporado: o tempo que é processo, ação desenvolvida por determinado período no corpo. Não por acaso, esse tempo vestido é um manto vermelho que cobre completamente Priscilla de Paula e esconde uma nudez que, longe de ser aparente, é mais profunda, por que fala além do corpo. O trabalho que se desenvolve no descobrir, desvendar o corpo de Priscilla que está embaixo desse manto, é ativado completamente em sua potencialidade no destecer que é do outro. Quem puxa as linhas que compõe o crochê criado pela artista não é apenas ela: são todos os presentes. Remover as linhas e o manto que cobre a performer é ação de desembaraçar executada enquanto Priscilla percorre o espaço e deixa o rastro de sua presença, daquilo que a cobria. É o momento em que olhos são abertos, tempo e afeto se unem, corpos e existências são despidos. Parece, em uma leitura quase que imediata, que a artista se dispõe publicamente das ações anteriores para abrir novos caminhos, construir outros percursos e possibilidades: novos afetos e uma nova experiência da ação do tempo e dessas vivências.


Entre linhas e afetos: Mar Inquieto, rastros de danças em exposição , e mestre em dança pela Universidade Federal da Bahia, além de ter sido minha parceira de dança, em Salvador. Graduou-se em Dança e sua especialização em Estudos Contemporâneos em Dança já traz indícios de sua pesquisa em butoh fortemente ligada a questões em torno do corpo em crise na criação. Regido pelo princípio de devastação tsunâmica, Mar Inquieto delineia-se como uma dança--bomba, a qual tende a escapar à moldura deleuzeana que enquadra o caos em arte. . Imagens fotográficas degradadas pela ação da dança no tempo são ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada, transitória, reunindo rastros de danças e de afetos em exposição (Figura 1).


Este artigo busca traçar linhas de conexão entre o Mar Inquieto e Still, meu próprio trabalho autoral, que investiga o tema natureza-morta e princípios do butoh, procurando revelar a vida que há no corpo morto em decomposição.


Dançando as entrelinhas do butoh MA.


MA é uma palavra que provém do Zen Budismo que significa vazio, o espaço entre as coisas, diz Tadashi Endo, dançarino e coreógrafo japonês, radicado na Alemanha, criador do butoh MA. No entanto, mais que simplesmente ser o adjetivo que qualifica sua dança, MA define o seu próprio estilo de dançar butoh: MA é estar "no entre", momento que se ocorre logo no fim de um movimento e que se estende até antes do começo do próximo. Para Tadashi, há movimentos externos, visíveis, e movimentos internos, invisíveis, de modo que o que se deseja no butoh MA é tornar visível, na concretude do corpo que dança, os movimentos invisíveis, ou seja, os sentimentos da alma . Ao definir MA, Tadashi sugere a configuração de um corpo paradoxal, que transite na fronteira entre luz e trevas, morte e vida, e mantenha o equilíbrio entre controle, tensão e energia:


MA é como estar de pé nas margens de um rio, olhando a água que flui adiante. Você quer alcançar o outro lado, mas o outro lado significa morte. Você quer terminar sua vida neste lado, mas ainda não, você está metade aqui e metade lá. Sua alma está esperando por aquele último passo -completamente calma -sem respirar -completamente quieta -nem morta e nem viva (Endo apud Colla, 2010: 142).


Na prática de Tadashi, a metáfora é uma ferramenta de comunicação bastante utilizada na busca de configurar os sentimentos no corpo do artista, assim como imagens, associações, contação de histórias e narrativas de vida, que ilustram ensinamentos e guardam a potência de tornar viva uma experiência vivida. A cada imagem ou história, uma atualização e novos fluxos gerados. No trabalho do dançarino, mais importante que ajustar no corpo as linhas perfeitas do vôo, é realizar a ação de voar conectada ao seu próprio sentimento, gerando no espectador uma real sensação de vôo realizado, um salto para fora do tempo-espaço.


Nourit Masson-Sékiné, em Butoh: uma filosofia da percepção para além da arte, discorre sobre a palavra como um importante vetor da percepção no butoh: "é uma vocalização das entrelinhas, uma tela entremeada entre as sombras, a linguagem da intercorporeidade" (2006: 09). De acordo com Sékiné, Hijikata, mestre de butoh, que junto de Kazuo Ohno e Min Tanaka criou o butoh nos anos 60, recorria a imagens e a todo um universo sonoro de palavras desenvolvido na língua japonesa para acordar as células e as memórias do corpo, por entender este método como "o mais propício para compreender uma impressão do real e despertar a sensação corporal".


Em Mar Inquieto, Simone Mello lança linhas de seu corpo em direção a um plano imaginário, conectando-se a imagens de dança projetadas na tela ao fundo, na busca de inventar sua dança e redescobrir seu próprio corpo no tempo--espaço da cena . Não há ensaios prévios, e sim uma auto-escavação infinita de seu corpo perturbado por questões, que, ao seguir inquieto as pistas de Hijikata, Ohno, Tanaka e Tadashi, entra numa rede rizomática e torna-se exaurido, soterrando sua própria dança com água, café e farinha, contaminada por Café Müller, de Bausch.


Pode o corpo que dança se tornar uma arma mortal? Eis a questão da artista, que a coloca em busca de uma dança-bomba que não usa o corpo como uma ferramenta, seguindo firmemente os rastros de Hijikata, ao dizer que a dança deve ser absurda e mostrar aspectos da vida habitualmente não aparentes, e que a dança, quando "pré-concebida, feita para ser exibida, não tem interesse algum" . Procurando "tornar-se o nada, um espaço vazio pronto a saltar em direção a uma próxima dimensão", a artista, tal como explica Sékiné, não quer dançar e tampouco dançar o lugar, mas ser o lugar e a própria dança, ser dançada e a dançante, ser o espaço e o tempo e tudo o que é. Mar Inquieto, na versão Plan E, dá início a uma relação pessoal e artística com Simone Mello, impulsionando à criação de Still, minha própria dança autoral, configurada no formato exposição. Neste trabalho, o tema natureza-morta é investigado no corpo que dança a partir dos princípios do butoh MA, a mim apresentados por Tadashi Endo por ocasião de um workshop realizado na sede do LUME, em Campinas/SP, em 2005. São princípios que procuro atualizar e aprofundar em workshops que realizo em cada passagem sua pelo Brasil e com os quais convivo intensamente nos processos criativos realizados desde então.


Still dialoga com aspectos inerentes a Mar Inquieto na medida em que se afirma como um trabalho criado em zona de turbulência, uma zona intensiva e relacional entre performer e espectador que transborda o espaço-tempo cotidiano, na qual ambos se afetam mutuamente . É daí, do contexto de pequenas ações artísticas, que se expandem as conexões criativas entre corpo vivo/morto e natureza-morta, gênero pictórico desde há muito tempo cultivado, instituído no século XVII, atualmente entendido como a vida suspensa num instante imóvel.


Assim como Tadashi, que propõe o MA como um caminho para investigar o corpo que dança, Cèzanne, representante da pintura impressionista no século XIX, nos dá pistas de um método próprio que lhe orienta o olhar e a percepção na produção de sua obra, fazendo-se notar certos traços de orientalidade. De acordo com as palavras do pintor, "pintar a natureza não é copiá-la, e sim tornar reais as sensações" que ela desperta (Cèzanni apud . Diz Cèzanne:


Aqui, à beira do rio, os motivos multiplicam-se, o mesmo tema visto de um ângulo diferente oferece um objeto de estudo do mais forte interesse e tão variado, que julgo que poderia ocupar-me durante meses, sem mudar de lugar, ora inclinando-me mais para a direita, ora mais para a esquerda (Cézanne apud .


Mais que a simples representação da realidade, a natureza-morta está na cor que se lê no texto. Tal como Cézanne sugere pensar, refere-se a uma visão ou impressão subjetiva, que se organiza a partir da perspectiva que o sujeito adota em relação ao objeto observado. Em Still, busca-se o lugar não olhado e não ouvido tangível das coisas para se ver e ouvir o que está antes, depois, à frente, atrás, por trás, através, sob, sobre e entre os elementos que o compõem, a fim de dar a ver a vida que há no corpo morto em decomposição.


Em Still, há uma coleção de imagens e vídeos representativa de uma idéia pessoal de natureza-morta, a qual consiste não apenas em mote coreográfico, mas também em material que se mistura no corpo que dança, compondo paragens poéticas pelas quais o espectador pode transitar e entrar em contato com seus próprios devaneios . Em Mar Inquieto, há um acervo de imagens, que consiste tanto num recurso utilizado pela criadora para escavar e construir sua própria dança, como em elemento de cena, utilizado de modo a promover interação entre artista, obra e espectador. Trata-se de um acervo iconográfico com imagens da catástrofe no Japão, de vítimas desaparecidas, de dançarinos de butoh, de butoh e de outras danças, entre outras, as quais são jogadas ao vento aos espetadores e deixadas ao relento, flutuando entre os escombros deixados pela dança tsunâmica como obra em exposição. Após a passagem do corpo devastador, o espectador é então convidado a transitar entre as fotos e escavar suas próprias memórias, seguindo os rastros das danças que lá ficaram.


Últimas linhas.


Não se pretende traçar linhas conclusivas, mas apontar algumas afinididades entre as criadoras, parceiras de dança aqui em foco, a partir das conexões estabelecidas entre Mar Inquieto e Still, seus solos coreográficos. Algumas evidências pronunciam-se a partir de seus trabalhos, os quais não são pretendidos como obra acabada, mas como ensaios-apresentação, através dos quais suas pesquisas artísticas em andamento são compartilhadas com o público como resultantes transitórias.


Ao elegerem o butoh MA como caminho para as suas próprias descobertas do/no corpo que dança, as criadoras transitam entre distintos espaços, tempos e culturas, ressaltando-se o desejo de busca por uma dança pessoal, cuja assinatura corresponda a um modo próprio de pensar-fazer dança, aliando conhecimento, auto-conhecimento e transformação.


Inquietação, intensidade, instabilidade, tensão, energia, controle, potência de vida, morte e destruição, são algumas características impressas em suas danças, que não se acabam ao fechar das cortinas, mas permanecem e reverberam, a partir das relações de afeto que o espectador estabelece com as obras, criando novos fluxos e multiplicidades.


Resumo: Este artigo apresenta a proposta de cinema sagrado de Alejandro Jodorowsky e analisa as teorias místicas e psicológicas no filme A Montanha Sagrada (1973) através da concepção do imaginário simbólico. Palavras chave: cinema sagrado / misticismo / imaginário simbólico. *Brasil, cineasta, videasta. Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Santa . Estudou cinema na EICTV (Escuela Internacional de Cine y TV, Cuba) e na NFTS (National Film and Television School, UK). Mestrado Artes Visuais -Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brasil.


AFILIAÇÃO: Produtora independente. E-mail: tatianalee@yahoo.com Introdução Alejandro Jodorowsky é um artista multifacético, nascido no Chile (1929), atualmente radicado na França. A "constelação Jodorowsky", como bem nomeou Louis , inclui diversas áreas: teatro, pantomima, literatura, quadrinhos, cinema, tarot e terapia.


Os poucos filmes de Alejandro Jodorowsky são considerados de culto, embora praticamente desconhecidos do grande público, devido à escassa distribuição que tiveram por conta de uma longa disputa judicial com seu produtor.


Sua temática, que alia misticismo e provocação religiosa com violência, explosão simbólica, imagens chocantes e subversão das convenções cinematográficas, torna Jodorowsky um artista difícil de definir.


Todas os rótulos como underground, cult, cinema de arte, midnight movie, avant-garde dão pistas, mas não captam a complexidade de sua obra.


Há algo mais no seu cinema: seu profundo lado místico, a ponto do próprio Jodorowsky denominar seu cinema de "sagrado".


Analisaremos essa concepção através dos elementos místicos simbólicos presentes na proposta cinematográfica do filme A Montanha Sagrada a partir de uma concepção do imaginário simbólico.


Cinema sagrado.


A partir da sua busca pessoal e da sua visão místico-metafísica, Jodorowsky desenvolve uma concepção de cinema enquanto um texto sagrado, comparável a um evangelho, a um sutra. O cinema é entendido enquanto veículo de busca e pesquisa rumo ao autoconhecimento e à iluminação. Sagrado enquanto provoca uma tomada de consciência da totalidade.


Para o artista não há uma realidade objetiva: a assim chamada realidade é meramente uma construção mental. Seu cinema sagrado, portanto, desafia o conceito positivista-racionalista. Não se trata apenas de questionar a objetividade da realidade, mas, como pontua CHIGNOLI, Jodorowsky pretende "que descubramos la magia implícita en ella" . E o faz nos empurrando aos limites da fantasia e do absurdo de um mundo maravilhoso-simbólico, preenchido por elementos que desafiam a racionalidade e falam diretamente ao inconsciente.


Aqui percebemos a afinidade entre o pensamento de Jodorowsky e a hermenêutica simbólica. DURAND igualmente denuncia a impossibilidade de reduzir a imagem a critérios de "verdadeiro" ou "falso":


A imagem pode se desenovelar dentro de uma descrição infinita e uma contemplação inesgotável. Incapaz de permanecer bloqueada no enunciado claro de um silogismo, ela propõe uma 'realidade velada' enquanto a lógica aristotélica exige 'claridade e diferença'. Quando o imaginário, como acontece no Ocidente, sustentado a partir do racionalismo socrático que se vale da razão como único meio de legitimação e acesso à verdade, passa a ser excluído dos processos intelectuais, "não há espaço para a abordagem poética" A força dessa abordagem poética é o que Jodorowsky considera sagrado e sanador.


Dudé del arte. ¿Para qué sirve? Si es para entretener a gente que teme despertarse, no me interesa. (. )Después de una crisis tan profunda que me hizo pensar en el suicídio, llegué a la conclusión de que la finalidad del arte era sanar. "si el arte no sana, no es arte", me dije. Entender o cinema como um veículo potencialmente transformador é o ponto que aproxima Jodorowsky do Nuevo Cine Latinoamericano (NCL). Para o NCL, porém, o cinema nacional se constrói através de mecanismos sócio-políticos. Para Jodorowsky, no entanto, a chave para conseguir a transformação é simbólica, "abraçando o Homem através de seu inconsciente e não apenas pela superação de uma realidade material desfavorável." .


Essa proposta jodorowskiana de imersão e resgate da dimensão simbólica vai ao encontro do pensamento da hermenêutica simbólica que, através dos símbolos, tenta penetrar na compreensão profunda do ser humano na sua integridade.


Dichos símbolos comparecen así como documentos dotados de uma dignidad humana y de uma significación filosófica, que son capaces de revelar ciertas dimensiones de la vida humana olvidadas o desfiguradas en las sociedades modernas. A transgressão, um dos aspectos fundamentais dessa concepção de cinema sagrado, é o método utilizado para despertar o espectador e modificar a sua percepção da realidade. As imagens chocantes servem para provocar e, ao mesmo tempo, tirar o espectador da indiferença. Aqui observamos sua herança surrealista, com ênfase na negação da beleza como valor estético primordial. Surrealismo que, aliás, é considerado por Durand como um dos "bastiões da resistência dos valores do imaginário no seio do reino triunfante do cientificismo racionalista." O auge desse cinema sagrado encontra-se em A Montanha Sagrada (1973), considerado o seu filme mais complexo, sobretudo do ponto de vista simbólico.


A Montanha Sagrada.


A história trata de nove personagens que seguem para a Montanha Sagrada em busca da imortalidade, guiados pelo Alquimista. A simplicidade da sinopse, contudo, revela sua complexidade através dos elementos simbólicos utilizados por Jodorowsky para contar a história.


Para começar, a escolha do tema remete à figura mítica da montanha, simbolizando a união entre o céu e a terra, presente em diversas culturas e textos religiosos: Monte Sinai, Monte das Oliveiras, Monte Olimpo, Monte Meru, entre outros.


Jodorowsky se inspira nos textos "Subida del Monte Carmelo" de San Juan de la Cruz e no argumento da novela "O Monte Análogo" de René Daumal para criar a sua própria Montanha Sagrada. Daumal, um jovem escritor surrealista ligado aos ensinamentos do místico G. I. Gurdjieff, morreu prematuramente e deixou o último capítulo, onde narra a subida ao cume da montanha, inacabado. Jodorowsky não obteve os direitos autorais para filmar esse texto e, portanto, decidiu recriá-lo a sua maneira, inspirando-se também nos ensinamentos de Gurdjieff sobre o Eneagrama pra criar os personagens.


O Eneagrama (Figura 1) é uma figura geométrica de nove pontas, de origem desconhecido, mas francamente associado aos ensinamentos Sufis e que foi introduzido no ocidente por Gurdjieff, como representação simbólica das leis cósmicas. De acordo com essa teoria, cada ponta do símbolo representa um eneatipo -ou tipo de personalidade. Os nove personagens jodorowskianos em busca da imortalidade são baseados nos eneatipos.


A alquimia é o tema que estrutura toda a ideia do filme, com seu conceito de busca da essência pura da alma através da purificação da matéria (Figura 2). Para COBB (2007), mais do que pensado em atos, o filme está desenhado como um experimento alquímico, onde vemos as fases da transmutação alquímica. Os personagens, para alcançar o topo da Montanha Sagrada, têm que enfrentar a purificação da matéria e, consequentemente, a eliminação do ego para atingir a essência da alma (Figura 2).


Dentro da proposta de cinema sagrado de Jodorowsky, ele próprio e os atores imergiram em um rigoroso processo de disciplina espiritual antes e durante o set de filmagens. Além disso, ao ver o filme, espera-se que o espectador também vivencie um processo transformativo.


Nas filmagens de A Montanha Sagrada Jodorowsky já havia adentrado na filosofia Zen, que ensina que a experiência dos fenômenos cotidianos não é mais do que uma projeção da nossa mente. Essa lógica permeia todo o filme, com o seu questionamento da impossibilidade de buscar a Verdade Transcendente através do realismo, posto que a realidade é apenas aparência, ilusão.


A psicanálise é uma referência fundamental na filmografia de Jodorowsky. Cerdán e Labayen apontam que a psicanálise funciona no universo jodorowskiano como meio de interromper a narrativa por elementos que objetivam quebrar a compreensão linear, lógica e racional, alterando a compreensão do tempo e do espaço, através de elipses ou da apresentação de cenas que não estão necessariamente subordinadas à história principal.


A concepção de Jodorowsky de trabalhar com símbolos que despertem a consciência coletiva, bem como a criação de personagens que representam aspectos gerais da humanidade e que fogem da noção de herói individual remetem de imediato à concepção junguiana de inconsciente coletivo.


O filme ainda apresenta, na sua estrutura, os aspectos místicos do tarôuma antiga paixão de Jodorowsky. O tarô chama a atenção principalmente como parte do cenário onde o Alquimista reúne os personagens em busca da imortalidade. As cartas que aparecem foram desenhadas especialmente por Jodorowsky para o filme . "El tarot es un ser", resume Jodorowsky (2011a:39). Trata-se de uma verdadeira enciclopédia de símbolos que devem ser desvendados por cada um. "Simbólicamente los arcanos del Tarot son um cofre donde se ha depositado um tesoro espiritual. La apertura de este cofre equivale a uma revelación", nos diz Jodorowsky (2011a:40), mas é preciso a participação ativa de quem vê o símbolo. É o leitor / espectador que, na sua busca sagrada, reúne os pedaços e confere sentido ao símbolo.


Na construção do filme Jodorowsky percebeu a necessidade de uma autotransformação mais profunda:


Cuando terminé de escribir el guión de la La montaña sagrada y me otorgué el papel del alquimista, un maestro al estilo de Gurdieff, me di cuenta de que conocía a la perfección las motivaciones del alumno, pero carecía de las experiencias milagrosas, sobrehumanas que, suponía, conocen los gurús. Na sua busca por treinamentos que o transformassem nesse guru almejado, Jodorowsky fez parte de uma experiência mística utilizando LSD, realizada com o mestre Oscar Ichazo, da Arica Program.


O filme está, ainda, permeado de vários aspectos da mística religiosa popular, com a presença de xamãs mexicanos e curandeiros, vigorando a ideia da cura pelo poder da fé.


Esse amálgama de teorias místicas e psicológicas demonstra o pluralismo de Jodorowsky, onde os fenômenos se situam em um espaço-tempo diverso da realidade dualista do positivismo.


O resultado é uma profusão de símbolos utilizados no filme, a maioria de difícil compreensão para o espectador não iniciado nas artes esotéricas. Jodorowsky propositalmente evita explicar ou desvendar esses significados ocultos. Por um lado, Jodorowsky parte do conceito de que os encantamentos e as curas podem ser realizados através das imagens, já que nosso inconsciente é vulnerável às formas e objetos.


Outro ponto chave para entender a não explicação simbólica reside na própria Alquimia, já que, tradicionalmente, os alquimistas guardavam seus segredos codificados em símbolos.


Em A Montanha Sagrada, portanto, não há revelações fáceis, que permitam elucidar extensivamente o significado dos símbolos utilizados durante a narrativa. Não há explicações, mas sim exposição ao conteúdo simbólico. Os símbolos não estão falando para o lado racional do espectador, mas pretendem chegar ao nível inconsciente, onde, coletivamente, apreendemos o seu significado.


Reflexões Finais.


No final é onde acontece o momento mais transgressor e transcendente do filme. O Alquimista volta a ser Jodorowsky, o diretor, que olha diretamente para a lente e grita "Zoom back, camera!", revelando todo o artefato de irrealidade cinematográfica (Figura 4). Rompe-se, assim, com a ilusão clássica do espetáculo: "la catarsis del espectador, aunque parezca poderosamente convincente, no es más que eso: una representación." Neustadt (1999) alerta que não se trata de uma ruptura brechtiana, mas uma visão mística de que a vida é um continuum de ilusões. Estamos face à ideia de transcender a ilusão, de não nos apegarmos às aparências e de percebermos o cinema como um instrumento de despertar.


A imortalidade, ao fim, não existe -ou pelo menos não a do corpo físico. O que importa é a busca, enquanto objetivo em si mesmo. Sem a resolução do conflito não somos confortavelmente levados ao alívio de um final determinado por outrem: somos colocados de volta no labirinto. Cabe a nós, depois da jornada à Montanha Sagrada, retornarmos, mas dessa vez transformados.


Toda essa exposição ao conteúdo simbólico jodorowskiano atinge os quatro setores estudados por Abstract: This article addresses the importance of the information given by the visual artists Mario Ramiro e Morio Nishimura about the conception of the installation "Entre o Norte e o Sul" . From such data, the artwork begins to communicate more complex and intangible aspects and to propose previously unthought dimensions of apprehension to the observer. Keywords: information / artist's text / installation / buddhist relics.


Resumo: Este artigo aborda a importância da informação dada pelos artistas visuais Mario Ramiro e Morio Nishimura sobre a elaboração da instalação "Entre o Norte e o Sul". A partir desse dado, a obra passa a comunicar aspectos mais complexos e intangíveis e propor ao observador dimensões de apreensão antes impensadas. O texto escrito, a informação além do próprio trabalho de arte, conforma uma área controversa que abrange grande parte das mostras atuais. Na quase totalidade das exposições de artes visuais nos deparamos com algum texto escrito. Sobre o que ele nos fala? Quem decide o teor dessa informação para que ela permeie o conteúdo de um trabalho visual? Esse impulso chamado educativo que presenciamos incessantemente no ambiente das mostras nos oferece informação variada, mas não se subtrai à questão de sua relevância para o acesso à obra. O quanto aquele texto, que deve ter sido colocado com a intenção de elucidar, pode acabar suprimindo facetas possíveis de apreensão ao sobrepor ao que vejo um dado que tem uma agenda de valores que pode não corresponder à minha? Talvez somente possamos abandonar essa dúvida quando é o próprio artista quem se propõe a trazer um dado informativo -que não é poético nem plástico -como parte constituinte da obra. É o que ocorre no trabalho de Ramiro e Nishimura.


Em agosto de 1992, os artistas visuais Mario Ramiro e Morio Nishimura realizaram a instalação "Entre o Norte e o Sul" simultaneamente na ilha de Amorgós na Grécia e na floresta de Lieksa na Finlândia. Essa obra tinha a intenção de efetivar uma comunicação entre ambos sem meios tradicionais, isto é, somente pelo contato de suas vibrações mentais. Para isso, eles elaboraram alguns objetos que poderiam facilitar esse contato. Na época, ambos residiam em Colônia na Alemanha e utilizaram a água do rio Reno para envolver em dois tubos de vidro, fios de cabelos dos artistas ligados por um cabo revestido de ouro (Figura 1). Cada artista transportou seu tubo para o local onde seria montada sua instalação e o preparou para o evento com a água natural do lugar, Ramiro com as águas gregas do mar Egeu e Nishimura com as finlandesas do lago Pitkajarvi.


Nesses locais, os artistas construíram suas instalações sem nenhum acordo prévio sobre materiais ou formas e, a partir delas, em dia e hora marcados, projetaram sua transmissão para o outro. O resultado desse contato foi fixado por meio de desenhos feitos pelos artistas ao receberem as transmissões no circuito entre Amorgós e Lieksa (Figura 2).


Nesses documentos, podemos identificar algumas reverberações entre a instalação de um e o decorrente desenho do outro, mas essa não é uma particularidade à qual os artistas tenham atribuído maior importância: "como poderíamos explicar tais coincidências entre as imagens recebidas e as transmitidas de um lugar para outro? Isso não importa." . Em "Entre o Norte e o Sul", seu interesse está em "uma experiência de interseção de culturas" . Já em seu titulo, o trabalho aponta inclinação para a grade de coordenadas geográficas aplicada sobre a superfície Figura 1 • Objetos: tubos de vidro com cabelos dos artistas, água e cabo revestido de ouro; à esquerda: objeto de Morio Nishimura, à direita: objeto de Mario Ramiro . Figura 2 • À esquerda: desenhos de Ramiro sobrepostos à fotografia da instalação de Nishimura na Finlândia; à direita: desenhos de Nishimura sobrepostos à fotografia da instalação de Ramiro na Grécia . do planeta. Eles também citam no catálogo da instalação suas próprias origens pessoais como influência para o projeto: Ramiro, brasileiro e Nishimura, japonês; à época desse trabalho, ambos estavam desenvolvendo pesquisas de pós--graduação na Alemanha. Com esses dados, podemos vislumbrar uma teia de diferenças e aproximações. Essa é uma dinâmica que se dá no próprio contato entre os artistas e é elaborado dentro de seu projeto de trabalho de forma estrita quando é proposto o contato entre vibrações vitais e, mais pontualmente, o desejo de comunicar-se com o outro de forma espontânea atravessando a grade geográfica e as diferenças culturais que ambos carregam. Os artistas e o conjunto de sua instalação formam um fluxo oscilante de aproximação e distanciamento, sempre a distância levando à proximidade e essa proximidade resultando num reverso, visto que a proximidade demonstra alguma outra faceta de diferença e, por sua vez, o distanciamento faz ver alguma possível similaridade antes imprevista. É uma proposta que enfrenta o desafio tanto das possíveis aproximações quanto das potenciais distâncias.


Mas há uma outra base que suporta "Entre o Norte e o Sul" e ela nos levará a dinâmicas de outra natureza. Apesar de toda a complexidade da ação dessa instalação, para Mario Ramiro, a documentação fotográfica ou descritiva das ações realizadas que tratamos até aqui é insuficiente para expor ou apresentar esse trabalho . É fundamental para sua compreensão que uma outra informação seja dada junto à sua apresentação, o fato de que esse trabalho se origina de situações comunicacionais encontradas em templos budistas. No catálogo da instalação, podemos ler que em centenas de torres construídas em templos budistas (Figura 3), estão depositadas relíquias que supostamente pertenceram ao Buda . Essas peças sagradas seriam capazes de gerar um campo de conexão entre si e, consequentemente, entre aqueles locais religiosos. Esse contato entre as peças e os locais é a ideia propulsora da ação de "Entre o Norte e o Sul". Como pode ocorrer com as próprias relíquias, para o processo dos artistas são utilizadas partes corpóreas (cabelos dos artistas) e também referências de locais como as águas de procedências diversas dentro de vidros que, podemos imaginar, agem como relicários ou ainda como pequenos templos móveis. O ouro, que liga os fios de cabelos de ambos, é também no Ocidente um dos mais tradicionais materiais usados como invólucros para relíquias religiosas. Nishimura e Ramiro replicam assim uma proposta de contato e comunicação que está estabelecida no profundo misticismo budista. Com isso, sua instalação migra de uma simples comunicação de imagens para a ideia da possibilidade de um fluxo que permearia incessantemente qualquer espaço e leva o que poderia ser uma experiência "de pretenções exóticas , Nara/Japão .


de uma arte telecomunicativa" à projeção de uma massa de emanações voláteis com potências independentes de nosso conhecimento ou interação em eventos sutis que talvez nos perpassem continuamente.


O suposto contato entre os templos funciona a partir de um substrato anterior -a relíquia -que presentifica o passado e impulsiona a dinâmica religiosa. Além da mística que aciona esse fluxo, há uma aproximação por semelhança entre torres e pela própria origem das relíquias. Da mesma forma, Ramiro e Nishimura deslocam seus objetos, que talvez poderíamos chamar ritualísticos, para pontos geográficos diferentes refletindo a ação à distância das torres budistas.


O norte e o sul, o oriental e o ocidental, o pessoal e o coletivo, a percepção e a imaginação, a religião e a arte, se entrecruzam não simplesmente ao pares mas rebatendo-se em desordem, elaborando uma teia de reverberações. Gilles Deleuze nos fala sobre a dinâmica daquilo que é presente: "O atual não é o que somos, mas antes o que nos tornamos, aquilo que estamos nos tornando, isto é o Outro, nosso tornar-se outro" . Assim como um trabalho de arte não é um amontoado de coisas, imagens e ideias, mas é aquilo que ele vem a acionar, isto é, o que o trabalho se torna quando "atualizado" pelo observador. A obra, como nós, está em fluxo, sempre outra, migrando e fluindo entre diferentes planos de contato com seus observadores. Aqui, seria possível pensar que o observador se torna também um participante na experiência de comunicação dos artistas ou ele mesmo se faz mais uma torre que é acionada pela vibração que a instalação "Entre o Norte e o Sul" faz emergir em seu movimento. Trata-se de um deslocamento oscilante que ocorre não mais entre pólos, mas entre pontos dispersos que criam uma rede de possibilidades particulares a cada indivíduo. O trabalho de arte é potencializado pela informação sobre as origens de sua elaboração que convocam a existência e a presença constante de fluxos imateriais. Para Jean-Luc Nancy, há uma instância da presença que não possui representação, a co-presença que "surge de contato e lateralidade e não de visão e frontalidade" , como ocorre com a comunicabilidade de uma ideia que vem a nos atingir na extensão com a qual nós mesmos -os observadores -somos capazes de elaborar e injetar novamente à proposta artística. A ideia da conexão entre templos é como uma intervenção lateral -uma co-presença -que age sobre nossa apreensão da obra e modifica sua potência.


No trabalho de Ramiro e Nishimura, oferecer a informação de que a base de sua concepção está na capacidade de comunicação entre os templos budistas provoca o observador a perceber como ocorreu aquele processo criativo e também a contemplar a possibilidade de acontecimentos intangíveis na obra "Entre o Norte e o Sul", no evento místico budista e, especialmente, no cotidiano no qual estamos mergulhados.


A singularidade coreográfica de Gícia Amorim.


Introdução.


Refletir sobre o modo como a composição coreográfica pode ser delineada é o que se pretende debater através das colocações aqui feitas. E dentre os aspectos que podem ser suscitados a partir deste tema, reside o entrelaçamento entre os vestígios das vivências efetivadas no corpo do bailarino e a sua proposta criativa. Neste sentido, a relação entre obra e autor, especialmente no trabalho coreográfico, pode ganhar nuances capazes de estabelecer remanejamentos hierárquicos, onde pode ser observada uma noção de autoria compartilhada, enfatizando a ideia de assinatura coreográfica. É a partir do trabalho realizado pela bailarina brasileira Gícia , que essas reflexões são efetivadas. A metodologia abordada neste estudo é a pesquisa bibliográfica, e está dividido em duas partes. A primeira parte apresenta uma breve trajetória da carreira de Gícia Amorim, onde são expostas as técnicas de dança que vivenciou, com especial atenção ao período em que estudou na Merce Cunningham Dance Foundation. Também é feita uma breve exposição e análise da coreografia Desdobramentos, obra composta e interpretada por Gícia Amorim.


De posse desses apontamentos relativos ao trabalho desenvolvido por Gícia Amorim, a segunda parte deste estudo é dedicada ao debate de questões que se fazem presentes no trabalho do bailarino e do coreógrafo, como por exemplo a noção de autoria na obra artística.


Gícia Amorim: trajetórias de um corpo dançante.


Nascida no Brasil, no estado da Bahia, em janeiro de 1969, mas tendo sido criada desde cedo em Pernambuco, Gícia Amorim começou a fazer aulas de Balé Clássico pouco antes da adolescência, e logo em seguida começou a frequentar aulas de Dança Moderna. Em 1988 ela foi para São Paulo, onde se estabeleceu e permanece até hoje. Com o intuito de ampliar seus estudos em dança, no ano de 1993, Gícia foi para Nova Iorque, para estudar Dança Moderna. Lá, ela frequentou aulas das técnicas de artistas considerados precursores da dança moderna -e pós-moderna -norte-americana, como José Limón, Trisha Brown, Jeniffer Müller, Paul Taylor, dentre outros.


Mas foi em uma mostra de dança, onde alunos de diversas escolas se apresentavam (alunos de José Limón, de Martha Graham, de Merce Cunningham, etc.), que surgiu seu interesse em frequentar as aulas da técnica do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham . No outro dia após a mostra, ela foi procurar a escola do coreógrafo e logo começou a frequentar suas aulas, através do Internacional Training Program da Cunningham Dance Foundation. Durante o período em que frequentou as aulas -inicialmente ela permaneceu durante o período de um ano, mas voltou várias outras vezes, frequentando cursos menores -Gícia foi avançando nos níveis solicitados pelo Studio de Cunningham (Figura 1). Com isso, ela recebeu uma carta de autorização para ministrar aulas da técnica Cunningham.


Cabe aqui, neste momento, breves apontamentos em relação aos aspectos propostos por Merce Cunningham. Dentre os recursos que Cunningham lançava mão em sua proposta, pode-se destacar: a independência entre música e dança no processo de construção coreográfica, ou seja, eram compostas separadamente; a utilização do acaso como ferramenta para compor a coreografia, através de sorteios e de hexagramas do IChing que decidiam quais frases de movimento iriam suceder umas às outras; e o uso da tecnologia como aliada, através de programas de computador que além de possibilitarem visualizações de ângulos diferenciados, também eram um recurso de acaso na composição, pois ampliavam mais ainda as possibilidades de organização dos movimentos na coreografia.


Através da utilização destes recursos em sua dança, Cunningham buscava desprender a dança de qualquer significação pré-existente. Não havia a intenção de retratar histórias ou personagens, e sim de observar o movimento por ele mesmo, abrindo assim, infinitas possibilidades de percepção da própria aleatoriedade que se faz presente na vida. Conforme aponta Roger Copeland: "o que ele nos oferece ao invés disso [de nos dar histórias] é a densa textura espacial e rítmica incorporada na vida urbana em simultâneos acontecimentos" (Copeland, .


Na sequência, então, do trajeto de Gícia Amorim, quando retornou ao Brasil, após este período de estudos em Nova Iorque, ela realizou parceria com o Centro de Estudos do Corpo da PUC de São Paulo e o SESC-SP, e começaram a colocar em prática o Projeto Cunningham, que teve início no ano de 1997. Neste projeto, além de Gícia Amorim ministrar aulas da técnica Cunningham, também aconteciam estudos teóricos -coordenados principalmente por estudiosos da dança no Brasil -relacionados à proposta cunninghamniana. O Projeto teve significativa relevância no Brasil, naquela época, no sentido de contribuir para a disseminação de um conhecimento que ainda iniciava-se no país.


Além de ser referência no Brasil por ter vivenciado uma relação mais estreita com a proposta de Merce Cunningham e disseminar este conhecimento, Gícia Amorim também desenvolve seu trabalho como criadora-intérprete independente. Suas obras coreográficas sempre foram compostas e interpretadas unicamente por ela própria, ainda que haja parceria com alguns colaboradores na iluminação, no figurino e na trilha sonora. Dentre alguns de seus trabalhos coreográficos, podem ser citados: Fluxion I e II, Nervura, Relevo Inverso, Rizoma, dentre outros. Mesmo que possam ser observadas algumas características da proposta de Cunningham no corpo e na ideologia de Gícia, seus trabalhos coreográficos não têm nenhuma intenção de fazer referência à proposta de Cunningham, o que acaba por enfatizar a assinatura de Gícia em seus trabalhos, conforme será mais bem apontado adiante.


Na coreografia Desdobramentos (estreia em 2009), por exemplo, Gícia Amorim investiga movimentações que dialogam com os conceitos do escultor britânico Henry Moore , cuja proposta partia da ideia de que o vazio é um volume dentro do volume. No desenvolvimento de suas esculturas -que tinham bastante relação com a figura humana e que em sua maioria eram feitas em bronze fundido ou mármore -a exploração desse vazio era evidenciada, podendo ser observada uma especial relação com a ideia de volume.


A curiosidade de Gícia Amorim por experimentar o modo como os aspectos da obra de Henry Moore poderiam se fazer presentes em seu corpo, parte justamente das características do trabalho deste escultor, que trazia um jogo dialético entre interior e exterior, vazio e volume, a partir de uma integração com as formas da natureza, com critérios de ordem orgânica, e que abordava, portanto, a ideia de volume dentro do volume. O trabalho coreográfico "Desdobramentos" foi compostao, então, a partir desta pesquisa, onde é possível observar na movimentação de Gícia essa total integração com a proposta de Moore. Em alguns momentos, o vazio é atravessado, preenchido pelas partes do corpo de Gícia, já em outros momentos, esse vazio simplesmente permanece ali, como um volume.


Os elementos deste trabalho coreográfico foram compostos separadamente (da mesma forma como ocorria em Cunningham). Mas todos os artistas -iluminador (André Boll), músico (Aguinaldo Bueno), cenógrafa que confeccionou as réplicas das obras de Moore (Suiá Burger Ferlauto) -partiram, em suas criações, da proposta do trabalho de Henry Moore. Cada elemento do espetáculo traz em si seu próprio espetáculo, de modo que são obras autônomas, mas que, ao mesmo tempo, convergem para os mesmos pontos. Ao mesmo tempo em que é possível perceber as ideias de Henry Moore impregnadas em todos os elementos da composição coreográfica desenvolvida por Gícia, também é como se toda a concepção coreográfica impregnasse as obras de Moore, que estão ali, de certa forma, presentificadas. Na Figura 2 é possível visualizar a proposta estética deste trabalho coreográfico.


Limites da autoria na composição.


A partir do breve relato sobre o processo de composição coreográfica de Desdobramentos, é possível perceber que, ao mesmo tempo em que Gícia Amorim imprime sua assinatura no modo de criação e execução da obra, ela traz consigo aspectos do que vivenciou. Neste sentido, pode-se dizer que o corpo do bailarino -e, consequente, a obra -está situado em um local onde transitam vestígios e mutações, em uma relação entre memória e esquecimento necessários ao ato criativo. O fato de que o processo de composição tem início desde o momento da experimentação de práticas que vão sendo fixadas no corpo e continua para além da definição da obra, parece ressaltar a ideia de que toda a obra tem vida própria, ainda que carregue assinaturas. Na verdade, parece existirem apenas assinaturas nas obras, e não autorias, propriamente.


A noção de autoria, portanto, pode ser mais bem observada a partir de um compartilhamento do que do fato de que o artista detém a autoria de sua obra. Neste sentido, a autoria (ou a voz autoral) deve se referir a uma capacidade de elaboração dos saberes e subjetividades que se fazem obra, afastando, assim, a ideia do autor como detentor da obra. Conforme comenta Roland um texto não é feito de uma linha de palavras, libertando um sentido único, de certo modo teológico (que seria a 'mensagem' do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam escritas variadas, nenhuma das quais é original: o texto é um tecido de citações .


Esse fato justifica-se a partir da ideia de que a obra é feita de uma multiplicidade de tudo o que por ela circula. O compositor da obra é aquele queconsciente ou inconscientemente -será capaz de provocar entrelaçamentos e diálogos com essa infinidade de informações e energias. Laurence Louppe diz que: "O coreógrafo contemporâneo 'compõe' o que é diferente. Ele não 'regula'. Bem pelo contrário, ele agita e transtorna as coisas e os corpos para descobrir uma visibilidade desconhecida" (Louppe, 2012: 229). Dessa forma, ele imprime na obra sua assinatura, ou seja, sua singularidade. Para Rosa Primo: "conceber o corpo-dançante como uma singularidade é apreender cada corpo que dança em sua 'diferença pura', fora de qualquer escala de comparação. Com efeito, tomar em sua singularidade o corpo-dançante é o primeiro ato de criação em dança contemporânea" (Primo, 2012: 91).


Esse espaço da singularidade além de apontar a diferença, é também um agenciador entre passado, presente e futuro, que são conjugados em um corpo para que dele possa emergir a dança enquanto potência de imanência. Conforme comenta André Lepecki: "A coreografia ativa a escrita no domínio da dança para garantir que à dança do presente é dado um passado, e portanto, um futuro" . É possível observar no trabalho de Gícia Amorim esse entrelaçamento (a)temporal, onde em sua obra estão em diálogo suas vivências (como passado) -como por exemplo as linhas da técnica cunninghamniana que se fazem corpo em seu corpo -e seu processo criativo (como presente). Dessa forma, acaba por emergir a possibilidade de futuro, já que a obra ganha vida autônoma, através da colaboração de cada singularidade que por ela transita.


Croma -condições de submissão de textos.


Submitting conditions.


A Croma é uma revista internacional sobre Estudos Artísticos que desafia artistas e criadores a produzirem textos sobre a obra dos seus colegas de profissão.


A Revista Croma, Estudos Artísticos é editada pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e pelo seu Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes, Portugal, com periodicidade semestral (publica-se em julho e dezembro). Publica temas na área de Estudos Artísticos com o objetivo de debater e disseminar os avanços e inovações nesta área do conhecimento.


O conteúdo da revista dirige-se a investigadores e estudantes pós graduados especializados nas áreas artísticas. A Croma toma, como línguas de trabalho, as de expressão ibérica (português, castelhano, galego, catalão).


Os artigos submetidos deverão ser originais ou inéditos, e não deverão estar submetidos para publicação em outra revista (ver declaração de originalidade).


A revista é publicada duas vezes por ano e tem um rigoroso sistema de arbitragem científica. Os originais serão submetidos a um processo editorial que se desenrola em duas fases. Na primeira fase, fase de resumos, os resumos submetidos são objeto de uma avaliação preliminar por parte do Diretor e/ou Editor, que avalia a sua conformidade formal e temática. Uma vez estabelecido que o resumo cumpre os requisitos temáticos, além dos requisitos formais indicados abaixo, será enviado a três, ou mais, pares académicos, que integram o Conselho Editorial internacional, e que determinam de forma anónima: a) aprovado b) não aprovado. Na segunda fase, uma vez conseguida a aprovação preliminar, o autor do artigo deverá submeter, em tempo, a versão completa do artigo, observando o manual de estilo ('meta-artigo'). Esta versão será enviada a três pares académicos, que integram o conselho editorial internacional, e que determinam de forma anónima: a) aprovado b) aprovado mediante alterações c) não aprovado.


Os procedimentos de seleção e revisão decorrem assim segundo o modelo de arbitragem duplamente cega por pares académicos (double blind peer review), onde se observa, adicionalmente, em ambas as fases descritas, uma salvaguarda geográfica: os autores serão avaliados somente por pares externos à sua afiliação.


A Croma recebe submissões de artigos segundo os temas propostos em cada número, e mediante algumas condições e requisitos: seguir o manual de estilo da revista Croma e enviado dentro do prazo limite, e for aprovado pelos pares académicos. 4. Os autores cumpriram com a declaração de originalidade e cedência de direitos, e com a comparticipação nos custos de publicação.


São fatores de preferência alternativos: 1. Incentivam-se artigos que tomam como objeto um criador oriundo de país de expressão linguística portuguesa ou espanhola. 2. Incentiva-se a revelação de autores menos conhecidos, mas de qualidade.


A revista Croma promove a publicação de artigos que:


• Explorem o ponto de vista do artista sobre a arte;


• Introduzam e deem a conhecer autores de qualidade, menos conhecidos, originários do arco de países de expressão de línguas ibéricas; • Apresentem perspetivas inovadoras sobre o campo artístico;


• Proponham novas sínteses, estabelecendo ligações pertinentes e criativas, entre temas, autores, épocas e ideias.


Procedimentos para publicação Primeira fase: envio de resumos provisórios Para submeter um resumo preliminar do seu artigo à Croma envie um e-mail para estudio@ fba.ul.pt, com dois anexos distintos em formato Word, e assinalando o número da revista em que pretende publicar, mas sem qualquer menção ao autor, direta ou deduzível (eliminá-la também das propriedades do ficheiro). Não pode haver auto-citação na fase de submissão.


Ambos os anexos têm o mesmo título (uma palavra do título do artigo) com uma declinação em a e em b.


Por exemplo:


• o ficheiro palavra preliminar a.docx contém o título do artigo e os dados do autor.


• o ficheiro palavra preliminar b.docx contém título do artigo e um resumo com um máximo de 2.000 caracteres ou 300 palavras, sem nome do autor. Poderá incluir uma ou duas figuras, devidamente legendadas.


Estes procedimentos em ficheiros diferentes visam viabilizar a revisão científica cega (blind peer review).


Segunda fase: envio de artigos após aprovação do resumo provisório Cada artigo final tem um máximo 11.000 caracteres sem espaços, excluindo resumos e referências bibliográficas. O formato do artigo, com as margens, tipos de letra e regras de citação, deve seguir o 'meta-artigo' auto exemplificativo (meta-artigo em versão *.docx ou *.rtf ).


Este artigo é enviado em ficheiro contendo todo o artigo (com ou seu título), mas sem qualquer menção ao autor, direta ou deduzível (eliminá-la também das propriedades do ficheiro). Não pode haver auto-citação na fase de submissão.


O ficheiro deve ter o mesmo nome do anteriormente enviado, acrescentando a expressão 'completo' (exemplo: palavra completo b).


Custos de publicação.


A publicação por artigo na Croma pressupõe uma pequena comparticipação de cada autor nos custos associados. A cada autor são enviados dois exemplares da revista.


Croma 4, Estudos Artísticos -Croma -condições de submissão de textos.


Critérios de arbitragem.


• Dentro do tema geral proposto para cada número, 'Criadores Sobre outras Obras,' versar sobre autores com origem nos países do arco de línguas de expressão ibérica; • Nos números pares, versar sobre o tema específico proposto;


• Interesse, relevância e originalidade do texto;


• Correta referenciação de contributos e autores e formatação de acordo com o texto de normas.


Normas de redação.


Segundo o sistema autor, data: página. Ver o 'meta-artigo' nas páginas seguintes.


Cedência de direitos de autor.


A revista Croma requere aos autores que a cedência dos seus direitos de autor para que os seus artigos sejam reproduzidos, publicados, editados, comunicados e transmitidos publicamente em qualquer forma ou meio, assim como a sua distribuição no número de exemplares que se definirem e a sua comunicação pública, em cada uma das suas modalidades, incluindo a sua disponibilização por meio eletrónico, ótico, ou qualquer outra tecnologia, para fins exclusivamente científicos e culturais e sem fins lucrativos. Assim a publicação só ocorre mediante o envio da declaração correspondente, segundo o modelo abaixo:


Modelo de declaração de originalidade e cedência de direitos do trabalho escrito Declaro que o trabalho intitulado: que apresento à revista Croma, não foi publicado previamente em nenhuma das suas versões, e comprometo-me a não submetê-lo a outra publicação enquanto está a ser apreciado pela Croma, nem posteriormente no caso da sua aceitação. Declaro que o artigo é original e que os seus conteúdos são o resultado da minha contribuição intelectual. Todas as referências a materiais ou dados já publicados estão devidamente identificados e incluídos nas referências bibliográficas e nas citações e, nos casos que os requeiram, conto com as devidas autorizações de quem possui os direitos patrimoniais. Declaro que os materiais estão livres de direitos de autor e faço-me responsável por qualquer litígio ou reclamação sobre direitos de propriedade intelectual.


No caso de o artigo ser aprovado para publicação, autorizo de maneira ilimitada e no tempo para que a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa inclua o referido artigo na revista Croma e o edite, distribua, exiba e o comunique no país e no estrangeiro, por meios impressos, eletrónicos, CD, internet, ou em repositórios digitais de artigos. De modo a conseguir-se reunir, na revista Croma, um conjunto consistente de artigos com a qualidade desejada, e também para facilitar o tratamento na preparação das edições, solicita-se aos autores que seja seguida a formatação do artigo tal como este documento foi composto. O modo mais fácil de o fazer é aproveitar este mesmo ficheiro e substituir o seu conteúdo. Nesta secção de introdução apresenta-se o tema e o propósito do artigo em termos claros e sucintos. No que respeita ao tema, ele compreenderá, segundo a proposta da Croma, a visita à(s) obra(s) de um criador -e é este o local para uma apresentação muito breve dos dados pessoais desse criador, tais como datas e locais (nascimento, graduação) e um ou dois pontos relevantes da atividade profissional. Não se trata de uma biografia, apenas uma curta apresentação de enquadramento redigida com muita brevidade.


Nome Assinatura.


Nesta secção pode também enunciar-se a estrutura ou a metodologia de abordagem que se vai seguir no desenvolvimento.


[Todo o texto do artigo, exceto o início, os blocos citados, as legendas e a bibliografia: Times 12, alinhamento ajustado, parágrafo com recuo de 1 cm, espaçamento 1,5, sem notas de rodapé]


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da Croma -Meta-artigo.


Modelo da página.


[este é o título do primeiro capítulo do corpo do artigo; caso existam subcapítulos deverão ser numerados, por exemplo 1.1 ou 1.1.1 sem ponto no final da sua sequência] A página é formatada com margens de 3 cm em cima e à esquerda, de 2 cm à direita e em baixo. Utiliza-se a fonte "Times New Roman" do Word para Windows (apenas "Times" se estiver a converter do Mac, não usar a "Times New Roman" do Mac). O espaçamento normal é de 1,5 exceto na zona dos resumos, ao início, e na zona das referências bibliográficas. Todos os parágrafos têm espaçamento zero, antes e depois. Não se usam bullets ou bolas automáticas ou outro tipo de auto-texto exceto na numeração das páginas (à direita em baixo). Também não se usam cabeçalhos ou rodapés. As aspas, do tipo vertical, terminam após os sinais de pontuação, como por exemplo "exemplo de fecho de aspas duplas," ou 'fecho de aspas.'


Para que o processo de peer review seja do tipo double-blind, eliminar deste ficheiro qualquer referência ao autor, inclusive das propriedades do ficheiro. Não fazer auto referências.


Citações.


Observam-se como normas de citação as do sistema 'autor, data,' ou 'Harvard,' sem o uso de notas de rodapé. Recordam-se alguns tipos de citações:


-Citação curta, incluída no correr do texto (com aspas verticais simples, se for muito curta, duplas se for maior que três ou quatro palavras); -Citação longa, em bloco destacado. -Citação conceptual (não há importação de texto ipsis verbis, e pode referir-se ao texto exterior de modo localizado ou em termos gerais). Como exemplo da citação curta (menos de duas linhas) recorda-se que 'quanto mais se restringe o campo, melhor se trabalha e com maior segurança' .


Como exemplo da citação longa, em bloco destacado, apontam-se os perigos de uma abordagem menos focada, referidos a propósito da escolha de um tema de tese:


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da Croma -Meta-artigo.


Figuras ou Quadros.


No texto do artigo, os extra-textos podem ser apenas de dois tipos: Figuras ou Quadros.


Na categoria Figura inclui-se todo o tipo de imagem, desenho, fotografia, gráfico, e é legendada por baixo. Apresentam-se aqui algumas Figuras a título meramente ilustrativo quanto à apresentação, legendagem e citação/referência. A Figura tem sempre a 'âncora' no correr do texto, como se faz nesta mesma frase (Figura 1). Figura 1. Fotografia de Tomas Castelazo, Detalle de la puerta de la celda 18 de la vieja cárcel de León, Guanajuato, Mexico .


[Times 10, centrado, parágrafo sem avanço; imagem sempre com a referência autor, data; altura da imagem: c. 7cm]


As Figuras também podem apresentar-se agrupadas (Figuras 2 e 3) com a 'moldagem do texto' na opção 'em linha com o texto,' controlando-se o seu local e separações (tecla 'enter' e 'espaço'), e também a centragem com o anular do avanço de parágrafos.


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da.


Croma -Meta-artigo Figura 2. A estátua de Agassiz frente ao edifício de zoologia da Universidade de Stanford, Palo Alto, Califórnia, após o terramoto de 1906 . Figura 3. Efeitos do teste 'stokes' sobre o dirigível 'Blimp' colocado em voo a 8 km do cogumelo atómico, em 7 de Agosto de 1957 (United States Department of Energy, 1957).


[Times 10, parágrafo sem avanço. Imagens sempre com a referência autor, data; altura das imagens: c. 7cm; separação entre imagens: um espaço de teclado] Na categoria 'Quadro' estão as tabelas que, ao invés, são legendadas por cima. Também têm sempre a sua âncora no texto, como se faz nesta mesma frase (Quadro 1). A numeração das Figuras é seguida e independente da numeração dos Quadros, também seguida. O autor do artigo é o responsável pela autorização da reprodução da obra (notar que só os autores da CE que faleceram há mais de 70 anos têm a reprodução do seu trabalho bidimensional em domínio público).


Cita-se agora, como exemplo suplementar, o conhecido espremedor de citrinos de forma aracnóide . Se se pretender apresentar uma imagem do objeto, como se mostra na Figura 6, não esquecer a distinção entre o autor do objeto, já convenientemente citado na frase anterior, e o autor e origem da fotografia, que também segue na legenda.


Figura 6. O espremedor de citrinos de Philippe . Foto de Morberg .


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da.


Notar que no exemplo do espremedor de citrinos, tanto o objeto como a sua foto têm citação e referência separadas (veja-se como constam no capítulo 'Referências' deste meta-artigo). O mesmo sucedera, aliás, no exemplo da instalação da Figura 4.


Se o autor do artigo é o autor da fotografia ou de outro qualquer gráfico assinala o facto como se exemplifica na Figura 7. Caso o autor sinta dificuldade em manipular as imagens inseridas no texto pode optar por apresentá-las no final, após o capítulo 'Referências,' de modo sequente, uma por página, e com a respetiva legenda. Todas as Figuras e Quadros têm de ser referidas no correr do texto, com a respetiva 'âncora.'


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da.


Croma -Meta-artigo 254 4. Sobre as referências O capítulo 'Referências' apresenta as fontes citadas, e apenas essas. Cada vez mais as listas bibliográficas tendem a incluir referências a materiais não papel, como vídeos, DVD, CD, ou sítios na Internet (páginas, bases de dados, ficheiros '*.pdf,' monografias ou periódicos em linha, fotos, filmes). O capítulo 'Referências' é único e não é dividido em subcapítulos.


Conclusão.


A Conclusão, a exemplo da Introdução e das Referências, não é uma secção numerada e apresenta uma síntese que resume e torna mais claro o corpo e argumento do artigo, apresentando os pontos de vista com concisão. Pode terminar com propostas de investigação futura.


Croma 4, Estudos Artísticos -Manual de estilo da.


Croma -Meta-artigo As comunicações mais categorizadas pela Comissão Científica são publicadas em periódicos académicos como o número 11 da Revista :Estúdio, os números 5 e 6 da revista Gama, os números 5 e 6 da revista Croma, lançadas em simultâneo com o Congresso CSO'2022. Todas as comunicações são publicadas nas Atas online do VI Congresso (dotada de ISBN).


Condições para publicação.


• Os autores dos artigos são artistas ou criadores graduados, no máximo de dois por artigo. • O autor do artigo debruça-se sobre outra obra diferente da própria.


• Incentivam-se artigos que tomam como objeto um criador oriundo de país de idioma português ou espanhol. • Incentiva-se a revelação de autores menos conhecidos.


• Uma vez aceite o resumo provisório, o artigo só será aceite definitivamente se seguir o manual de estilo publicado no sítio internet do Congresso e tiver o parecer favorável da Comissão Científica. • Cada participante pode submeter até dois artigos.


Submissões.


Primeira fase, RESUMOS: envio de resumos provisórios. Cada comunicação é apresentada através de um resumo de uma ou duas páginas (máx. 2.000 carateres) que inclua uma ou duas ilustrações. Instruções detalhadas em www.cso.fba.ul.pt Segunda fase, TEXTO FINAL: envio de artigos após aprovação do resumo provisório. Cada comunicação final tem cinco páginas (9.000 a 11.000 caracteres c/ espaços referentes ao corpo do texto sem contar com resumos e bibliografia). O formato do artigo, com as margens, tipos de letra e regras de citação, está disponível no meta-artigo auto exemplificativo, disponível no site do congresso e em capítulo dedicado nas revistas :Estúdio, Gama e Croma.


6. Apreciação por 'double blind review' ou 'arbitragem cega.' Cada artigo recebido pelo secretariado é reenviado, sem referência ao autor, a dois, ou mais, dos membros da Comissão Científica, garantindo-se no processo o anonimato de ambas as partes -isto é, nem os revisores científicos conhecem a identidade dos autores dos textos, nem os autores conhecem a identidade do seu revisor (double-blind). No procedimento privilegia-se também a distância geográfica entre origem de autores e a dos revisores científicos.


Critérios de arbitragem:


• Dentro do tema proposto para o Congresso, "Criadores Sobre outras Obras," versar preferencialmente sobre autores com origem nos países do arco de línguas de expressão ibérica, ou autores menos conhecidos; • Interesse, relevância e originalidade do texto;


• Correta referenciação de contributos e autores e formatação de acordo com o texto de normas.


Custos.


O valor da inscrição irá cobrir os custos de publicação, os materiais de apoio distribuídos e os snacks/cafés de intervalo, bem como outros custos de organização. Despesas de almoços, jantares e dormidas não incluídas.


Croma 4, Estudos Artísticos -Chamada de trabalhos: VI Congresso CSO'2022 em Lisboa como Investigador e Artista Experimental, tem sido extensivamente divulgado e publicado ao nível internacional (mais informações em www.abarbosa.org).


ANTÓNIO DELGADO (Portugal). Doutor em Belas Artes (escultura) Faculdade de Belas Artes da Universidade do Pais Basco (Espanha). Diploma de Estudos Avançados (Escultura). Universidade do País Basco. Pós graduação em Sociologia do Sagrado, Universidade Nova de Lisboa. Licenciado em Escultura, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Foi diretor do mestrado em ensino de Artes Visuais na Universidade da Beira Interior, Covilhã. Lecionou cursos em várias universidades em Espanha e cursos de Doutoramento em Belas Artes na Universidade do Pais Basco. Como artista plástico, participou em inúmeras exposições, entre colectivas e individuais, em Portugal e no estrangeiro e foi premiado em vários certames. Prémio Extraordinário de Doutoramento em Humanidades, em Espanha. Organizador de congressos sobre Arte e Estética em Portugal e estrangeiro. Membro de comités científicos de congressos internacionais. Da sua produção teórica destacam-se, os titulos "Estetica de la muerte em Portugal" e "Glossário ilustrado de la muerte", ambos publicados em Espanha. Atualmente é professor coordenador na Escola de Arte e Design das Caldas da Rainha do IPL, onde coordena a licenciatura e o mestrado de Artes Plásticas.


APARECIDO JOSÉ CIRILLO . É pesquisador vinculado ao LEENA-UFES, Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes da Universidade Federal de Espírito Santo (UFES) (grupo de pesquisa em Processo de Criação). Professor Permanente do Programa de Mestrado em Artes da UFES e artista plástico. Possui graduação em Artes pela Universidade Federal de Uberlândia (1990), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (1999) e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo . Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Artes, Artes Visuais e Teorias e História da Arte, atuando nos seguintes temas: artes e processos contemporâneos, arte pública e teoria do processo de criação. É editor da Revista Farol (ISSN 1517-7858) e membro do conselho científico da Revista Manuscrítica (ISSN 1415-4498). Foi diretor do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo de maio de 2005 a janeiro de 2008, foi Presidente da Associação de Pesquisadores em Crítica Genética . Atualmente é Pró-reitor de Extensão da UFES.


ARTUR RAMOS (Portugal). Nasceu em Aveiro em 1966. Licenciou-se em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Em 2001 obteve o grau de Mestre em Estética e filosofia da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 2007 doutorou-se em Desenho pela Faculdade de Belas-Artes da mesma Universidade, onde exerce funções de docente desde 1995. Tem mantido uma constante investigação em torno do Retrato e do Auto--retrato, temas abordados nas suas teses de mestrado, O Auto-retrato ou a Reversibilidade do Rosto, e de doutoramento, Retrato: o Desenho da Presença. O corpo humano e a sua representação gráfica tem sido alvo da sua investigação mais recente. O seu trabalho estende-se também ao domínio da investigação arqueológica e em particular ao nível do desenho de reconstituição.


CARLOS TEJO (Espanha). Doctor en Bellas Artes por la Universidad Politécnica de Valencia. Profesor Titular de la Universidad de Vigo. Su línea de investigación se bifurca en dos intereses fundamentales: análisis de la performance y estudio de proyectos fotográficos que funcionen como documento de un proceso performativo o como herramienta de la práctica artística que tenga el cuerpo como centro de interés. A su vez, esta orientación en la investigación se ubica en contextos periféricos que desarrollan temáticas relacionadas con aspectos identitarios, de género y transculturales. Bajo este corpus de intereses, ha publicado artículos e impartido conferencias y seminarios en los campos de la performance y la fotografía, fundamentalmente. Es autor del libro: "El cuerpo habitado: fotografía cubana para un.


Sobre a Croma.


Grupo de periódicos académicos associados ao Congresso Internacional CSO A Revista Croma surge do contexto muito produtivo e internacional dos Congressos CSO (Criadores Sobre outras Obras), realizados na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. A exigência das comunicações aprovadas, a sua qualidade, e os rigorosos procedimentos de seriação e arbitragem cega, foram fatores que permitiram estabelecer perfeita articulação entre a comissão científica internacional do Congresso CSO e o Conselho Editorial das revistas que integram este conjunto a ele associado: as revistas Croma, Gama e :Estúdio. Pretende--se criar plataformas de disseminação mais eficazes e exigentes, para conseguir fluxos e níveis mais evoluídos de práticas de investigação em Estudos Artísticos.


Pesquisa feita pelos artistas.


Cada vez existem mais criadores com formação especializada ao nível do mestrado e do doutoramento, com valências múltiplas e transdisciplinares, e que são autores aptos a produzirem investigação inovadora. Trata-se de pesquisa, dentro da Arte, feita pelos artistas. Não é uma investigação endógena: os autores não estudam a sua própria obra, estudam a obra de outro profissional seu colega.


Procedimentos de revisão cega.


A Croma é uma revista de âmbito académico em estudos artísticos. Propõe aos criadores graduados que abordem discursivamente a obra de seus colegas de profissão. O Conselho Editorial aprecia os resumos e os artigos completos segundo um rigoroso procedimento de arbitragem cega (double blind review): os revisores do Conselho Editorial desconhecem a autoria dos artigos que lhes são apresentados, e os autores dos artigos desconhecem quais foram os seus revisores. Para além disto, a coordenação da revista assegura que autores e revisores não são oriundos da mesma zona geográfica.


Arco de expressão ibérica.


Este projeto tem ainda uma outra característica, a da expressão linguística. A Croma é uma revista que assume como línguas de trabalho as do arco de expressão das línguas ibéricas, -que compreende mais de 30 países e c. de 600 milhões de habitantespretendendo com isto tornar-se um incentivo de descentralização, e ao mesmo tempo um encontro com culturas injustamente afastadas. Esta latinidade é uma zona por onde passa a nova geografia política do Século XXI.


Uma revista internacional.


A maioria dos autores publicados pela Croma não são afiliados na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa nem no respetivo Centro de Investigação (CIEBA): muitos são de origem variada e internacional. Também o Conselho Editorial é internacional (Portugal, Espanha, Brasil) e inclui uma maioria de elementos exteriores à FBAUL e ao CIEBA: entre os 18 elementos, apenas 4 são afiliados à FBAUL / CIEBA.


Aquisição de exemplares e assinaturas.


Preço de venda ao público: 10 € + portes de envio Assinatura anual (dois números): 15 € Para adquirir os exemplares da revista Croma contactar -Gabinete de Relações Públicas da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa Largo da Academia Nacional de Belas-Artes 1249--058 Lisboa, Portugal T +351 213 252 108 / F +351 213 470 689 Mail: grp@fba.ul.pt.


Croma 4, Estudos Artísticos -Sobre a.


Croma.


A Revista Croma tem vindo a estabelecer uma linha temática de disseminação de artigos escritos por artistas e sobre outros artistas, com um denominador comum, a reflexão sobre a implicação social da arte. São as perspetivas que consideram a arte dentro de um campo expandido , onde a dimensão política é o seu suporte mais quotidiano, no que se poderá referir dentro da perspetiva da arte relacional . Reúnem-se aqui artigos que meditam nas ligações que a intervenção artística estabelece com o seu público, fazendo da sociedade um suporte para a implicação. Privilegiam-se meios tecnológicos de proximidade, como a performance e a arte urbana, o cinema, o teatro, a dança, ou as tecnologias emergentes, entre outros média.


No quarto número da Revista Croma, em particular, estabeleceu-se um diálogo entre os artigos selecionados e o tema da substituição, dentro da economia das trocas simbólicas . Este conjunto de artigos permite estabelecer uma teia de relações em torno da implicação da arte e da sua dimensão política. É um tema que, depois de irromper em alguns restritos sectores da arte conceptual dos anos 60, se tem vindo a consolidar, com cada vez mais numerosos autores e exemplos. A Revista Croma parece testemunhar uma dimensão solidária e humanista emergente tanto na Península Ibérica como, e talvez com mais saliência, em toda a América Latina. A vibração da arte relacional trepida nos múltiplos agentes "provocadores" que apresentamos, sob a óptica do olhar dos artistas sobre outros artistas.

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